quarta-feira, 15 de abril de 2020

Os Tempos

Sermão nº 2718
Leitura prevista para o Dia do Senhor, 17 de março de 1901
Ministrado por
C. H. SPURGEON,
No Tabernáculo Metropolitano, Newington.
Na noite de Quinta-feira, 13 de maio de 1880.

“O qual nos livrou de tão grande morte, e livra; em quem esperamos que também nos livrará ainda” ー 2 Coríntios 1:10 (ACF)

Quando as crianças estão aprendendo gramática, precisam prestar bastante atenção aos tempos verbais; para os cristãos, igualmente, também é importante se lembrar dos tempos ー ponderar sobre o passado, sobre o presente e sobre o futuro. Nosso texto coloca vividamente estas três coisas diante de nós e nos relembra de que Deus livrou, livra e continuará livrando.

Primeiramente, vamos pensar um pouco sobre o passado. Quantos anos tens, meu amigo? Quantos dos teus anos empregaste proveitosamente e quantos permitiste desperdiçar? Por quantos anos cedeste à vontade da carne e foste servo do pecado e de Satanás? Há quanto tempo nasceste de novo? Qual é tua idade espiritual? Faz um registro da tua vida e examina-a, desde os dias da tua infância, passando pela tua juventude e início da vida adulta até agora. Deve fazer bem ler esse livro; em alguns aspectos, todas as suas páginas podem nos fazer chorar; no entanto, vistas por outro ângulo, algumas podem nos fazer cantar. Esse é o único livro da biblioteca que muitas pessoas não querem pegar e ler, pois está manchado e tem histórias humilhantes; no entanto, “Deus fará renovar-se o que se passou” (Ec 3.15), e é sinal de sabedoria conversar com os anos passados e aprender com eles as muitas lições que podem ensinar. Todos os dias que vivemos irão adiante de nós no tribunal, e cada um dará o seu testemunho e o deixará lá; portanto, não sejamos alheios ao que Deus Se lembra, e não nos esqueçamos de que podemos nos arrepender das coisas erradas e ser gratos pelas coisas certas.

A seguir, pensem sobre a segunda parte da vida, ou seja, o tempo presente; e aqui, permitam-me dizer-lhes, caros amigos, sobre a importância de valorizar o presente. Na verdade, o tempo presente é o único tempo que temos. O passado já se foi, e não podemos recuperá-lo; o futuro nunca realmente será nosso, pois quando ele vier, será presente também. Vivemos apenas o presente; por isso, se desperdiçarmos essas horas preciosas que estão conosco agora, desperdiçaremos tudo o que temos. Se não servirmos a Deus hoje, quando O serviremos? Amanhã? Não, pois quando essa oportunidade chegar, o “amanhã” terá se transformado em “hoje”. Vamos nos esforçar, com a ajuda de Deus, para aproveitar bem os nossos momentos, a fim de não desperdiçar nenhum deles. É bom que nossa vida seja dividida em curtos períodos. Outro dia, estava dando uma olhada no diário de John Wesley, ou melhor, nos seus horários, pois no diário não havia somente uma entrada por dia, mas uma atividade distinta a cada vinte minutos. O bom homem fez com que seus dias tivessem muitas horas, e suas horas pareciam ter muito mais minutos que as horas das outras pessoas, pois ele não desperdiçava nenhuma delas, mas diligentemente as usava a serviço do Mestre. Que Deus nos ajude a fazer o mesmo prestando bastante atenção à presente porção da nossa vida!

Quanto ao futuro, existe uma curiosidade ociosa que leva as pessoas a tentar viver nele, à qual devemos renunciar. No entanto, existe também uma expectativa graciosa que nos permite viver nele, uma ansiedade santa que nos leva a nos preparar para ele. É de grande sabedoria falarmos dos anos por vir quando falamos tendo em vista o seu fim. Gostaria que vocês estivessem familiarizados com seus túmulos, pois logo estarão neles; e mais familiarizados ainda com a morada da sua ressurreição, lembrando-se de que Deus “juntamente com ele, nos ressuscitou, e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus” (Ef 2.6). Devemos sempre imaginar a nós mesmos no futuro, não só no presente. Reunir forças para o futuro, muitas vezes, é a melhor forma de lidar com o presente. Seremos capazes de suportar os fardos do presente com mais facilidade quando pensarmos na brevidade do tempo que teremos de carregá-los. Nossa “leve e momentânea tribulação” (2 Co 4.17) vai parecer leve como uma pena quando anteciparmos o “eterno peso de glória, acima de toda comparação” que Deus tem preparado para nós.

Portanto, eu lhes recomendo esta regra de três e os aconselho a sempre considerar o passado, o presente e o futuro. Agora, eu os convido a fazê-lo em conexão com a misericórdia libertadora de Deus. Ele nos livrou, nos livra e nos livrará. Assim, em primeiro lugar, vou lhes mostrar três linhas de pensamento; em segundo, três linhas de argumento; e, em terceiro, três inferências.
  1. O TEXTO SUGERE TRÊS LINHAS DE PENSAMENTO.
A primeira delas é a memória, que nos fala sobre as libertações no passado: “o qual nos livrou de tão grande morte”. Tomem as palavras de Paulo ao pé da letra e lembrem-se de como Deus já livrou alguns de nós da morte. Talvez alguns já estiveram bem próximos dela causa de alguma doença. Alguns já contemplaram a eternidade diversas vezes; nossas enfermidades não têm sido brincadeira de criança e temos percebido a possibilidade, ou até mesmo a probabilidade, de logo deixarmos os compromissos desta vida mortal e estarmos diante de Deus. No entanto, somos ressuscitados; deixamos nosso quarto, fracos, apoiados na bengala, mas somos preservados, vivos, vivos, para louvar o Senhor, como o fazemos hoje. Não tenho dúvidas de que quase todos nós já tivemos, vez por outra, uma prova especial de que “com Deus, o Senhor, está o escaparmos da morte” (Salmo 28.20).

Nossas libertações passadas, contudo, não foram apenas da morte física; recebemos libertações muito maiores que essa. Antes de tudo, fomos libertos da morte espiritual. Não se lembra, querido irmão ou irmã, de quando você foi trazido das trevas para a maravilhosa luz de Deus? Talvez você não saiba exatamente quando ocorreu essa grande mudança, mas não se preocupe, isso não é tão importante se agora você pode dizer: “De uma coisa eu sei: eu antes era cego, mas agora posso ver”. Alguns de nós se lembram exatamente de quando viemos a Cristo e descansamos nEle; e o fizemos de todo coração e alma, louvando-O por termos sido libertos daquela terrível morte que há tanto tempo nos mantinha cativos. Deus nos resgatou por Sua graça e nos fez sair do túmulo do pecado, olhar pra Jesus e desejar ser como Ele.

Além disso, alguns devem se lembrar de quando foram libertos do desespero. É terrível não ter esperança alguma de salvação e não saber o que fazer. Nem todos foram trazidos a Cristo em meio a uma terrível tempestade, como alguns de nós; muitos vieram a Cristo em circunstâncias mais felizes. Se este é o seu caso, sejam gratos por isso. Alguns de nós, no entanto, estávamos em grande aflição quando tentamos tocar a orla de Suas vestes; éramos pressionados e esmagados pela multidão, e parecia que perdíamos o próprio fôlego. Quando fui convencido do meu pecado, lembro-me de como minha alma vagava incerta, cambaleante como um bêbado; no entanto, o Senhor me livrou e me ensinou a descansar nEle, obtendo, assim, plena segurança, embora naquela época eu achasse que nunca seria alcançado pela misericórdia. Amados, se, além da minha experiência, descrevo também a sua, vamos juntos bendizer o Senhor por Sua misericórdia em nos libertar de uma morte tão terrível. A lembrança da nossa libertação do pecado e do desespero deve ocupar o primeiro lugar em nossas gratas reminiscências.

No entanto, desde então, quantas vezes você já não foi liberto da tentação? Você diz junto com o salmista: “Quanto a mim, porém, quase me resvalaram os pés; pouco faltou para que se desviassem os meus passos” (Salmo 73.2); no entanto, graças a Deus, não se desviaram. Se você olhar para trás com um pouco mais de cuidado, verá que, em muitas ocasiões, não fosse a misericórdia impeditiva do Senhor, das duas uma: ou você teria atolado no lamaçal ou teria caído no charco. Se o Senhor não tivesse conduzido seu navio, ele teria batido na rocha de Cila ou teria sido engolido pelo redemoinho de CharybdisNT1. Será que às vezes você não se pergunta como conseguiu resistir a determinada tentação, a qual se encaixava tão bem às circunstâncias e era tão atraente? Contudo, naquela época, você não sabia que aquilo era uma tentação, nem tinha sabedoria suficiente para resistir à astúcia de Satanás e, ainda assim, não caiu na sua armadilha, por mais astutamente que tenha sido colocada; e, por essa libertação, você deve bendizer o nome do Senhor. Alguns têm a obrigação de louvá-lO por tê-los libertado de coisas que até choraram para ter. E Ele não permitiu que tivessem; vocês ficaram desapontados e disseram que estavam com o coração partido. Ah! Mas foi o jeito como o Senhor os tratou que os livrou de um coração partido. Você disse “Ai, Senhor, mas eu queria tanto”! Foi bom você não ter tido o que queria, pois o que você pensava ser um lindo bracelete cheio de joias, na verdade, era uma víbora que, se você tivesse pego, teria lhe dado uma picada mortal. Bendito seja Deus por não ouvir algumas de nossas orações! Bendito seja o Senhor por não satisfazer todos os nossos desejos!

Também devemos louvá-lO por suas libertações nos tempos de angústia. Nem todos são provados da mesma forma. Sou grato por alguns não serem afligidos tanto quanto outros, mas me dirijo àqueles cujas cargas têm sido muitas e muito pesadas. Seu caminho tem sido tortuoso. John Bunyan diz: “Um cristão raramente fica muito à vontade; quando um problema vai, outro vem”, e isso é verdade para muitos de nós, e podemos dizer com o salmista: “passamos pelo fogo e pela água” (Salmo 66.12). Alguns filhos de Deus têm enfrentado situações bastante difíceis, muitos têm de viver com pouquíssimos recursos ー muito embora eu ache que quase todos estamos no mesmo barco ー mas existem algumas pessoas piedosas que nunca tiveram qualquer reserva, mesmo que, realmente, não chegassem a querer alguma coisa. Não sei se isso é tão ruim assim, pois pardais e corvos vivem desse modo e Deus os sustenta. No entanto, alguns acham que é uma verdadeira tribulação viver com escassez, ficar doente ou ter alguém chegado passando constantemente por aflições. Existem diversos tipos de perdas e danos, provações e tribulações que os santos têm de enfrentar. Sim, mas nada disso ainda nos destruiu, pois o Senhor sempre nos livrou. Uma pobre viúva fica se perguntando como conseguiu criar uma família tão grande, cheia de crianças pequenas. Ela não sabia como sustentá-los quando o marido ainda era vivo; mas, quando ele se foi, eles foram amparados. É incrível, mas aconteceu. E você, que de repente parecia ter todas as suas esperanças dissipadas, mas, como uma miragem no deserto, acabou recebendo ajuda. Você havia dito “se uma coisa dessas me acontecesse, isso me mataria”. Aconteceu, e você não morreu, pois está aqui para testemunhar a libertação misericordiosa do Senhor. Um a um os mensageiros de Jó levaram-lhe as más notícias, contudo o Senhor o livrou das provações que ameaçavam esmagá-lo. Não consigo parar de mencionar os livramentos passados e, provavelmente, nós nem tivemos conhecimento da maioria deles. Glória a Deus por Suas misericórdias desconhecidas ー dádivas que chegaram na noite em que mais precisávamos delas; dádivas que nos ajudaram a dormir e a acordar revigorados; dádivas que entraram, com passos silenciosos, em nossa casa e em nosso coração, e saíram deixando rastros do azeite sagrado da misericórdia divina.

Esta é a primeira linha de pensamento ー a memória, que nos fala sobre os livramentos do passado.

A segunda é a observação, a qual chama a atenção para as libertações do presente: “e livra”. Abram os olhos, irmãos e irmãs, e vejam como Deus os está livrando neste exato momento. Não estou dizendo que, se tiverem os olhos mais abertos verão todas as suas libertações, pois, muitas vezes, foram poupados de problemas, enquanto, em outras, foram libertos deles. Já lhes contei a história daquele bom e velho puritano que encontrou o filho a caminho de casa. Quando o jovem vinha chegando, disse: “Pai, tive um livramento especial enquanto vinha para cá”. “O que foi, meu filho?”. Meu cavalo tropeçou três vezes, mas não fui derrubado”. “Engraçado, tive um livramento parecido quando vinha para cá”. “Qual?” “Meu cavalo não tropeçou nenhuma vez, e também não fui derrubado”. Quando sofremos um acidente de trem, e escapamos ilesos, dizemos: “Foi a providência!” Sim, mas não pensamos em providência quando somos poupados de um acidente de trem por termos ficado em casa! Com frequência não vemos a maior parte dos efeitos da misericórdia! Como a libertação divina fica evidente no fato de estarmos aqui neste exato momento! Um incidente relativamente insignificante poderia ter causado a nossa morte. Pode ser que amanhã de manhã tenhamos dúvida em relação ao que devemos fazer, mas a providência de Deus vai direcionar a nossa escolha, e a nossa escolha poderá afetar todo o resto da nossa vida.

Se, neste exato momento, não estamos sendo atacados por nenhuma tentação é porque Deus está nos livrando disso. No entanto, talvez Satanás esteja planejando uma nova tentação para nos atacar; mas embora ele queira nos peneirar como trigo, Cristo está orando por nós, para que a nossa fé não desfaleça. Poderíamos cair em erros doutrinários, não fosse a misericórdia restritiva de Deus. É incrível como pessoas zelosas podem ser levadas pelas novidades do momento! Parece até que elas não conseguem resistir à força dos argumentos defendidos pelos novos ensinamentos; contudo, somos impedidos de ceder a eles quando nosso coração está firmado em fé, de modo a não crermos em cada nova doutrina que aparece, julgando-as segundo a Palavra de Deus; e, assim, somos impedidos de vaguear por caminhos erráticos.

Como Deus é gracioso em preservar muitos de nós da língua da calúnia! É maravilhoso poder viver em público sem ser acusado de algum crime. E a mulher recatada, a dona de casa que só faz cuidar dos próprios filhos, às vezes encontra uma pessoa ou outra que a difame. Nem sempre podemos escapar da língua mortífera da infâmia, seja você o que for ou esteja onde estiver; e é motivo de gratidão o fato de Deus manter a reputação dos cristãos imaculada ano após ano. Não sabemos onde estaríamos ou o que seríamos se a graciosa proteção de Deus não estivesse ao nosso redor como uma muralha de fogo, como está bem agora, pois o Senhor ainda livra todos aqueles que confiam nEle. Quero, caros irmãos e irmãs, que creiam em Deus com inquestionável confiança de que Ele os está livrando neste exato momento. Vocês sabem que Ele os tem livrado, por isso, tenham certeza de que Ele também os está livrando agora. Mas alguém diz: “Ah! Estou preso no calabouço do desespero”! Sim, mas seu Senhor tem a chave que pode abrir a porta e deixá-lo sair. “Mas estou muito necessitado”. Ele sabe disso, e tem uma cesta em Suas mãos cheia de coisas boas com as quais vai suprir todas as suas necessidades. E outra pessoa diz: “Ai, estou me afogando na enchente”. Mas Ele está jogando o salva-vidas para você. “Ó, estou a ponto de desmaiar!” Ele está pondo um vidro de perfume suave em suas narinas para reanimar o seu espírito. Deus está perto de ti, para reviver e reanimar a tua alma cansada. Talvez alguém diga: “Acho que ter fé em relação passado e ao futuro final é razoavelmente fácil. O difícil é ter fé nas próximas duas ou três horas”. Em certos momentos, achamos que a provação é particularmente presente, mas nem sempre podemos perceber que Deus é “bem presente nas tribulações” (Salmo 46.1); no entanto, isso é verdade. Ele livrou, e Ele livra.

A terceira linha de pensamento é ー a expectativa olha pela janela para o futuro: em quem esperamos que também nos livrará ainda. Sim, caros amigos, pode haver ainda muitas tribulações adiante, mas há também uma quantidade enorme de misericórdia acumulada para enfrentá-las. Problemas que você nunca enfrentou, assim como alguns já conhecidos, com certeza ocorrerão; mas, à medida que o tempo passar, você ficará mais forte, pois o Senhor continuará a livrá-lo. À medida que a vista começa a falhar e os membros a enfraquecer, e as enfermidades da idade se insinuam sobre nós, ficamos mais propensos às tribulações; contudo, o Senhor não nos abandonará. Quando doenças graves invadem nossa estrutura mortal, e nossas dores se multiplicam e se intensificam, ficamos nos perguntando como conseguiremos resistir até o fim; especialmente quando aguardamos a hora da nossa morte ー o que nem sempre observamos sob a verdadeira luz ー e dizemos: “O que faremos quando estivermos às margens do Jordão? Será que vamos suportar a dura realidade das últimas horas?” Tenham bom ânimo, irmãos e irmãs, Aquele que os livrou e os livra, continuará livrando. Tão certo quanto as provações vêm, certo será o meio de escape dado pelo Senhor. Percebem todas as implicações daquilo que estou falando? Ele os livrou; portanto, sejam gratos a Ele. Ele os está livrando; assim, confiem nEle. Ele os livrará; então, entreguem a Ele sua plena e alegre expectativa, e comecem desde já a louvá-lO pelas misericórdias que estão por vir e pela graça que ainda não provaram, mas que provarão no tempo Dele.

       2. Em segundo lugar, O TEXTO FORNECE TRÊS LINHAS DE ARGUMENTO, todas levando ao mesmo ponto.

O ponto a ser demonstrado é que o Senhor livrará o Seu povo; e o meu argumento é que Ele nos livrará no futuro porque já começou a nos livrar. Eis uma cadeia de continuidade: Ele livrou, Ele livra e Ele livrará. Ele começou a obra da nossa libertação muito antes de O buscarmos. O primeiro movimento não foi nosso para Deus, mas de Deus para nós. Nós estávamos mortos em nossos delitos e pecados e Ele veio e nos deu vida (Ef. 2.1-5). Ele deu Seu Filho para morrer por nós muito tempo antes de nascermos; Ele providenciou o evangelho para nós muitos antes de eu e você termos pecado; em todas as coisas Ele teve a primazia e, de antemão, esteve conosco. No entanto, Ele não precisava ter feito tudo isso, mas Ele agiu por Sua própria escolha e livre-arbítrio. Eu me regozijo no livre-arbítrio de Deus que o levou a nos libertar. 

Por isso, já que o motivo que O levou a nos salvar estava única e exclusivamente nEle mesmo, com certeza esse motivo ainda está lá. Se Ele tivesse começado a nos livrar porque viu alguma bondade em nós ou porque O buscamos em primeiro lugar, então, afinal, Ele poderia nos deixar; mas, como o início estava nEle mesmo, em Seu próprio coração, espontaneamente, e só depende disso, tendo começado a obra, Ele irá completá-la. O conhecimento de Deus sobre nós não é maior agora do que era no início. Quando ele começou a trabalhar em nós, Ele sabia como seríamos, Ele sabia de antemão quais seriam os nossos pecados e as nossas tolices, nossas ingratidões e nossos retrocessos. Ele não começou, de olhos vendados, uma obra que, depois de pensar duas vezes, iria abandonar; mas, desde a eternidade Ele sabia como seríamos. E, ainda assim, ele começou a trabalhar em nós e, tendo começado com a deliberação do eterno amor, é certo que Ele perseguirá o Seu objetivo com a perseverança desse amor. Se houvesse, a princípio, alguma razão em nós pela qual Deus pudesse começar a nos livrar, sendo ela removida, Ele poderia deixar de nos livrar; no entanto, como a razão não estava em nós, mas nEle mesmo, e já que Ele nunca muda, a razão para a nossa libertação continua a mesma, e o argumento é alto e claro ー Ele nos livra e nos livrará.

O próximo argumento vem do fato de que, da mesma forma que Ele está nos livrando agora, Ele continuará a nos livrar. Eis a continuidade da Sua graça. Vejam, amados, Ele tem, até agora, livrado vocês e a mim, nós que confiamos nEle. Quantas vezes Ele me livrou? De quantos problemas fui libertado? De quantos pecados fui liberto? Então, se o Senhor tem me livrado há tanto tempo, o meu argumento é que, se alguma vez Ele tivesse tido a intenção de parar, Ele já teria parado e, portanto ー

Seu amor no passado me proíbe de pensar
Que em problemas Ele me deixará afundar
Cada doce Ebenézer que tenho em mente
Confirma Sua satisfação em me ajudar no presente

Quando uma pessoa começa uma construção, imaginamos que, se puder, ela vai terminá-la. Sabemos que nosso Deus pode completar a obra que começou, por isso, concluímos que Ele o fará. Sinto que Ele foi tão longe comigo que não vai desistir agora.

Será que Ele me ensinou a confiar em Seu nome,
E me trouxe até aqui para me envergonhar?

Não, isso nunca vai acontecer; e muitos aqui precisam sentir o mesmo que eu sobre esse assunto. Alguns de vocês já estão sentados na porta do céu, por assim dizer; já estão com mais de oitenta anos, por isso não devem estar longe; será que podem confiar no Senhor por mais alguns meses ou anos? E você, minha idosa irmã, Ele a tem ajudado desde que era uma garotinha; e já livrou-a de tudo quanto é problema; você acha que Ele vai abandoná-la agora? E você, meu caro irmão; você conheceu o Senhor quando ainda era apenas um menino, e Ele nunca o deixou; por que Ele o deixaria agora? Não, bendito seja o Seu nome, Ele não deixará! Todos esses anos de favor servem para confirmar em nós a convicção de que Ele continuará nos livrando até nos levar em segurança para o lar.

Não só o Senhor tem nos livrado com frequência, mas também tem feito isso de maneira tão maravilhosa que deve continuar agindo assim. Que sabedoria incrível às vezes Ele demonstra quando nos liberta das consequências das nossas próprias tolices! Muitas vezes Ele parece dispensar Sua misericórdia para nos ajudar nas horas de maior necessidade, e não falha uma vez sequer. De Sua parte não há promessas quebradas ou bênçãos retidas. Se algum de vocês, que O conhece há mais tempo, tiver alguma coisa a dizer contra Deus, que diga; mas ninguém tem. Vocês nunca tiveram razão para duvidar Dele, nem para suspeitar da Sua fidelidade por algo que acharam que Ele fez e que os levou a desconfiar Dele no futuro. Ele livrou, está livrando e ainda livrará. Dois argumentos, extraídos do passado e do presente.

O melhor argumento, no entanto, vem do próprio Deus: “em quem esperamos”. Ele é sempre o mesmo, e tudo é sempre presente para Sua mente imutável. Qual foi o atributo de Deus que o fez decidir me livrar? Foi o amor? Então, ainda é o amor. O que motivou o Filho de Deus quando Ele veio do alto e me arrebatou das águas profundas? O amor, surpreendente amor; e é surpreendente o amor que ainda O faz me livrar. Não cantei outro dia um hino sobre a Sua fidelidade? Ela é exatamente a mesma ainda hoje. Não tenho cultuado Sua sabedoria? Tal sabedoria não se esgotou.

Não há em Deus somente a mesma natureza que sempre existiu, há também o mesmo propósito imutável. Vocês e eu estamos sempre mudando; e somos forçados a agir assim, pois fazemos promessas precipitadas e planos descabidos. Deus, contudo, infinito em Sua sabedoria, sempre cumpre o Seu propósito. Ora, se o Seu propósito original era nos salvar ー e deve ter sido, ou Ele nunca teria nos libertado ー esse propósito ainda permanece, e permanecerá para sempre. Mesmo que as colunas da terra se curvem, mesmo que os céus e a terra passem, como a geada se derrete ante o sol da manhã, ainda assim o decreto do imutável Yahweh jamais será mudado. “Porque o Senhor dos Exércitos o determinou; quem, pois, o invalidará? A sua mão está estendida; quem, pois, a fará voltar atrás?” (Isaías 14.27).

        3. Falta-me tempo, por isso, posso apenas mostrar brevemente que O TEXTO DÁ MARGEM A TRÊS INFERÊNCIAS.

A primeira inferência eu tiro de que sempre estaremos em perigo enquanto estivermos aqui. O Senhor livrou, livra e livrará, por isso sempre precisaremos da libertação divina enquanto estivermos neste mundo. Não podemos esperar que, enquanto estivermos aqui, estaremos sempre livres do ataque do inimigo. Irmãos e irmãs em Cristo, entendam uma coisa: vocês sempre terão tribulações enquanto estiverem neste mundo, serão provados na carne, serão provados no espírito, serão provados por Deus e provados por Satanás; e se, a qualquer momento, não estiverem sendo provados, fiquem atentos, pois é bem provável que a provação esteja a caminho. Quando há muito deleite é sempre bom desconfiar que algum perigo está por perto. Quando Deus nos dá um longo trecho de calmaria, é bom conduzir nosso barco com cautela e estar prontos para recolher as velas a qualquer momento, pois um ciclone pode nos abater antes mesmo de sabermos onde estamos. Não precisamos pedir que o Senhor nos mande problemas, mas, quando vierem, tenhamos a graça de aceitá-los e glorificar a Deus neles. Enquanto estivermos neste mundo, devemos sempre saber que é o mundo, por isso, que não venhamos a cometer nenhum erro sobre isso; o diabo é o diabo, o mundo é o mundo e a carne é a carne. Nada disso mudou, e a misericórdia é que Deus não muda, Ele é o mesmo de sempre. Se eu achasse que o mundo não é o mundo, poderia ter receio de que Deus não é Deus. No entanto, isso nunca será assim. Portanto, como as provações estão sempre surgindo, posso presumir que elas venham enquanto durar esse período; mas também acredito plenamente que Deus sempre será o mesmo, e que Ele livrará quem nEle confia.

A segunda inferência é que sempre podemos esperar uma demonstração da graça libertadora de Deus. O passado diz: Ele livrou; o presente diz: Ele livra; e o futuro diz: Ele ainda livrará. Ontem Deus foi muito gracioso para comigo; amanhã, Ele também será muito gracioso para comigo; e assim será depois de amanhã, no dia seguinte e no outro dia, e assim por diante até não haver mais dias e o tempo for engolido pela eternidade. Entre aqui e o céu cada minuto vivido pelo cristão será um minuto de graça. Daqui até o trono do Altíssimo teremos de receber continuamente novas graças do Senhor que está assentado nas alturas. Querido irmão, você nunca teve um dia na vida que fosse realmente santo, feliz e abençoado que não fosse pela graça divina. Você nunca teve um pensamento bom, nunca agiu corretamente, nem nunca teve qualquer avanço em direção ao céu que não fosse pela graça divina. Gosto de pensar que seja assim, que a cada dia eu seja um monumento de misericórdia; que a cada dia em tenha uma nova demonstração da graça soberana, que a cada dia meu Pai me alimente, meu Salvador me limpe e o Consolador me sustenha. A cada dia, novas manifestações da bondade do Senhor jorram sobre a minha alma maravilhada e me dão nova percepção do Seu amor miraculoso. Não consegui encontrar outra palavra para expressar o que queria dizer, pois a única que parecia saltar dos meus lábios era justamente essa ー Seu miraculoso amor! E assim é, um amor que opera milagres, tornando a vida do cristão uma série de milagres, ante os quais os anjos contemplarão para sempre com surpreendente reverência o incrível amor de Deus pelos homens culpados. Portanto, creio que podemos prosseguir com grande confiança; pois, embora todos os dias tragam perigos, todos eles também são testemunhas dos livramentos divinos.

Em terceiro lugar, a última inferência que retiro do texto é que toda a nossa vida deve ser preenchida com louvores a Deus, nosso Libertador. Como isso funciona? Ele nos livrou e, agora, nós nos livramos? Não, é claro que! Ele nos livrou; Ele nos livra; e ー quanto ao futuro? Devemos livrar a nós mesmos? Não mesmo! Ele livrou; Ele livra; e Ele nos livrará ー a mesma Pessoa, operando no início, no meio e no fim. É tudo de Deus, do início ao fim; não há qualquer libertação que já tenhamos recebido que não possa ser atribuída unicamente ao Senhor. Do lado de dentro do portão do céu, todo louvor é dado ao triúno Yahweh: “Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, como foi no princípio, é agora e sempre será”; e do lado de fora do portão do céu, devemos cantar a mesma canção, no mesmo tom; que seja sempre para o louvor da graça, graça, GRAÇA. Ao Deus da graça; ao Pai da graça; ao Cristo da graça; ao Santo Espírito e Sua graça; e a Deus seja toda a glória para sempre e sempre! Amém.

Tradução e revisão: Mariza Regina de Souza



HINOS NºS 196, 733 E 735 DO NOSSO PRÓPRIO HINÁRIO.

NT1 ━ Entre Scylla e Charybdis. Estar entre Scylla e Charybdis é uma linguagem derivada da mitologia grega, que significa "ter que escolher entre dois males". Vários outros idiomas, como "nos chifres de um dilema", "entre o diabo e o mar azul profundo", e "entre uma rocha e um lugar difícil" expressam o mesmo significado. (https://educalingo.com/pt/dic-en/between-scylla-and-charybdis)