sexta-feira, 19 de maio de 2017

O Tabernáculo do Altíssimo




Sermão nº 267
Ministrado na manhã de domingo, 14 de agosto de 1859
pelo Rev. C. H. Spurgeon
no Music Hall, Royal Surrey Gardens



“No qual também vós juntamente estais sendo edificados para habitação de Deus no Espírito”. Efésios 2:22



Sob a VELHA dispensação mosaica, Deus tinha um lugar de habitação visível entre os homens. A brilhante shekinah era vista por entre as asas dos querubins que cobriam o propiciatório; e, durante a peregrinação de Israel no deserto e, tempos depois, no templo, quando eles já estavam estabelecidos em sua própria terra, havia uma manifestação visível da presença de Jeová no lugar dedicado ao Seu serviço. Ora, tudo o que estava sob a dispensação mosaica era apenas um tipo, uma figura, um símbolo de algo mais elevado e mais nobre. Aquela forma de adoração era, por assim dizer, uma série de sombras, das quais o evangelho é a essência. É muito triste, no entanto, que ainda hoje haja tanto judaísmo em nosso coração, que voltemos com tanta frequência aos pobres elementos da lei ao invés de seguir em frente, vendo neles tipos das coisas espirituais e celestiais às quais devemos aspirar. É deplorável que ainda ouçamos algumas pessoas falando assim. Seria melhor que elas abraçassem o credo judaico de uma vez por todas. Quero dizer, é lamentável ouvir o que algumas pessoas falam sobre os prédios onde prestamos culto. Lembro-me de certa vez ter ouvido um sermão sobre o seguinte texto: “Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá” (1 Coríntios 3:17). A primeira parte do sermão foi gasta com um anátema infantil contra qualquer um que se atrevesse a realizar um ato mundano dentro das dependências da igreja ou que, durante a feira da semana seguinte, apoiasse a trave da barraca nalguma parte do prédio, o qual, me pareceu, ser o deus do homem que ocupava o púlpito. Será que existe algum lugar como o Santo Lugar? Será que existe um local onde hoje Deus habite em particular? Não sei. Ouçam as palavras de Jesus: “podes crer-me que a hora vem, quando nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai… Mas vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores” (João 4:21, 23). Lembrem-se também das palavras do apóstolo em Atenas: “O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo ele Senhor do céu e da terra, não habita em santuários feitos por mãos humanas” (Atos 17:24).

       Quando as pessoas falam sobre lugares santos, parecem não saber como se expressar. Será que a santidade pode habitar em tijolos e cimento? Será que existe uma coisa como um campanário sagrado? Seria possível existir em algum lugar algo como uma janela moral ou um batente religioso? Fico espantado, realmente espantado, quando penso no quanto a mente de homens que imputam virtudes morais a tijolos e cimento, pedras e vitrais, está enganada. Digam-me, como esse tipo de consagração pode ser profunda, como pode ser sublime? Será que cada corvo acima deste prédio está voando em ar sagrado? Com certeza, tão irracional quanto isso é imaginar que os vermes que estão comendo o corpo de um anglicano no cemitério sejam vermes consagrados e que, devido a isso, uma parede de tijolos ou um caminho de pedras seja necessário para proteger os corpos dos santos dos vermes profanos que possam vir do lado dos dissidentes. Vou dizer novamente, esse tipo de infantilidade, tal como o papado ou o judaísmo, é uma vergonha para este século. No entanto, ainda assim, todos nós nos encontramos de tempos em tempos fazendo a mesma coisa. Sorrir diante disso nada mais é do que empurrar o problema com a barriga, um erro no qual podemos incorrer facilmente. Uma insensatez em que todos podemos cair. Nós sentimos certa reverência pelas capelas singelas, sem muita pompa; sentimos uma espécie de conforto quando estamos sentados num lugar que, de alguma forma, acreditamos ser sagrado. 
          Agora, se possível, e talvez seja preciso muita firmeza e mente aberta para isso — abandonemos de uma vez por todas qualquer ideia de santidade ligada a algo que não seja um agente ativo consciente; livremo-nos de todas as superstições que dizem respeito a lugares. Dependendo do que for, um local é tão santo quanto outro e, onde quer que encontremos corações sinceros cultuando reverentemente a Deus, naquele momento, o lugar se torna a casa de Deus. No entanto, mesmo gozando de grande conceito religioso, se o lugar não tiver um único coração consagrado, ali não é a casa de Deus; pode ser a casa de alguma religião, mas não a casa de Deus. “Mas, mesmo assim”, alguém pode dizer, “segundo o que senhor disse, Deus tem uma habitação, não é”? Sim, e é sobre essa casa de Deus que vou falar nesta manhã. Existe, sim, uma casa de Deus, mas não é uma estrutura inanimada, é um templo vivo e espiritual. “No qual”, Cristo, “também vós juntamente estais sendo edificados para habitação de Deus no Espírito” (Efésios 2:22). A casa de Deus é edificada com homens e mulheres convertidos, e a igreja de Deus, que Cristo comprou com Seu sangue, é o edifício divino, a estrutura onde Deus habita até o dia de hoje. No entanto, gostaria de observar outra coisa com relação aos lugares de culto. Creio que, embora isso não seja nenhuma sacralização das superstições ligadas a eles, ao mesmo tempo há uma espécie de santidade associada a esses locais. Onde quer que Deus abençoe a minha alma, sinto que ali é a casa de Deus, e a própria porta do céu. Não porque as pedras sejam sagradas, mas porque é onde me encontro com Deus e as recordações que tenho do lugar o tornam santo para mim. O lugar em que Jacó se deitou para dormir, e onde depois erigiu um altar, durante algum tempo foi apenas seu quarto, mas seu quarto não era outra coisa senão a casa de Deus. Em vossas casas, tendes salas, espero, e aposentados mais santificados na verdade do que as mais belas catedrais já construídas, cujas torres se elevam ao céu. No lugar onde nos encontramos com Deus há santificação, não no lugar em si, mas naquilo que está associado a ele. Ali, onde mantemos comunhão com Deus e onde Deus descobre o Seu braço, mesmo sendo um celeiro, uma sebe, um pântano ou o lado de uma montanha, é a casa de Deus para nós e, naquele momento, se torna santo. No entanto, não tão santo a ponto de o venerarmos com temor supersticioso, mas apenas santo, pelas recordações das benditas horas passadas em santa comunhão com Deus. E, assim, deixando essa questão de lado, vou lhes apresentar a casa que Deus edificou para Sua habitação.
         Nesta manhã, portanto, vamos falar sobre a igreja — primeiro, como edifício; depois, como habitação; e por último, como aquilo em que ela em breve ela tornará, ou seja — um glorioso templo.

        1. Primeiramente, então, falaremos sobre a igreja como EDIFÍCIO. E, aqui, antes de qualquer outra coisa, faremos uma pausa para perguntar o que é a igreja — o que é a igreja de Deus? Certo grupo reclama para si o título de a igreja, enquanto outras denominações o disputam calorosamente. A igreja não pertence a nenhum de nós. A igreja de Deus não se resume a alguma denominação de homens em particular; a igreja de Deus é constituída por aqueles cujos nomes estão escritos no livro da escolha eterna de Deus; aqueles que foram comprados por Cristo no madeiro, que são chamados por Deus pelo Seu Santo Espírito e que, vivificados por esse mesmo Espírito, participam da vida de Cristo e se tornam membros de Seu corpo, de Sua carne e de Seus ossos. Essas pessoas são encontradas em qualquer denominação, entre todos os tipos de cristãos; alguns estão vagando por onde nem imaginamos; um ou outro está escondido no meio das trevas da maldita igreja romana; às vezes, como se por acaso, há alguém ligado a alguma seita, distante de seus irmãos, mal tendo ouvido falar deles, mas mesmo assim conhecendo a Cristo, pois a vida de Cristo está nele. Ora, esta igreja de Cristo, o povo de Deus, no mundo inteiro, seja porque nome for conhecida, é aquela que nosso texto compara a um edifício no qual Deus habita.

          Bom, agora, preciso fazer uma pequena alegoria a respeito deste edifício. A igreja não é um amontoado de pedras, é um edifício. Seu Arquiteto a projetou na eternidade. Parece até que O vejo, lá nos tempos eternos, fazendo o primeiro esboço da Sua igreja. “Aqui”, diz Ele em Sua sabedoria eterna, será a pedra angular, e ali o pináculo”. Eu O vejo determinando o seu comprimento, a sua largura; designando os lugares das portas e dos portões com incomparável habilidade, planejando cada detalhe, sem deixar nada de fora. Também vejo esse poderoso Arquiteto escolhendo para Si cada pedra do edifício, ordenando seu tamanho e sua forma; estabelecendo em Seu grandioso plano a posição de cada uma delas: se brilhará na frente, se ficará escondida na parte detrás ou se ficará incrustada bem no meio da parede. Eu O vejo fazendo não apenas o esboço, mas todo o seu conteúdo; tudo sendo ordenado, decretado e estabelecido no pacto eterno, o plano divino do poderoso Arquiteto no qual a igreja deve ser edificada. Olhando com atenção, vejo o Arquiteto escolhendo uma pedra angular. Ele olha para o céu e lá estão os anjos, aquelas pedras brilhantes; Ele olha para cada um deles, de Gabriel para baixo, e diz, “Nenhum de vocês servirá. Preciso de uma pedra angular que suporte todo o peso do edifício, pois todas as outras deverão se apoiar nela. Gabriel, não servirás! Rafael, serás posto de lado; não posso edificar contigo”. Contudo, era preciso achar uma pedra, uma que fosse tirada da mesma pedreira que as demais. Onde poderia ser encontrada? Será que alguém serviria como pedra angular desse poderoso edifício? Ah, não! Nem os apóstolos, nem os profetas, nem os mestres serviriam. Mesmo com todos juntos, seria como fazer o alicerce em areia movediça, a casa logo ruiria. Mas, vejam como a mente divina resolveu o problema: “Deus se tornará homem, totalmente homem, e assim será da mesma substância que as demais pedras do templo, mas ainda será Deus e, por isso, será forte o suficiente para sustentar todo o peso dessa poderosa estrutura, cujo topo chegará ao céu”. Vejo o lançamento dessa pedra fundamental. Ouve-se alguma canção nesse momento? Não. Ali só há pranto. Os anjos reunidos olham tristes para os homens e choram; as harpas do céu estão vestidas de pano de saco e delas não sai nenhum som. Os anjos cantaram de júbilo na criação do mundo, por que não cantam agora? Olho para cá e vejo a razão. Aquela pedra está assentada em sangue, aquela pedra angular não podia estar em outro lugar senão no seu próprio sangue. Ela devia ser assentada com cimento vermelho drenado das suas próprias veias sagradas. E ali Ele jaz, a primeira pedra do edifício divino. Anjos, cantai novamente, já acabou! A pedra fundamental está lançada; a terrível cerimônia já terminou. Agora, de onde serão tiradas as outras pedras para a construção do templo? A primeira está assentada, onde estão as demais? Vamos retirá-las das bandas do Líbano? Podemos encontrar essas pedras preciosas nas jazidas do rei? Não. Para onde voais, trabalhadores de Deus? Aonde vais? Onde estão as pedreiras? E eles respondem: “Vamos cavar nas pedreiras de Sodoma e Gomorra, nas profundezas do pecado de Jerusalém e no meio do pecado de Samaria”. Vejo-os revirando o lixo. Observo-os enquanto escavam a terra e, finalmente, voltam com as pedras. Mas como elas são ásperas, como são duras, como são brutas! Sim, mas essas pedras são exatamente aquelas que foram ordenadas na eternidade, no decreto, e devem ser essas, não outras. No entanto, é preciso haver uma transformação. Elas precisam ser trabalhadas e moldadas, lapidadas e polidas, e colocadas em seus lugares. Vejo os operários na obra. A grande serra da lei corta a pedra, depois vem o cinzel do evangelho para lapidá-la. Vejo as pedras assentadas em seus lugares e a igreja se levantando. Os ministros, como mestres de obras, correm ao longo das paredes, colocando cada pedra espiritual em seu lugar; e cada pedra está apoiada naquela imensa pedra angular, e cada uma delas confia no sangue de Jesus Cristo e encontra segurança e força nEle, a pedra angular, eleita e preciosa. Conseguem ver o edifício em pé, com cada escolhido de Deus sendo admitido nele, chamado pela graça e vivificado? Veem as pedras vivas unidas pelo amor sagrado e pelo santo amor fraternal? Já entraram nesse edifício e viram como essas pedras se apoiam umas nas outras, carregando os fardos umas das outras, cumprindo assim a lei de Cristo? Percebem como a igreja ama a Cristo e como seus membros amam uns aos outros? Como, em primeiro lugar, a igreja está unida à pedra angular e depois cada pedra está ligada à seguinte, a seguinte à subsequente e assim por diante, até que todo o edifício seja um? Vejam! A estrutura se levanta, é concluída e, finalmente, é um edifício. Agora, pois, abram bem os olhos e vejam como esse edifício é glorioso — a igreja de Deus. As pessoas falam do glamour da sua estrutura arquitetônica — de fato, é uma estrutura arquitetônica; não segundo os modelos gregos ou góticos, mas segundo o modelo do santuário visto por Moisés no santo monte. Conseguem vê-la? Já viram uma estrutura tão graciosa como essa — impregnada de vida em cada parte? Sobre aquela pedra única estão sete olhos, e cada pedra cheia de olhos e de corações. Já tiveram um pensamento tão grandioso como este — um edifício construído de almas — uma estrutura feita de corações? Não há lugar como o coração para alguém descansar. Ali uma pessoa pode encontrar paz com seu irmão; mas, aqui é a casa onde Deus Se deleita em habitar — construída de corações vivos, todos pulsando com santo amor — construída de almas redimidas, os escolhidos do Pai, comprados pelo sangue de Cristo. Seu topo está no céu. Parte deles está acima das nuvens. Muitas das pedras vivas estão agora no pináculo do paraíso. Nós estamos aqui embaixo, o edifício se ergue, o prédio sagrado está subindo e, assim como a pedra angular sobe, todos nós precisamos subir até que, finalmente, toda a estrutura, desde a fundação até o pináculo, seja elevada ao céu, permanecendo lá para sempre — a nova Jerusalém — o templo da majestade de Deus.

         Ainda com relação a este edifício, tenho mais uma ou duas observações a fazer antes de passar para o próximo ponto. Toda vez que os arquitetos planejam uma construção, eles cometem erros no projeto. Até o mais cuidadoso se esquecerá de alguma coisa; até o mais inteligente descobrirá algo errado. Contudo, observem a igreja de Deus; ela é edificada com precisão e, no final, nenhum erro será encontrado. Talvez você, meu querido irmão, seja apenas uma pedrinha do templo, mas pode pensar que deveria ter sido uma pedra maior. No entanto, não existe engano algum. Você tem apenas um talento; e isso é suficiente para você. Se tivesse dois, poderia comprometer o edifício. Talvez você tenha sido colocado numa posição obscura e esteja dizendo: “Ah, se eu tivesse alguma importância na igreja!” Se você tivesse alguma importância, talvez estivesse no lugar errado; e só uma pedrinha fora do lugar, numa arquitetura tão delicada quanto essa, poderia estragar tudo. Você está onde deveria estar; fique aí. Confiando nisso, não haverá erro. Quando, afinal, estivermos ao redor do edifício, observando suas paredes e contando seus baluartes, cada um de nós dirá: “Quão gloriosa é Sião”! Quando nossos olhos forem iluminados e nossos corações instruídos, cada parte do edifício chamará nossa atenção. A pedra do topo não é a base, nem a base está no topo. Cada pedra tem a forma certa; o material todo é como deveria ser e a estrutura é adequada para o grande fim, a glória de Deus, o templo do Altíssimo. Portanto, podemos ver neste edifício de Deus Sua infinita sabedoria.

       Outra coisa ainda deve ser observada, qual seja, sua força inexpugnável. Esta habitação de Deus, esta casa que não é feita por mãos humanas mas é edifício de Deus, muitas vezes é atacada, contudo, nunca foi tomada. Quantos inimigos têm batido contra suas velhas muralhas! No entanto, sempre batem em vão. “Levantaram-se os reis da terra, e as autoridades ajuntaram-se à uma” (Atos 4:26), e o que aconteceu? Eles vieram contra ela, cada qual com seus valentes, e cada um com a espada desembainhada, e o que lhes aconteceu? O Todo Poderoso os dispersou no Hermon como neve em Zalmom. Como a neve é dispersa da montanha pelo sopro da tempestade, assim também, ó Deus, Tu os dispersa e eles são consumidos pelo sopro das Tuas narinas.

E então, Sião será para nossas almas habitação

Pois nem a ira de Roma ou do inferno temerão

A igreja não está em perigo, e nunca poderá estar. Que venham os inimigos, ela pode resistir. Em sua impassível majestade, em seu silêncio forte como uma rocha, ela lhes oferece resistência. Que venham e sejam feitos em pedaços, que se lancem contra ela e conheçam o caminho certo da sua própria destruição. Ela está segura, e continuará assim até o final. Portanto, muito pode ser dito sobre a sua estrutura; ela é edificada pela sabedoria infinita e está totalmente segura.

          E também podemos acrescentar que ela é gloriosa pela sua beleza. Jamais houve uma estrutura como esta. Ela é um banquete diário para os olhos desde o amanhecer até a madrugada. O próprio Senhor Jesus Se deleita nela. A arquitetura da Sua igreja é tão agradável a Deus que Ele Se regozija nela como nunca o fez com o mundo. Quando Deus fez o mundo, Ele ergueu as montanhas, aprofundou os mares e cobriu os vales de relva; fez todas as aves dos céus e todas as feras do campo; sim, e fez o homem à Sua própria imagem; e, quando viram tudo isso, os anjos cantaram e se regozijaram. Mas Deus não cantou; para Ele, não havia razão suficiente para um cântico dizer: “Santo, Santo, Santo”. Ele podia dizer que tudo era bom; havia uma bondade intrínseca naquilo tudo; mas não a bondade moral da santidade. No entanto, quando edificou Sua igreja, Deus cantou; e, às vezes, penso que esta é a passagem mais extraordinária de toda a Palavra de Deus, onde Ele é representado cantando: “O SENHOR, teu Deus, está no meio de ti, poderoso para salvar-te; ele se deleitará em ti com alegria; renovar-te-á no seu amor, regozijar-se-á em ti com júbilo” (Sofonias 3:17). Pensem, meus irmãos, no próprio Deus contemplando Sua igreja: sua estrutura é tão justa e tão bela que Ele Se regozija em Sua obra e, enquanto cada pedra é colocada no seu devido lugar, a Divindade canta. Será que já houve uma canção como essa? Sim, venham, cantemos e exaltamos o nome do Senhor; louvem Aquele que louva a Sua igreja — Aquele que fez dela o Seu lugar especial de habitação.

          Assim sendo, em primeiro lugar, vimos a igreja como um edifício.

          2. No entanto, a verdadeira glória da igreja de Deus consiste no fato de que ela não é apenas um edifício, ela é também uma HABITAÇÃO. Talvez haja muita beleza em uma construção vazia, mas há sempre um pensamento melancólico associado a ela. Viajando pela nossa pátria, com frequência nos depararmos com uma torre ou um castelo em ruínas; são construções bonitas, mas não são alegres. Há certa tristeza associada a elas. Quem gosta de palácios abandonados? Quem quer que a nação lance fora seus filhos e que suas casas fiquem desabitadas? Contudo, há sempre alegria numa casa iluminada e mobiliada, onde há o som de pessoas. Amados, a igreja tem isto para sua glória especial: ela é uma casa habitada, e é a habitação de Deus por intermédio do Espírito. Quantas igrejas há que são apenas casas, não habitações! Posso descrever-lhes uma igreja que se diz igreja de Deus: é um edifício de tijolos que tem como base alguma antiga tradição, mas não a Palavra de Deus. Sua disciplina é exercida de acordo com suas próprias regras e suas práticas religiosas têm a sua própria liturgia. Você entra nessa igreja e a cerimônia é imponente; talvez, durante algum tempo, o culto inteiro o atraia; mas você sai de lá consciente de que não encontrou vida com Deus naquele lugar — aquela é uma casa, mas uma casa sem moradores. Talvez seja uma igreja na aparência, mas não é uma igreja onde o Santo habite; é uma casa vazia que logo estará arruinada e cairá. Receio que isso seja verdade em relação a muitas das nossas igrejas, estabelecidas e protestantes, assim como em relação à igreja de Roma. Existem muitas igrejas que são apenas uma porção de formalidades enfadonhas e sem sentido, onde não há vida com Deus. Poderíamos prestar culto junto com seus membros, dia após dia, mas nosso coração nunca bateria mais forte, nosso sangue nunca saltaria nas veias, nossa alma nunca seria revigorada, pois a igreja é uma casa vazia. Sua arquitetura pode ser bonita, mas seu depósito está vazio, não há mesa posta, não há regozijo, não há o abate de um bezerro cevado, não há dança, não há canto de alegria. Amados, precisamos ter cuidado para que nossas igrejas não se tornem assim, para que não sejamos uma associação de pessoas sem vida espiritual e, consequentemente, casas vazias, pois Deus não está lá. No entanto, a verdadeira igreja, aquela que é visitada pelo Espírito de Deus, onde há conversão, instrução, devoção e outras coisas semelhantes, é conduzida pela influência viva do próprio Espírito — essa igreja tem Deus como seu habitante.

          E, agora, vamos justamente gastar algum tempo com esse doce pensamento. Uma igreja edificada de almas vivas é a própria casa de Deus. O que isso significa? Vou lhes dizer. Uma casa é um lugar onde a pessoa se consola e se anima. Fora dela, lutamos contra o mundo e ficamos tão tensos que podemos nos meter num mar de confusões, as quais podem não ser levadas pela correnteza. Lá fora, entre os homens, encontramos pessoas cuja linguagem nos é estranha e que, com frequência, nos machucam profundamente e nos deixam arrasados. Lá, sentimos que precisamos estar sempre em guarda. Muitas vezes poderíamos dizer: “A minha alma está entre leões, e eu estou entre aqueles que estão abrasados com o fogo do inferno” (Salmo 57:4). No mundo, encontramos pouco descanso para um dia de trabalho, mas, quando chegamos em casa, somos consolados. Nosso corpo exaurido é revigorado. Tiramos a armadura que estávamos usando e não lutamos mais. Não vemos mais a face do estranho, só olhos radiantes de amor por nós. Não ouvimos palavras dissonantes aos nossos ouvidos. O amor fala e nós reagimos. Nossa casa é o nosso lugar de alívio, consolo e descanso. Ora, Deus chama Sua igreja de habitação — Seu lar. Vejam-nO quando Ele está do lado de fora: Ele troveja e eleva Sua voz sobre as águas. Ouçam-nO, Sua voz quebra os cedros do Líbano e faz a corça dar cria. Observem-nO enquanto guerreia, conduzindo Sua carruagem de poder, levando os anjos rebeldes sobre as ameias do céu até as profundezas do inferno. Contemplem-nO enquanto Ele Se levanta na majestade da Sua força. Quem é este que é tão glorioso? Ele é Deus, altíssimo e tremendo. Mas, vejam, Ele deixou de lado Sua espada reluzente; não está mais segurando Sua lança. Ele voltou para casa. Seus filhos O cercam. Ele Se anima e descansa. Sim, não acho que estou indo longe demais — Ele realmente descansará na Sua amada. Ele descansa em Sua igreja. Ele não é mais chama, terror e fogo consumidor. Agora, Ele é amor, bondade e doçura, pronto para ouvir a tagarelice de Seus filhos e as notas desafinadas de seus cânticos. Ah, como é belo o retrato da igreja como a casa de Deus, o lugar onde Ele Se alegra! “Pois o SENHOR escolheu a Sião, preferiu-a por sua morada” (Salmo 132:13).

          Além disso, o lar de uma pessoa é onde ela mostra o seu íntimo. Quando você encontra uma pessoa no supermercado, ela é seca ao tratar com você. Ela conhece as pessoas e age como alguém do mundo. Mas se encontrá-la em sua casa, conversando com seus filhos, você dirá: “Nossa, que diferença! Nem acredito que seja a mesma pessoa”. Observe também um professor na sala de aula; ele está ensinando ciências aos seus alunos. Repare como ele é sério ao falar sobre assuntos difíceis. Você acredita que esse mesmo homem, à noite, estará com um bebê no colo, contando historinhas infantis e cantando canções de ninar? Mas ele estará. Veja um rei enquanto desfila pelas ruas cheio de pompa; milhares de pessoas estão à sua volta, aclamando-o. Que porte majestoso! Ele é todo rei, monarca dos pés à cabeça, quando se ergue no meio da multidão. Mas você já o viu quando ele está em casa? Ele é exatamente como qualquer outra pessoa; seus filhinhos o cercam e ele se senta no chão para brincar com eles. Será que é mesmo o rei? Sim, claro que é. Mas, por que ele não age assim no palácio? Ou nas ruas? Ah, não, lá não é a sua casa. É em casa que as pessoas se soltam. O mesmo acontece com o nosso glorioso Deus: é na Sua igreja que Ele Se manifesta como não o faz no mundo. Uma pessoa do mundo olha para o céu com seu telescópio, vê a glória de Deus nas estrelas e diz: “Oh, Deus, como és grandioso”! Ela olha séria para o mar, observando-o ser açoitado pela tempestade, e diz: “Vejam o poder e a majestade de Deus”! O estudante de anatomia disseca um inseto e descobre em cada parte dele a sabedoria divina e diz: “Como Deus é sábio”! No entanto, é somente aquele que crê em Deus que, de joelhos em seu quarto, diz: “Meu Pai fez todas as coisas” e, por isso, pode também dizer: “Pai nosso que estás nos céus, santificado seja o Teu nome”. Existem revelações inefáveis que Deus só faz em Sua igreja, nunca em outro lugar. Na igreja é onde Ele pega Seus filhos no colo; onde Ele abre o coração e deixa Seu povo conhecer os mananciais da Sua alma grandiosa e o poder do Seu amor infinito. Não é maravilhoso pensar em Deus no Seu lar, com Sua família, feliz na casa da Sua igreja?

          Outro pensamento também me vem à mente neste momento. O lar de um homem é o centro de tudo o que ele faz. Lá longe, há uma grande propriedade rural. Bem, ela tem várias dependências, montes de feno, celeiros e outras coisas assim; no entanto, bem no meio de tudo tem uma casa que é o centro de toda a sua economia. Não importa quanto trigo seja recolhido, é para essa casa que o produto vai. É para a manutenção da sua família que o marido administra a fazenda. Você pode ouvir o gado mugindo ao longe ou ver as ovelhas nas colinas, mas a lã vai para a casa e todo o leite das vacas vai para os filhos da casa, pois a casa é o centro de tudo. Todos os rios de atividade correm em direção ao doce lago interior da casa. E a igreja, ela não está no centro da atividade de Deus? Ele está lá fora, no mundo, ocupado aqui e ali e em todo lugar, mas para onde é direcionada toda a Sua atividade? Para Sua igreja. Por que Deus reveste as colinas com tanta abundância? Para alimentar o Seu povo! Por que a providência se renova? Por que guerras e tempestades, depois paz e calmaria? É pela Sua igreja. Nenhum anjo atravessa o éter sem uma missão para a igreja. Pode ser indiretamente, mas ainda assim é verdade. Não há arcanjo que cumpra as ordens do Altíssimo que não leve a igreja sobre suas grandes asas e não segure seus filhos quando eles tropeçam nalguma pedra. Os armazéns de Deus são para a Sua igreja. Os tesouros escondidos nas profundas riquezas inexprimíveis de Deus — são todos para o Seu povo. Não há nada que Ele tenha, desde a Sua coroa reluzente até as trevas sob o Seu trono, que não seja para os Seus remidos. Todas as coisas devem contribuir e cooperar para o bem da igreja eleita de Deus, a qual é a Sua casa — a Sua habitação diária. Creio que quanto mais se pensa nisso, quando se está longe, mais se vê a beleza do fato de que, assim como a casa está no centro, assim também a igreja está no centro de tudo para Deus.

          Mais um pensamento e termino este ponto. Ultimamente (em 1859), temos ouvido falar muito sobre uma possível invasão francesa. No entanto, só vou me preocupar com isso quando realmente acontecer, não antes. Contudo, há uma coisa que posso dizer com muita segurança. Muitos de nós são homens de paz e não gostariam de empunhar uma espada; a primeira visão de sangue nos deixaria enjoados; somos seres pacíficos; não fomos feitos para lutar e guerrear. Contudo, se mesmo a pessoa mais pacífica do mundo pensar que invasores estão desembarcando em nossas praias, que as nossas casas estão correndo perigo e os nossos lares estão prestes a serem saqueados pelo inimigo, receio que nossa cautela nos abandone e, apesar do que pensamos sobre as guerras, eu me pergunto se qualquer um dentre nós não pegaria a primeira arma à sua mão para rechaçar o inimigo. Com um grito de guerra: “Pela nossa família e pelo nosso lar”, nós iríamos investir contra o invasor, fosse ele quem fosse. Não haveria poder forte o bastante para paralisar o nosso braço; nós iríamos lutar até a morte pela nossa casa; nenhuma ordem, por mais dura que fosse, poderia nos acalmar; abriríamos caminho por cada grupo, cada companhia do inimigo e, mesmo os mais fracos seriam gigantes e, nossas mulheres, heroínas no dia da dificuldade. Cada mão encontraria uma arma para atacar o inimigo. Amamos nossos lares, e precisamos, e iremos, defendê-los. Agora, vamos pensar mais alto — a igreja é o lar de Deus, será que Ele não a defenderá? Ele permitirá que a sua própria casa seja atacada e saqueada? Sua casa será manchada pelo sangue de Seus filhos? A igreja será derrotada, suas muralhas atacadas, suas habitações pacíficas entregues ao fogo e à espada? Nunca, jamais, não enquanto Deus tiver um coração de amor e enquanto Ele chamar Seu povo de Sua casa e Sua habitação. Venham, regozijemo-nos nessa segurança; mesmo se toda a terra estiver em guerra lá fora, nós continuamos em perfeita paz, pois nosso Pai está em casa e Ele é o Deus Todo Poderoso. Que os inimigos venham contra nós, não precisamos ter medo, Seu braço os fará cair, o sopro de Suas narinas os consumirá, uma só palavra Sua os destruirá, e eles se derreterão como a gordura de carneiros, como a gordura de cordeiros serão consumidos e na fumaça serão dissipados. Para mim, todos esses pensamentos parecem surgir naturalmente pelo fato de a igreja ser a habitação de Deus.

          3. Gostaria de lhes falar, em terceiro lugar, que a igreja, em breve, será o GLORIOSO TEMPLO DE DEUS. Neste momento, ainda não a vemos como ela deve ser. No entanto, já mencionei esse fato precioso. Hoje, a igreja está sendo erigida, e continuará sendo até que o monte da casa do Senhor seja estabelecido no cume das montanhas e, então, quando todas as nações a chamarem feliz, e Ele também — quando todos disserem: “Vinde, e subamos à casa do nosso Deus para O adorarmos”, aí a glória da igreja terá início. Quando esta terra tiver passado, quando os monumentos de todos os impérios forem dissolvidos e engolidos pela lava da chama dos últimos tempos, então a igreja será arrebatada entre as nuvens e exaltada no céu, para se tornar um templo jamais visto por olhos humanos.

         E, agora, irmãos e irmãs, para concluir, faço algumas observações. Se a igreja de Deus é a casa de Deus, o que eu e você devemos fazer? Ora, como parte desse templo, precisamos, sinceramente, procurar sempre conservar seu mais digno habitante! Não entristeçamos Seu Espírito para que Ele não se ausente da Sua igreja; e, acima de tudo, não sejamos hipócritas, para que Ele não deixe de entrar em nosso coração. E, se a igreja deve ser o templo e a casa de Deus, que ela não seja desonrada por nós. Quando você desonra a si mesmo, você desonra a igreja, pois seu pecado, se você é membro da igreja, é pecado da igreja. A sujeira de uma pedra na reconstrução praticamente destrói sua perfeição. Cuida para seres santo como Ele é santo. Não permitas que o teu coração se torne casa de Belial. Não penses que Deus e o diabo podem habitar no mesmo lugar. Entrega-te totalmente ao Senhor. Busca mais do Seu Espírito, para que, como pedra viva, sejas totalmente consagrado; e não te contentes até sentires em ti mesmo a perpétua presença dO habitante divino que habita Sua igreja. Que Deus agora abençoe a cada pedra viva do Seu templo. E quanto a vós, que ainda não fostes retirados das pedreiras do pecado, oro para que a graça divina vos encontre, para que sejais renovados e convertidos e, enfim, se tornem participantes da herança dos santos na luz.



Tradução e revisão: Mariza Regina de Souza