terça-feira, 31 de outubro de 2017

31 de outubro - Devocional matutina

“renova dentro de mim um espírito inabalável” ━ Salmo 51.10

Para o infiel, se ainda restou dentro dele uma centelha de vida, ela irá brilhar após sua restauração. Nessa renovação, é preciso o mesmo exercício da graça que houve na nossa conversão. Naquele momento foi preciso arrependimento; e, com certeza, agora também. Carecíamos de fé para nos aproximar de Cristo; agora, só a mesma graça pode nos levar a Ele. No início, foi necessário uma palavra do Altíssimo, uma palavra dos lábios do Amado, para pôr fim aos nossos medos; agora, logo descobriremos que, quando temos plena convicção do nosso pecado, também necessitamos dela. Como no princípio, ninguém pode ser renovado sem a manifestação real e verdadeira da força do Espírito Santo, pois a obra é imensa, e carne e sangue irão se opor a ela como sempre fizeram. Que a tua fraqueza pessoal, ó cristão, seja um bom argumento para orares a Deus com fervor, suplicando o Seu auxílio. Lembre-se, Davi, quando se sentiu impotente, não cruzou os braços nem fechou os lábios, mas correu para o propiciatório, pedindo: “renova dentro de mim um espírito inabalável”. Não permita que a doutrina “sem auxílio, você nada pode fazer” o entorpeça; mas que ela o leve, com toda sinceridade, ao poderoso Ajudador de Israel. Ah, que você possa ter a graça de rogar a Deus, como se rogasse por sua própria vida: “Senhor, renova dentro de mim um espírito inabalável”. Aquele que, sinceramente, ora a Deus pedindo isso, provará sua honestidade usando os meios pelos quais Deus opera: orando sem cessar, vivendo de acordo com Sua Palavra; fazendo morrer as concupiscências que o afastam do Senhor; vigiando para não cair em tentação. O Senhor tem seus próprios caminhos; sente-se à beira da estrada e você estará pronto quando Ele passar. Permaneça firme em todas as benditas ordenanças que alimentam e nutrem seus dons desvanecentes; e, sabendo que todo poder deve vir Dele, não cesse de clamar: “renova dentro de mim um espírito inabalável”.

Charles Spurgeon
Tradução e revisão: Mariza Regina de Souza

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

19 de outubro - Devocional matutina

Crianças em Cristo - 1 Coríntios 13.1

Crente, você lamenta por ser tão fraco na vida cristã: por sua fé ser tão pequena e seu amor tão pobre? Anime-se, pois você tem motivo de gratidão. Lembre-se de que em algumas coisas você é igual aos cristãos mais nobres e maduros. Como eles, você foi comprado com sangue. Como qualquer outro crente, você é filho adotivo de Deus. Assim como um adulto, uma criança também é filha de seus pais. Você é totalmente justificado, pois a justificação não é gradual: sua pequenina fé já o deixou completamente limpo. Como os crentes mais maduros, você também tem tanto direito às joias preciosas da aliança, pois seu direito às suas misericórdias não está em seu crescimento, mas na própria aliança; e sua fé em Jesus não é a medida, mas o sinal da sua herança nEle. Você é tão rico quanto os mais ricos, se não em prazer, em posse real. Mesmo a menor estrelinha também brilha no céu; o raio de luz mais tênue tem afinidade com o grande astro que ilumina o dia. No rol da família da glória, o menor e o maior são inscritos com a mesma pena. Você é tão querido ao coração do Pai quanto os mais nobres da família. A ternura de Jesus por você é abundante. Você é como um pavio fumegante. Um espírito mais rude diria: “apague esse pavio, ele enche a sala com um cheiro horroroso!”, mas Ele não apagará o pavio fumegante. Você é como a cana quebrada, e qualquer mão mais pesada que a do Mestre de Canto o esmagaria ou jogaria fora, mas Ele nunca esmagará a cana quebrada. Em vez de ficar abatido pelo que você é, sinta-se triunfante em Cristo. Sou pequeno em Israel? Cristo me faz assentar em lugares celestiais. Sou pobre na fé? Em Jesus, sou herdeiro de todas as coisas. Embora “de nada possa me orgulhar, só vaidade confessar”, se a raiz do mal está em mim (Jó 19.28), “eu me alegro no SENHOR, exulto no Deus da minha salvação” (Hb 3.18).
Charles Spurgeon
Tradução e revisão: Mariza Regina de Souza

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

18 de outubro - Devocional Matutina

as tuas pegadas destilam fartura - Salmo 65.11

Muitas são “as pegadas do Senhor” que “destilam fartura”, mas uma, em especial, é a da oração. Nenhum crente, cujo tempo é gasto em seu quarto (Mateus 6.6), terá necessidade de gritar: “Definho, definho, ai de mim!” (Isaías 24.16). As almas famintas vivem longe do propiciatório e se tornam como campos secos na época da estiagem. A persistência com Deus em oração, com certeza, torna o crente mais forte — se não mais feliz. A coisa mais próxima da porta dos céus é o trono da graça celestial. Passe muito tempo a sós com Jesus e você terá muita segurança; passe pouco tempo com Ele, e sua religião será superficial, cheia de dúvidas e medos, sem o brilho da alegria do Senhor. Tendo em vista que o caminho da oração, o qual enriquece a alma, está aberto até para o cristão mais fraco; que não são necessárias grandes conquistas; e que você não é convidado a vir porque é um super crente, mas tem livre acesso se for realmente crente; cuide, caro leitor, para que você esteja sempre no caminho da devoção particular. Dobre seus joelhos, pois foi assim que Elias trouxe chuva sobre os campos famintos de Israel.
Há também outra pegada especial que destila fartura para aqueles que andam nela, a caminhada secreta da comunhão. Ah! As delícias da intimidade com Jesus! A terra não tem palavras para descrever a serenidade de uma alma reclinada sobre o Seu peito. Poucos cristãos a compreendem; eles vivem nas terras baixas e raramente escalam até o topo do monte Nebo: vivem no pátio externo, não entram no Santo Lugar, não abraçam o privilégio do sacerdócio. Observam o sacrifício à distância, mas não se sentam com o sacerdote para comê-lo e se deleitar com a gordura da oferta queimada. Mas tu, leitor, assenta-te sempre à sombra de Jesus; aproxima-te da palmeira e apanha seus ramos; que o teu Amado seja para ti como a macieira entre as árvores do bosque; e tu te fartarás de banha e de gordura (Salmo 63.5). Ó Jesus, visita-nos com a tua salvação!
Charles Spurgeon
Tradução e Revisão: Mariza Regina de Souza

terça-feira, 17 de outubro de 2017

17 de outubro - Devocional Matutina

Disse, porém, Davi consigo mesmo: Pode ser que algum dia venha eu a perecer nas mãos de Saul. (1 Samuel 27.1)

O pensamento de Davi naquele momento era um pensamento falso, pois, com certeza, ele não tinha motivos para achar que Deus o tinha ungido por meio de Samuel com a intenção de abandoná-lo sem mais nem menos. Em momento algum o Senhor desamparou Seu servo; é bem verdade que Ele o colocou diversas vezes em posição de perigo, mas em nenhuma delas a intervenção divina deixou de livrá-lo. As provações pelas quais ele passou foram bem variadas; elas não foram todas iguais, mas ocorreram de diversas formas — ainda assim, em todos os casos, Aquele que enviou a tribulação também ordenou graciosamente um meio de escape. Davi não podia apontar nenhuma entrada do seu diário e dizer: “Eis aqui uma prova de que o Senhor vai me desamparar”, pois todo o teor da sua vida passada provava exatamente o contrário. Ele deveria pensar no que Deus tinha feito por ele; que Deus ainda seria seu defensor. Mas não é exatamente assim que nós duvidamos do auxílio de Deus? Não é uma desconfiança sem sentido? Será que temos a mínima razão para duvidar da bondade do nosso Pai? Sua misericórdia não tem sido maravilhosa? Alguma vez Ele já deixou de ser digno da nossa confiança? Ah, não mesmo! Nosso Deus jamais nos deixou. É certo que temos noites tenebrosas, mas a estrela de amor brilha mais forte em meio à escuridão; passamos por lutas difíceis, mas Ele mantém Seu escudo sobre a nossa cabeça para nos defender. Passamos por muitas provações, mas nunca para nosso prejuízo; sempre para o nosso bem; e a conclusão de tudo pelo que passamos é: Aquele que nos livrou de seis angústias, na sétima não nos abandonará (Jó 5.19). Aquilo que conhecemos do nosso Deus fiel prova que Ele nos guardará até o final. Portanto, que nunca sejamos contrários à evidência. Como podemos ser tão miseráveis a ponto de duvidar do nosso Deus? Senhor, lança no chão a Jezabel da nossa desconfiança, e que os cães a devorem!

Charles Spurgeon

Tradução e Revisão: Mariza Regina de Souza

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Uma Palavra aos Perseguidos


Sermão nº 1188
Ministrado na manhã do Dia do Senhor, em 16 de agosto de 1874 pelo
Rev. CHARLES H. SPURGEON
No Tabernáculo Metropolitano, em Newington, Londres

“se, por acaso, teu pai te responder asperamente?” — 1 Samuel 20.10
NÃO ERA IMPROVÁVEL que o pai de Jônatas respondesse a ele asperamente. Saul tinha muito ressentimento contra Davi, ao contrário de seu filho mais velho, Jônatas, que o amava como a própria alma. Jônatas nem imaginava que seu pai realmente quisesse prejudicar alguém tão admirável quanto Davi, por isso, disse a Davi o que pensava; mas Davi, preparado para o pior, fez-lhe esta pergunta: e “se, por acaso, teu pai te responder asperamente?” E foi exatamente isso o que aconteceu. Saul respondeu ao filho com palavras amargas e, no desespero da sua ira, até mesmo tentou feri-lo, atirando contra ele a sua lança. Contudo, Jônatas não abandonou Davi, mas se ligou a ele com tanta fidelidade que, até a sua morte, a qual foi muito lamentada por Davi, continuou sendo seu melhor e mais leal amigo. Ora, a pergunta que Davi fez a Jônatas é a mesma que desejo fazer a todos os crentes em Cristo nesta manhã, especialmente aos mais novos na fé, que há pouco tempo fazem parte da aliança com o grande Filho de Davi, os quais, no fervor do seu coração sentem que podem viver e morrer por Cristo. Pensem na hipótese de terem de enfrentar a oposição de seus melhores amigos ou até de seu pai, irmão ou tio, os quais poderiam lhes responder asperamente; ou, ainda, na hipótese de poderem sofrer perseguição de sua mãe, esposa ou irmã. E aí? O que farão em tais circunstâncias? Será que continuarão a seguir o Mestre mesmo diante de uma acusação infame? E, “se, por acaso, teu pai te responder asperamente”?
     Lembrem-se de que essas coisas realmente podem acontecer. Pouquíssimos cristãos estão numa situação em que todos os seus amigos os acompanham na sua peregrinação para o céu. Que progresso eles devem fazer na santa jornada! Que cristãos excelentes devem ser! São como plantas cultivadas em estufa — devem crescer e produzir os mais belos jardins da graça divina. No entanto, não há muitos nessa posição. A grande maioria enfrenta oposição dentro das suas próprias famílias ou daqueles com quem trabalham ou fazem negócios. E, não é provável que seja assim? Não foi assim desde o princípio? Não há inimizade entre a descendência da serpente e o descendente da mulher? Caim não matou seu próprio irmão porque o Senhor aceitou a oferta de Abel e não a sua? Na família de Abraão não houve um Ismael, nascido da carne, que perseguiu Isaque, nascido do Espírito? José não foi odiado por seus irmãos? Davi não foi perseguido por Saul, Daniel pelos príncipes persas e Jeremias pelos reis de Israel? Não foi sempre assim? O próprio Senhor Jesus Cristo não teve de enfrentar calúnias, crueldade e morte, e nos disse para não buscar favor naquilo em que Ele mesmo foi rejeitado? Ele disse claramente: “Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada” (Mt 10.34), e também que a consequência imediata da pregação do evangelho seria pai contra filho e filho contra pai; pois os inimigos de um homem seriam aqueles da sua própria casa (Lc 12.53). Ele não teve o cuidado de perguntar a cada recruta desejoso de se alistar no Seu exército: “Já pensou no quanto isso vai lhe custar”? Não é admirável a honestidade e o notável cuidado com que Ele lidou com as pessoas, fazendo-as se lembrar de que o preço de segui-lO era negarem a si mesmas, tomando dia a dia a sua cruz e se alegrando quando fossem odiadas de todos os homens por amor a Ele? Ele nos adverte a não esperar que o discípulo esteja acima do seu Senhor, pois se as pessoas chamam ao dono da casa de Belzebu, com certeza não irão conferir títulos melhores a seus empregados. E, tendo o Senhor nos prevenido, é bom estarmos prontos para as tribulações que Ele diz que teremos, perguntando a nós mesmos se estamos preparados para suportar a opressão por amor do Seu nome. Insisto na pergunta àqueles que estão pensando em fazer sua pública profissão de fé, pois é provável que logo sejam reconhecidos como cristãos, e é quando começam a construir sua casa que precisam calcular se serão capazes de terminá-la ou não.
 
     Hoje, temos aqui muitos servos de Deus cujas vidas estão amarguradas pelos contínuos tormentos causados por seus familiares e amigos ímpios. Muitas vezes, eles desejam ter asas como de pomba para poder voar e achar pouso. E é com minha mais profunda solidariedade que lhes falo nesta manhã sobre este texto: “e se, por acaso, teu pai te responder asperamente?”, não só com a intenção de dar subsídios aos mais jovens, mas também na esperança de animar e consolar aqueles que há tempos estão na fornalha de fogo.
     1. Nosso primeiro ponto é: O QUE VOCÊ PODE FAZER; o que é possível fazer se um de seus amigos lhe responder asperamente. Quando passa a crer em Cristo, você conta a seu pai sobre sua conversão; bem, e se ele disser que tudo isso é bobagem? Você chega para sua mãe e diz a ela que seu coração mudou; e se ela debochar de você? Você abre o coração para um amigo; e se ele se voltar contra você e lhe disser uma porção de coisas ofensivas? Vou lhe dizer o que provavelmente vai acontecer, embora eu sinceramente ore para que não aconteça. Você vai se desgastar emocionalmente. Quero dizer, vai acabar deixando Cristo por não conseguir suportar Sua cruz e, embora queira ir para o céu com Ele se a jornada for mais suave, pode ser que, como o Senhor Flexível (personagem do livro “O Peregrino” de John Bunyan), descubra que há um pântano no caminho e acabe dando as costas para o bom país, voltando à Cidade da Destruição. Muitos têm feito isso. A parábola de nosso Senhor sobre a semente lançada em solo rochoso nos ensina que muitos brotos que prometem boa colheita perecem quando surge o sol escaldante, pois não têm raiz. Isso é facilmente observável. Se aqueles que professam a religião do bem-estar forem recebidos todos os dias com muitos aplausos, é possível que, de certa forma, ainda continuem firmes; no entanto, na medida em que têm de enfrentar rejeição e insensibilidade inesperadas, eles deixam de lado a religião e se juntam aos modismos do mundo. Para isso, o pai terreno é mais querido que o Pai celeste; o irmão segundo a carne é mais querido que o Irmão nascido na adversidade, e o marido ímpio é mais precioso que o noivo eterno; e, por todas essas coisas, eles abandonam o Senhor.
     Ou, pode ser ainda que, em vez de se desgastar emocionalmente, você continue firme durante algum tempo, mas pouco a pouco vai entregando os pontos e acabe desistindo de tudo. Muitos de nós poderiam aguentar perder a cabeça de um só golpe por Cristo, mas ser cozido em fogo brando — ah, isso realmente nos provaria! E se o fogo brando durasse não apenas um ou dois dias, mas semanas, meses ou anos? E aí? Se, depois de sofrer pacientemente por muito tempo, as zombarias cruéis continuassem, as palavras duras e amargas não parassem — e então? Com certeza, a menos que a graça nos sustente, a carne irá gritar para se livrar desse jugo incômodo e procurar um atalho por onde possa escapar do rigor da estrada e voltar ao mundo. A graça continuará e resistirá até o fim, mas a nossa índole, na melhor das hipóteses, mesmo com as mais firmes resoluções, tentará apenas até certo ponto e depois desistirá. Provavelmente é isso o que faremos; mas que Deus nos preserve de agir de forma tão deplorável, pois, se desistirmos por causa da oposição dos nossos amigos ímpios, iremos incorrer em tremenda culpa. Desistir de ser cristão por causa de perseguição é amar a nós mesmos, não a Cristo; é ser egoísta a ponto de considerar a nossa própria vontade, não aquela honra, é procurar a nossa própria tranquilidade, não a glória do Senhor, ainda que digamos que O amamos acima de tudo por nos ter redimido pelo Seu sangue. Isso provará que nós não O amamos de forma alguma, e que somos ingratos, falsos e hipócritas. Mesmo que nossa profissão de fé seja verdadeira, se cedermos à perseguição, isso só mostrará que queremos algo em troca e, como o traidor Judas, também venderemos o nosso Mestre, não por trinta moedas de prata, mas para fugir do escárnio e da maldade.
     Ficará claro também que preferimos o louvor dos homens à aprovação de Deus. Valorizamos mais o sorriso de alguém que em breve morrerá do que o alto preço do amor de Deus ou a aprovação do Redentor. Pedro, por alguns instantes, se preocupou mais com a pergunta de uma criada tola do que com sua lealdade ao Senhor; mas como é terrível cair em tal condição deliberadamente e levar mais em consideração um mortal, e o filho do homem que logo será apenas um verme, do que o Senhor, nosso Criador e Juiz, o único que deve ser temido! Não será isso loucura, traição e terrível iniquidade?
      Deixar o Senhor por causa de perseguição é estabelecer um tempo antes da eternidade, é trocar o céu pelos prazeres deste mundo, renunciar à vida eterna por alguns momentos de tranquilidade e causar em nós mesmos um sofrimento infinito por não poder suportar alguma brincadeira estúpida ou ser motivo de chacota. Esta é a verdade. O homem tem a vida e morte diante de si; a vida oculta pela cruz e a morte disfarçada de alegrias transitórias; e ele prefere a morte eterna com sua luz brilhante à vida eterna com suas provações momentâneas. Queira Deus que nunca façamos tal loucura, pois senão seremos contados com os “tímidos” de Apocalipse, que podem ser interpretados como os covardes que se juntam “aos incrédulos, aos abomináveis, aos assassinos, aos impuros, aos feiticeiros, aos idólatras e a todos os mentirosos” — pois esta é a classe de pessoas com quem eles se associam — aos quais “a parte que lhes cabe será no lago que arde com fogo e enxofre, a saber, a segunda morte” (Ap 21.8), da qual possa a infinita misericórdia de Deus nos livrar. Que possamos, como verdadeiros soldados, vestir nossa couraça e decidir que, seja qual for o furor da batalha, por meio da graça divina, não abandonaremos nosso posto. A própria morte é preferível à desgraça de abandonar uma causa tão verdadeira, uma doutrina tão pura, um Salvador tão gracioso, um Príncipe tão nobre e tão digno do nosso serviço mais leal.
     No entanto, se deixarmos a luta por nossa conta, poderemos incorrer num erro tão crasso quanto a apostasia. Quando pai, mãe ou esposa nos respondem com aspereza, podemos fazer um lastimável acordo entre Cristo e o mundo. Rogo que não façam isso de forma alguma. Mesmo se parecer sensato e correto. “Será que posso agradar a Deus e aos homens? Será que posso andar com Cristo e com o mundo”? Ah, minh’alma, se fizer isso você vai fracassar; além do mais, vai escolher a pior estrada de todas, pois se alguém serve a Deus, e O serve de fato, vai encontrar muitas consolações para amenizar suas tribulações; e se alguém serve realmente a Satanás, vai desfrutar de algum bem-estar qualquer produzido pelo pecado; no entanto, se ficar entre os dois mundos, vai sentir o tormento de ambos e nenhum prazer de qualquer um dos dois. Tentar ser amigo de Cristo e de Satanás ao mesmo tempo é pior do que passar por um corredor polonês no convés de um navio (castigo em que uma pessoa é obrigada a passar entre duas fileiras de homens munidos de açoites). Creio que uma mulher professa, que se entrega antes do casamento ao marido ímpio, quando deveria resistir, sofre amargura pelo resto da vida; e que um marido, filho, homem de negócio, que não toma uma decisão firme em questões de menor importância, para não ter dor de cabeça, a partir daquele momento cai em descrédito, pois depois de ter cedido um pouco, o mundo exige cada vez mais, e sua liberdade chega ao fim. Quando você abre mão de um único ponto da sua integridade ou do seu cristianismo, o não convertido deixa de acreditar em você como acreditava antes, quando você era firme em suas resoluções; as pessoas respeitam um cristão de verdade, mas ninguém gosta de uma pessoa de duas caras. Seja uma coisa ou outra, ou quente ou frio, senão Cristo vai rejeitá-lo, e o mundo também. Se uma coisa é certa, faça-a; se resolver servir ao Senhor, sirva-O, seja isso ofensivo aos outros ou não. Por outro lado, se preferir servir a Satanás, pelo menos seja honesto o suficiente para não fingir que está do lado do Senhor. Lembre-se do desafio de Elias: “Se Deus é Deus, servi-O; se Baal é deus, servi-o”, mas não tente um acordo, pois isso o levará a um tremendo fracasso. O imperador Marco Antonio andou pelas ruas de Roma com dois leões atrelados, mas nenhum Marco Antonio poderá levar o leão da tribo de Judá e o leão da cova juntos na mesma correia. Eles nunca se entenderão. Cuidado, pois, para não caírem na infâmia do comprometimento, pois isso nada mais é do que rebelião contra Deus, é debochar das Suas afirmações e insultar o Seu julgamento. Que a graça de Deus nos guarde, pois se formos deixados por nossa conta, vamos cair na armadilha.
     Vou lhes dizer o que podem fazer também, e oro para que o Espírito Santo os conduza a isso. Vocês podem, com humildade, mas com firmeza, assumir esta posição: — Se meu pai me responder asperamente, não importa, pois tenho outro Pai que está no céu e é a Ele que vou recorrer. Se o mundo me condenar, vou aceitar sua condenação como confirmação de que o grande Juiz de todas as coisas graciosamente me absolveu, pois me lembro do que está escrito: “Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim” e “Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário, dele vos escolhi, por isso, o mundo vos odeia” (João 15.18-19). Que saibamos suportar a adversidade como bons soldados de Jesus Cristo. Que consideremos o opróbrio de Cristo mais rico do que todos os tesouros da terra. Que nunca um rubor de covardia manche o nosso rosto por termos vergonha de Jesus; longe de nós que, ao invés de nos dispormos a ser objeto de escárnio por alguns momentos, pensemos em deixar nosso Amado Senhor. Que nunca sejamos falsos ou medrosos; e, com calma e firmeza, com a confiança de um amor que jamais vacila, sejamos fiéis ao Senhor, ainda que todos O abandonem:
Oh, aprenda a desprezar o louvor dos homens
Oh, aprenda a continuar com Cristo
Pois, pela humilhação, Jesus venceu o mundo
E te chama a trilhar o Seu caminho.
     2. O segundo ponto é: O QUE A TRIBULAÇÃO FARÁ POR NÓS SE TIVERMOS AUXÍLIO PARA SUPORTÁ-LA. “E se, por acaso, teu pai te responder asperamente”? Em primeiro lugar, ela nos afligirá. Opor-se, por fazer a coisa certa, àqueles que deveriam nos ajudar, não é nada agradável. É muito doloroso para a nossa natureza ser contra aqueles a quem amamos. Além disso, aqueles que não gostam de cristãos têm um jeito de nos insultar que nos faz estremecer. Eles observam nossos pontos fracos e, com muita habilidade, tiram proveito deles; treinados pelo velho mestre da maldade, eles não demoram a usar o açoite onde somos mais vulneráveis. Se uma coisa é mais provocante do que outra, com certeza é isso o que irão dizer, e irão dizer quando estivermos mais sensíveis. Talvez sejam até muito educados e, neste caso, nossos gentis perseguidores têm um jeito muito sutil de cortar até o osso e ainda continuar sorrindo. Eles podem dizer uma maldade com tanta delicadeza que talvez você nem se dê conta ou fique ressentido. A arte da perseguição tem sido estudada há tanto tempo pelos descendentes da serpente que eles se tornaram especialistas nela e sabem exatamente como fazer o ferro penetrar na alma. Portanto, não se surpreenda se você for dolorosamente atormentado; nem se espante, como se alguma coisa estranha tivesse acontecido. O sofrimento dos mártires não foi fingido; as torturas que eles sofreram não foram um mar de rosas; nem suas celas de prisão foram confortáveis. Suas dores foram excruciantes; seu martírio foi um verdadeiro tormento. Se sua tristeza for fingida, você pode esperar falsas alegrias. Que a realidade da sua tribulação lhe assegure a realidade da glória do porvir.
     A oposição de seus amigos provará sua sinceridade. Se você é hipócrita, a oposição logo o fará desistir. “O risco não vale a pena”, diz você, e em breve estará fora e, pelo bem da igreja, talvez isso seja uma bênção, pois é melhor para o trigo se ver livre da palha; e se o vento da perseguição soprá-lo para longe é porque você é palha. As respostas ásperas de seus adversários provarão sua fé. Você diz que crê em Jesus: ora, veremos se realmente crê, pois se não pode suportar as pequenas tribulações vindas de homens e mulheres, com certeza não será capaz de suportar as horríveis tribulações que vêm do diabo e seus anjos. “Se te fatigas correndo com homens que vão a pé, como poderás competir com os que vão a cavalo? Se em terra de paz não te sentes seguro, que farás na floresta do Jordão?” (Jeremias 12:5). Se você não consegue suportar as provações da vida, como enfrentará o suplício da morte?
     A perseguição provará seu amor por Jesus. Se você realmente O ama, sofrerá alegremente com Ele no pelourinho da rejeição e, quando os inimigos lançarem suas injúrias, você dirá: “Lancem sobre mim, não sobre Ele: se há algo ruim a ser dito, digam contra mim, não contra meu Senhor”.
Se por Seu doce Nome
Vergonha e rejeição eu passar
Aclamarei tanto uma quanto a outra
Pois de mim Ele irá Se lembrar
A perseguição provará o seu amor, e também todas as suas virtudes, uma por vez; e isso será bom para você. Suas virtudes não serão fortalecidas a menos que você as coloque em ação; e se não forem provadas, quem saberá de que são feitas? O valente soldado, na quietude do quartel, sem dúvida poderia lutar; mas como saber se ele não tomar parte na campanha? Aquele que carrega a boca do canhão tem sua testa ferida por um soldado ornado com um sabre, e carrega muitos outros ferimentos adquiridos a serviço do seu rei; sem dúvida, ele é um bravo guerreiro. O ouro de boa qualidade deve ser depurado pelo fogo e as oposições são enviadas para que a nossa fé, o nosso amor e todas as nossas virtudes se mostrem genuínas ao passar pelo teste.
     As respostas ásperas daqueles que deveriam ser nossos amigos nos manterão vigilantes. Se não me engano, era Erskine que costumava dizer: “Senhor, livra-me do demônio do sono”, e essa é realmente uma oração digna de ser feita. Quando tudo vai bem e ninguém zomba de nós, ficamos tentados a baixar a guarda; no entanto, quando somos afligidos por críticas e insultos não merecidos, e quando, em troca do nosso amor recebemos apenas provocação e grosseria, é bem provável que percamos o sono. Essas aflições nos levam a dobrar nossos joelhos. Talvez vocês já tenham lido a história do Senhor Eraser, um dos pastores do Condado de Ross-shire (Escócia), o qual tinha uma esposa fria e insensível; ela era muito cruel e nunca permitia que ele tivesse uma luz ou chama no quarto para poder estudar, de forma que, de tanto tocar o reboco enquanto andava de lá para cá no escuro, ele acabou fazendo dois buracos na parede. Num encontro de ministros pouco sensíveis às coisas de Deus, um deles resolveu fazer uma brincadeira, propondo um brinde com o qual achava que ele não iria concordar: “à saúde de suas esposas”. Para espanto de todos, ele respondeu: “Minha esposa tem sido para mim muito melhor do que a maioria das esposas de vocês, pois ela me faz dobrar os joelhos sete vezes por dia, o que, de outra forma, eu não faria; e isso é muito mais do que qualquer um de vocês pode dizer a respeito de sua própria esposa”. Pessoalmente, preferiria não ter uma ferida purulenta como essa, mas se o bom Médico me tivesse designado uma coisa tão dura, sem dúvida, é porque tinha uma boa razão para isso. É daquilo que as pessoas chamam de erva daninha que os sábios extraem os remédios, e é das provações amargas que o Senhor produz o tônico sagrado que nos fortalece para uma vida mais sublime de comunhão Consigo mesmo.
     As tribulações provenientes dos inimigos de Jesus confirmam a nossa fé. Quem nunca foi provado geralmente possui uma fé fraca e vacilante; no entanto, a provação, e em especial a perseguição, é como um vento forte de março que passa uivando pela floresta e, embora num primeiro momento quase arranque pela raiz os carvalhos mais novos, afofa a terra para eles, e eles aprofundam suas raízes até ficarem tão firmes que podem resistir a um furacão. A mesma coisa que, a princípio, os faz balançar, mais tarde os fortalece. O crente provado é um crente firme e destemido; portanto, aceite alegremente a resposta áspera e busque nela bons resultados. Uma pequena perseguição à igreja na Inglaterra seria muito benéfica para ela. Estamos numa época muito tranquila, onde é raro encontrar zelo pelas coisas de Deus e quase ninguém defende a verdade. A igreja tem feito acordos com o mundo e vai dormir com Satanás embalando o berço. Muitos que professam ser cristãos nada mais são do que pessoas do mundo batizadas; e muitos que se preparam para o ministério de Cristo são meros leitores de sermões de outras pessoas, mercenários que não se importam com as ovelhas. Se o vento da perseguição limpasse a eira da igreja, faria muito bem a ela. 
     Palavras ásperas também fazem bem para os verdadeiros cristãos; elas os levarão a suplicar por aqueles que as dizem. Lembro-me do que um bom homem sempre dizia a respeito de um sujeito blasfemo que gostava de atormentá-lo com suas horríveis provocações e maldições: “Bom, eu bem que poderia me esquecer de orar por ele, mas ele vive me lembrando disso, pois toda vez que nos encontramos ele me roga uma praga”. Se nossos amigos só falassem coisas agradáveis e não deixassem transparecer sua inimizade por Cristo, poderíamos ter uma falsa esperança e deixar de orar por eles; todavia, quando sua velha natureza está presente, e totalmente desenfreada, somos levados a interceder por eles; e quem pode dizer que o Senhor não nos dará sua alma como recompensa?
     Com certeza, a oposição tem ainda outro efeito benéfico: ela conduz aqueles que se submetem a ela por um caminho totalmente separado. Eles são conhecidos por serem cristãos e são proclamados como tais por seus ofensores. Não creio que seja ruim para você, jovem, quando for ao armazém, alguém dizer: “Ei, aí vem um daqueles metodistas”. É bom para você ser conhecido. Se você é quem deveria ser, não se importará de ser rotulado ou provado. Isso o ajudará a andar na linha quando surgirem as tentações; e com frequência o livrará de muitos problemas. Suponha que seus amigos não queiram mais sua amizade porque você é cristão; será que isso não é bom? Quem o deixar por causa disso será uma perda benéfica. Uma senhora da sociedade, que agora está com Cristo, quando veio para esta igreja, me contou que, após seu batismo muitos de seus amigos aristocratas deixaram de falar com ela ou de convidá-la para ir às suas casas. Dei-lhe os parabéns, pois isso a ajudou a selecionar seus amigos. Seu caráter verdadeiro e sua bondade de espírito logo reconquistaram quem era digno da sua amizade, e os demais foram alegremente descartados. Da mesma maneira que as pessoas se afastam por você seguir o Senhor, você também pode se afastar delas. Não ganhamos nada pelo amor de quem não ama a Deus.
     Um efeito benéfico da perseguição dentro de casa é que você será mais humano lá fora. Se, meu amigo cristão, quem está dentro da sua casa o deixa infeliz, você será um sábio se conseguir ser mais paciente com quem é de fora. As pessoas se perguntavam por que Sócrates era tão paciente com seus alunos e tão bem humorado, mas ele atribuía isso ao fato de ter sido fortalecido pela oposição de outras pessoas e por ter sido treinado em casa por sua rabugenta esposa Xantipa. Talvez você tenha mais paciência com quem zomba de você e mais simpatia por quem é alvo de zombaria ao compartilhar algo em comum com uma porção de crentes. Assim, eis o enigma de Sansão: “Do comedor saiu comida, e do forte saiu doçura” (Jz 14.14). O leão está rugindo para você, mas haverá um dia em que você encontrará doçura nele e bendirá o nome do Senhor.
     3. Meu terceiro ponto é: COMO DEVEMOS NOS COMPORTAR QUANDO ESTAMOS PASSANDO PELA PROVAÇÃO? Que o Espírito Santo o capacite a agir tão discreta quanto decididamente. Nunca provoque contrariedade. Que Deus nos proíba de agir assim. Alguns fanáticos parecem ser mestres em usar a religião para criticar e condenar outras pessoas. O cálice que apresentamos ao mundo pecaminoso é, em si mesmo, repulsivo o suficiente para o ser humano caído; não pode haver sabedoria em torná-lo pior, apresentando-o de cara feia. Quando damos remédio a uma criança, em geral, oferecemos a ela também um pedaço de doce. O mesmo deve acontecer com a apresentação do evangelho: que a gentileza, o carinho e a bondade tornem mais doce aquilo que o mundo, provavelmente, não receberá, mas que ficará menos ressentido se você apresentá-lo com amor, demonstrando o desejo de viver em paz com as pessoas, levando em conta o bem dos outros ao invés do seu.
     E, depois, enfrente o que tiver de enfrentar com a maior mansidão possível. Havia um agricultor cuja esposa ficava muito irritada por ele frequentar os cultos de uma religião dissidente do catolicismo romano e unir-se aos crentes em Cristo. Com frequência, ela lhe dizia que não ia aguentar aquilo por muito tempo, mas ele era muito paciente e não lhe respondia com grosseria. Um dia, ela foi ao campo e o chamou, colocando-o contra a parede: “Ou você deixa aquelas pessoas ou me deixa”; e, mostrando uma trouxa de pano, disse: “Agora você pega a sua metade que eu pego a minha, pois estou indo embora”. Ele respondeu: “Não querida, pode ficar com tudo. Você sempre foi uma boa esposa, leve tudo”. Então, ela propôs pegar uma parte dos bens como acordo para uma separação final, e novamente ele disse: “Leve tudo. Se for embora, leve tudo o que quiser, pois não quero que sinta falta de alguma coisa; e volte quando desejar, sempre ficarei feliz em vê-la”. Vendo a maneira como ele falava, ela disse: “Isso quer dizer que você quer que eu vá embora”? “Não”, disse ele, “essa é a sua vontade, não a minha. Não posso abandonar minha fé, mas qualquer coisa que possa fazer para você ficar e ser feliz, eu farei”. Isso foi demais para ela, que decidiu parar de se opor a ele; pouco tempo depois, ela começou a ir aos cultos com o marido e tornou-se crente. Este é o caminho mais certo para a vitória. Ceda em tudo, menos naquilo que é errado. Nunca deixe sua raiva crescer. Mantenha-se calmo e deixe o ataque ser unilateral. Havia uma senhora crente, a qual costumava frequentar os cultos do Sr. Robinson, de Leicester. Um dia, seu marido, um minerador de carvão muito rude, disse a ela num acesso de raiva: “Se você for àquela igreja de novo, arranco suas pernas”. Ele era um homem terrível, e igualmente violento, mas, mesmo assim, no culto seguinte, ela foi como de costume. Ao voltar para casa, ela se colocou nas mãos de Deus, esperando ser atacada. Seu marido lhe perguntou: “Onde esteve?”, e ela respondeu: “Fui à igreja”. Com um tremendo soco no rosto, ele a derrubou no chão. Levantando-se, ela lhe disse com delicadeza: “Se você me bater na outra face, vou perdoá-lo, do mesmo modo como o perdoo agora”. Antes de se converter, ela era uma mulher muito impetuosa e devolvia ao marido na mesma moeda, por isso ele ficou espantado com sua docilidade e lhe disse: “Onde aprendeu a ser tão paciente?”. Ela respondeu: “Pela graça de Deus, aprendi naquela igreja”. “Então vá quantas vezes quiser”, disse ele. Pouco tempo depois, ele também começou a ir, e a guerra acabou. Não há nada como a mansidão. Ela conquista até os mais brutos.
     Depois de suportar com mansidão, retribua o mal com o bem. Retribua palavras cruéis com gestos de amor e bondade. A melhor arma para os cristãos lutarem contra seus adversários é retribuir o mal com o bem. Mal por mal é barbarismo, e nenhum cristão pode se satisfazer com isso; mas o bem pelo mal é cristianismo, e devemos praticá-lo. Creio que já contei a história do marido que era muito libertino, lascivo e depravado, um sujeito mundano, mas que há muitos anos era casado com uma mulher que suportava suas zombarias e grosserias, orando por ele dia e noite sem ver nenhuma mudança, exceto a de que cada vez mais ele se afundava em pecado. Certa noite, estando numa festa com seus companheiros de bebedeira, ele começou a se gabar de que sua esposa faria qualquer coisa que ele quisesse, e que ela era dócil como um cordeirinho. “Bem”, disse ele, “ela já deve estar na cama há horas, mas se eu levar todos vocês para casa agora, ela vai se levantar e servi-los sem reclamar”. “Não é possível”, disseram, e acabaram fazendo uma aposta e indo até lá. Já era muito tarde, mas em poucos minutos ela se arrumou e disse que tinha dois frangos prontos e que, se eles esperassem um pouco, ficaria satisfeita em lhes servir a ceia. Eles esperaram e, não muito tempo depois, àquela hora da noite, a mesa estava posta; e ela assumiu seu lugar como se fosse a coisa mais natural do mundo, agindo alegremente como sua anfitriã. Um dos homens, sensibilizado pela sua atitude, disse: “Senhora, precisamos nos desculpar por invadir sua casa a essa hora da noite, mas gostaria muito de entender porque nos recebeu com tanta alegria, apesar de não aprovar nossa conduta, por ser uma pessoa religiosa”. Ela respondeu: “Antes, eu e meu marido não éramos convertidos mas, pela graça de Deus, hoje sou crente em Jesus Cristo. Todos os dias oro pelo meu marido e faço tudo o que posso para que ele mude, mas como não vejo mudança alguma, tenho medo de que ele esteja perdido para sempre; por isso, tento fazê-lo o mais feliz possível aqui”. Eles foram embora e o marido lhe disse: “Você realmente acha que vou ser infeliz para sempre?” “Creio que sim”, disse ela, “quisera Deus que você se arrependesse e pedisse perdão”. Naquela noite, a paciência alcançou seu desejo. Logo ele estava a caminho do céu junto com ela. Não ceda nos pontos principais, mas, em todas as outras coisas, esteja disposto a suportar críticas, desprezo e zombaria por amor a Cristo. In hoc signo vinces (“com este sinal vencerás”) — pela cruz, suportada com paciência, vencerás. “Mas isso é muito difícil”, diz alguém. Eu sei, mas a graça pode tornar leve até o fardo mais pesado, e transformar o dever em deleite.
     Aqui, precisamos observar também que os cristãos perseguidos, além dessa doce persistência, precisam ter uma vida muito íntegra. Precisamos ser irrepreensíveis quando temos olhos de lince sobre nós, pois se nos encontrarem fazendo alguma bobagem, eles vão nos atacar na mesma hora. Se houver uma só coisinha errada, algo que eles nem notariam em outra pessoa, eles farão um alvoroço e um tremendo estardalhaço por causa disso. “Ah, então essa é a sua religião!”, dizem, como se tivéssemos a pretensão de ser absolutamente perfeitos. Portanto, fiquem atentos, andem com sobriedade e não se coloquem em suas mãos; que eles nada tenham a dizer contra você, a não ser sobre a sua fé. Nada incomoda mais os oponentes do que integridade, fidelidade e santidade: eles querem falar contra você, mas não encontram uma oportunidade adequada. Procure orar diariamente, pedindo graça para controlar seu temperamento, pois se você falhar nesse ponto, eles irão se gabar de tê-lo vencido e sempre voltarão ao ataque. Peça graça para ser paciente, e fale o menos possível, exceto sobre Deus. Ore por eles, pois a oração é ouvida; pois como sabes, ó mulher crente, que não salvarás teu marido incrédulo? Apenas vigie e ore, e a bênção virá.
     4. FAZENDO TUDO ISSO, QUE TIPO DE CONSOLO VOCÊ PODE ESPERAR? Uma coisa que pode consolá-lo é que o perseguidor está nas mãos de Deus. Ele não pode fazer nada além do que Deus permite e, se Deus permite que ele o atormente, você deve suportar com alegria. A seguir, lembre-se: se você mantém sua consciência limpa, isso é motivo de alegria. A consciência é um passarinho que tem o canto mais doce do que qualquer cotovia ou rouxinol. Respostas ásperas de fora não devem atormentá-lo enquanto, por dentro, você tiver a resposta de uma boa consciência diante de Deus. Prejudique sua consciência e perca o consolo; preserve-a do mal e você será feliz. Lembre-se de que, sofrendo pacientemente e perseverando, você terá a companhia dos espíritos mais nobres que já viveram. Você não pode ser mártir e usar a coroa de sangue em nossos dias, mas, pelo menos, pode sofrer até o ponto em que foi chamado a sofrer: a graça o capacitará e você terá parte na glória dos mártires. “Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós” (Mateus 5.12).
     Lembre-se também que, se tiver problemas muito difíceis, sem dúvida, Jesus estará com você. Este é o maior consolo de todos, pois em todas as nossas angústias Ele foi angustiado. Você descobrirá que Sua presença nas ordenanças pode ser um deleite. As águas roubadas que Ele lhe dá em íntima comunhão são as melhores, e como são doces os bocados obtidos às ocultas! Os antigos covenanters[1] diziam que nunca adoraram a Deus com tanta alegria como quando estavam entre vales e montes sendo perseguidos pelos dragões de Claverhouse[2]. Viver é revigorante para os cervos perseguidos do Senhor. Seu peito é terno e seguro para aqueles que são rejeitados pelos homens por Sua causa. Ele tem um jeito maravilhoso de desvelar Sua face para aqueles cujas faces estão cobertas de vergonha devido ao seu amor por Ele. Ah, tenha prazer, caro amigo, em vigiar com o Senhor.
     Pense também que você faz mais bem onde está do que se estivesse entre outros crentes. Lá longe está a luz do farol dos rochedos de Eddystone (costa da Inglaterra), bem no meio do oceano; observe como a tempestade ruge à sua volta e como as águas tentam encobri-la, ameaçando apagar sua chama. Será que ela se queixa? Estando onde está, batida pelas ondas do Atlântico e enfrentando a fúria da tormenta, ela faz mais bem do que se estivesse no Hyde Park (centro de Londres, Inglaterra) para ser vista pelas damas e cavalheiros. O crente perseguido ocupa um lugar onde adverte e ilumina e, por isso, sofre. Ele é como um guarda avançado, cujo posto perigoso é o lugar de honra: que ele peça apenas força para aguentar e não desistir, e receberá a glória no final. Lembre-se de que, quanto pior a estrada melhor o descanso, e quanto maior o sofrimento mais reluzente será a coroa no final. Aqueles que suportam mais, por amor a Jesus, serão aqueles a quem Ele dirá com maior doçura: “Muito bem, servo bom e fiel; foste fiel no pouco, sobre o muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor” (Mt 25.21).
     Ah, irmãos, se sua linguagem é rude para ser paciente, o que é isso em comparação ao que muitos aflitos do Senhor têm de enfrentar? Para defender este ponto, vou lhes contar um pequeno incidente, depois terminamos. Ontem, o carteiro me trouxe, entre outras correspondências, uma carta da Austrália, a qual prezo mais do que qualquer outra que já tenha tido em mãos; ela tocou meu coração e, quando vocês ouvirem o que está escrito, saberão por quê. Ela foi escrita a pedido de um homem, o qual foi descrito pelo cavalheiro que a escreveu para ele nos seguintes termos: “Conheço a pessoa para quem escrevo há quase oito anos, durante os quais ele tem estado totalmente indefeso, está paralítico, teve uma das pernas amputada, a visão se foi e ele não consegue mover nem as mãos nem os pés; do jeito que o colocam na cama, ele permanece, e ainda tem de aguentar a chateação das moscas ou de qualquer outra coisa que o incomode. Assim, tenho certeza de que o senhor gostará de saber que tem sido um instrumento de consolo para ele, pelo que ele tem se alegrado muito; e poucos são mais aptos do que o senhor para ensinar e exortar aqueles que veem vê-lo, explicando-lhes as pequenas porções da Palavra de Deus que são lidas”. Ora, esse pobre homem, deficiente há 16 longos anos, desde 1858, me escreve assim: “Sendo movido pelo Espírito Santo, envio-lhe estas poucas linhas para agradecer o bem que tenho recebido pela leitura de seus sermões. No ano de 1850 eu cheguei ao conhecimento da verdade e encontrei paz no Senhor Jesus. Em 1858, sofri um grave acidente, de forma que não consigo mais obter meu sustento, confiando apenas no Senhor que tem me conduzido pelo caminho certo. Em 1866, aprouve a Ele me confinar totalmente em minha cama. Bendigo o Seu Santo Nome por poder dizer que estou atado pelos laços do Seu amor, pois Ele tem me sustentado e consolado durante todo o meu confinamento, e tem permitido que eu me alegre na esperança da Sua glória; e que privilégio tem sido nos últimos anos ler seus excelentes sermões, os quais são fonte de grande consolo e deleite à minha alma, fazendo-me subir às alturas e gozar de doce comunhão. Por isso, sou constrangido pelo amor a lhe enviar este reconhecimento, esperando que com isso o senhor possa se alegrar um pouco em suas horas de labor; e, se nosso Pai celestial achar adequado, este meu testemunho à Sua fidelidade talvez possa ser abençoado por Ele para o conforto e encorajamento de alguns aflitos do seu rebanho, pois sei que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus”. Quanta consideração desse abnegado sofredor em escrever uma carta me consolar. Até poderíamos pensar que ele precisava consolar a si mesmo, mas o Senhor o tem alegrado tanto que, em vez procurar consolo, ele sequer menciona em sua carta a perda da perna, sua paralisia ou a perda da visão. A única coisa que ele me conta é sobre sua alegria e paz. Ora, se os filhos de Deus em tais condições extremas ainda podem dar testemunho da Sua fidelidade, será que você vai fugir por causa da zombaria de alguns tolos? Será que vai abandonar covardemente seus padrões por causa de alguns loucos que lhe apontam o dedo acusador? Se é assim, será que você é feito da mesma essência dos crentes de verdade? Você tem certeza da graça divina da mesma forma que eles têm? Com certeza, não. Que o Senhor, na Sua infinita misericórdia, lhe dê uma conversão tão palpável que, seja qual for sua tribulação, você possa cantar: “todavia, eu me alegro no SENHOR, exulto no Deus da minha salvação” (Habacuque 3.18).
     Se hoje me dirijo àqueles que, de alguma forma, têm perseguido os santos de Deus, permitam que eu lhes diga uma coisa: “Pensem no que estão fazendo; há muitas coisas que um homem pode suportar, mas se vocês se metem com seus filhos, isso mexe com ele, pois este é o ponto fraco de todos os pais”. Nada provoca mais o Senhor do que mexer com Seus filhos. Pensem no que estão fazendo. E, rogo ao Senhor que, se vocês têm feito isso por ignorância, achando realmente que eles estão errados, e zombam deles porque os consideram hipócritas, que o Senhor lhes fale do céu como fez com Saulo, dizendo: “Por que me persegues?”, para que vejam que, na realidade, vocês estão ferindo o próprio Senhor Jesus. Que Ele os faça ver que as lágrimas arrancadas àquela senhora fiel e as noites insones causadas àquele homem sincero são um mal muito maior para Cristo, pois, no final, Ele ajustará as contas com vocês. Venham para o Senhor Jesus, e que o Espírito Santo os faça se arrepender da sua maldade, pois Jesus está disposto a recebê-los e abençoá-los, como fez com o apóstolo Paulo. Creiam no Senhor Jesus e também serão salvos. Que Deus abençoe a todos, por amor de Cristo. Amém.

Tradução e Revisão: Mariza Regina de Souza




[1] Covenanters: Os membros da Igreja da Escócia que assinaram o Pacto (Covenant) Nacional Escocês de 1638, que os obrigava a manter a Igreja da Escócia como foi organizada durante a Reforma, isto é, presbiteriana. Eles participaram em combate armado em obediência ao pacto assinado.


[2] John Graham de Claverhouse, I Visconde de Dundee (Escócia)

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

7 de agosto - Devocional Matutina

Os retos te amam - Cantares 1.4 (Almeida Corrigida, Fiel)
Aqueles que creem em Jesus O amam com muito mais intensidade do que ousam amar a qualquer outro ser. Eles preferem perder pai e mãe a se separarem de Cristo. Seguram todos os luxos terrenos com mão frouxa, mas O carregam firmemente junto ao peito. Por amor a Ele, voluntariamente negam a si mesmos, mas nunca são levados a negá-lO. Um amor limitado pode ser consumido pelo fogo da perseguição; mas o amor do verdadeiro crente é muito mais forte do que isso. Ao longo dos anos, muitos têm se esforçado para separar os fiéis do seu Mestre, mas suas tentativas têm sido em vão. Assim como um nó górdio, nem coroas de glória, nem expressões de ira podem desatar este amor. Esta não é uma união comum, que o poder do mundo pode de alguma forma dissolver. Nem o homem nem o diabo encontraram a chave para abrir tal fechadura. Nunca a astúcia de Satanás foi tanta como quando ele tentou destruir o vínculo desses dois corações divinamente atados. Está escrito, e nada pode apagar a frase: Os retos te amam. A intensidade do amor dos retos, no entanto, não deve ser julgada pelo que parece ser, mas por aquilo que eles anseiam. É nosso lamento diário que não possamos amar o suficiente. Gostaria que nosso coração fosse capaz de amar mais e ir mais longe. Como Samuel Rutherford, suspiramos e clamamos: “Ah, por todo amor que há ao redor da terra e sobre o céu, sim, o céu dos céus e milhares de mundos — que eu lance tudo somente, somente, somente e unicamente em Cristo”. Mas, infelizmente, o alcance do nosso amor é pequeno demais, e a nossa afeição é apenas uma gota num imenso deserto. Que o nosso amor seja como as nossas intenções, e ele será realmente elevado: pois, cremos que o Senhor o julgará. Oh, que possamos dar todo o amor do nosso coração, todos os nossos amores, Àquele que é totalmente desejável!
 
Tradução e revisão: Mariza Regina de Souza

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

3 de agosto - Devocional matutina

O Cordeiro é a sua lâmpada - Apocalipse 21.23

Com calma, pense no Cordeiro como a luz do céu. A luz, na Escritura, é símbolo de alegria. No céu, a alegria dos santos se resume a isto: Jesus nos escolheu, nos amou, nos comprou, nos purificou, nos vestiu, nos guardou e nos glorificou: estamos aqui inteiramente pelos méritos do Senhor Jesus. Cada um desses pensamentos será para eles como um cacho de uvas do Escol (Nm 13.23). A luz é também a causa da beleza. Não há beleza quando a luz desaparece. Sem luz, a safira não resplandece; nenhum brilho suave emana da pérola; e assim, toda a beleza dos santos lá de cima procede de Jesus. Tal como os planetas, eles refletem a luz do Sol da Justiça (Malaquias 4.2); eles vivem como raios de luz que emanam do astro central. Se Ele Se retirasse, eles morreriam; se Sua glória fosse ofuscada, a glória deles desapareceria. Além disso, a luz é símbolo de conhecimento. No céu, nosso conhecimento será perfeito, mas o próprio Senhor Jesus será sua fonte. Os cuidados velados, nunca antes compreendidos, serão vistos claramente, e todas as coisas que agora nos deixam perplexos se tornarão evidentes à luz do Cordeiro. Ah, quantas revelações haverá, e que glorificarão o Deus de amor! A luz significa ainda manifestação. A luz manifesta. Neste mundo, ainda não aparece como deveremos ser. O povo de Deus é um povo encoberto, mas quando Cristo recebê-lo no céu, Ele os tocará com Sua varinha de amor e os transformará na imagem da Sua glória manifestada. Eles eram pobres e miseráveis; mas que transformação! Eles estavam manchados pelo pecado; mas um toque do Seu dedo e agora eles brilham como o sol e são claros como cristal. Mas que manifestação! E tudo isso emana do Cordeiro exaltado. Seja qual for o fulgente esplendor, Jesus será o centro e a alma de tudo. Ah, que maravilha será estar lá e vê-lo na Sua própria luz, o Rei dos reis e Senhor dos senhores!

Tradução e revisão: Mariza Regina de Souza