quarta-feira, 11 de novembro de 2020

11 de novembro - Devocional Matutina

 por baixo de ti, estende os braços eternos

Deuteronômio 33:27

Deus — o eterno Deus — Ele mesmo é o nosso amparo em todos os momentos, especialmente quando estamos afundando nas tribulações. Há momentos em que o cristão fica muito humilhado. Com profundo senso de sua enorme pecaminosidade, ele se humilha diante de Deus a tal ponto que mal consegue orar, pois, a seus próprios olhos, ele parece totalmente sem valor. Bem, filho de Deus, lembra-te de que, ainda que estejas na pior e mais infeliz época da tua vida, “por baixo” de ti “estão os braços eternos”. O pecado pode lentamente arrastá-lo para baixo, mas a grande expiação de Cristo ainda está por baixo de tudo. Você pode ter descido às profundezas, mas talvez não tenha descido até “o fundo”, e no fundo Ele salva. Além disso, às vezes, o cristão mergulha em dolorosas provações externas. Cada suporte terreno é cortado. O que acontece, então? Debaixo dele ainda estão os “braços eternos”. Por mais fundo que ele possa mergulhar em sua angústia e aflição, a graça da aliança de um Deus fiel sempre o envolverá. O cristão pode também estar afundando em problemas devido a um terrível conflito interno, mas mesmo assim, ele não pode descer tanto a ponto de ficar fora do alcance dos “braços eternos” — eles estão por baixo dele; e, enquanto eles o sustém, todos os esforços de Satanás para prejudicá-lo nada valem.

A garantia desse amparo é um consolo para qualquer trabalhador cansado, mas sincero, no serviço de Deus. Isso pressupõe força para cada dia, graça para cada necessidade e poder para cada dever. Além disso, quando a morte chegar, a promessa ainda será válida. Quando estivermos no meio do Jordão, poderemos dizer com Davi: “não temerei mal algum, porque Tu estás comigo” (Sl 23.4). Nós desceremos à sepultura, mas não iremos além dela, pois os braços eternos impedem que desçamos mais. Por toda a vida, até o fim, seremos amparados pelos “braços eternos” — braços que não se cansam nem perdem a força, pois “o Deus eterno nunca se cansa, nem se fatiga” (Is 40:28).

Charles Spurgeon


Tradução e revisão: Mariza Regina de Souza


quinta-feira, 5 de novembro de 2020

05 de novembro — Devocional Matutina

 Toda arma forjada contra ti não prosperará.

Isaías 54.17


Hoje é um dia memorável na história da Inglaterra devido a dois grandes livramentos feitos por Deus. Neste dia, em 1605, foi descoberta a conspiração dos papistas (NT: Conspiração da Pólvora) para destruir as nossas Casas do Parlamento.

“Enquanto nos porões é preparada

Aos nossos príncipes armadilha ardente 

Do céu Ele dispara raio refulgente

Trazendo à luz a traição macabra”

Em segundo lugar — hoje é o aniversário do desembarque do Rei Guilherme III (NT: Guilherme de Orange) em Torbay, em 1688, acontecimento que dissipou a esperança de ascendência do Papado, assegurando, assim, nossa liberdade religiosa. Este dia deve ser comemorado, não pela farra dos jovens, mas pela canção dos santos. Nossos antepassados puritanos, com muita devoção, fizeram disso um momento especial de ação de graças. Há um registro dos sermões anuais pregados por Matthew Henry nesse dia. Nosso sentimento protestante e nosso amor pela liberdade devem nos fazer considerar este aniversário com santa gratidão. Que nosso coração e nossos lábios exclamem: “Ouvimos, ó Deus, com os próprios ouvidos; nossos pais nos têm contado o que outrora fizeste, em seus dias” (Salmos 44:1). Tu fizeste desta nação o lar do evangelho e, quando o inimigo se levantou contra ela, Tu a protegeste. Ajuda-nos a oferecer repetidas canções pelos repetidos livramentos. Dá-nos a cada dia mais ódio pelo anticristo e apressa o dia de sua total extinção. Até lá, acreditamos na promessa: “Toda arma forjada contra ti não prosperará”. Será que neste dia, não deveria ser colocado no coração de todo aquele que ama o evangelho de Jesus, pleitear a derrubada das falsas doutrinas e a propagação da verdade divina? Não seria bom sondar nosso próprio coração e retirar dele qualquer lasca de farisaísmo papista que possa estar ali escondida?

Charles Spurgeon

Tradução e revisão: Mariza Regina de Souza


sexta-feira, 23 de outubro de 2020

23 de outubro - Devocional Matutina

Porventura, quereis também vós outros retirar-vos?

João 6:67

Muitas pessoas deixam de seguir a Cristo e não andam mais com Ele; mas, qual a razão dessa mudança? Seria alguma coisa no passado? Seria porque Jesus não demonstrou ser todo suficiente? Nesta manhã, Ele lhe diz — “Porventura, tenho eu sido para você um deserto?” (Jeremias 2:31) Quando sua alma simplesmente confiou em Jesus, alguma vez se sentiu confuso? Será que ainda não percebeu que Ele é um amigo compassivo e generoso e que a simples fé nEle lhe dá toda a paz que seu espírito almeja? Acaso poderia sonhar com um amigo melhor? Então, não mude aquilo que conhece por algo novo e enganoso. Quanto ao presente, seria este o motivo para abandonar a Cristo? Quando somos duramente assediados por este mundo ou pelas provações mais severas dentro da Igreja, uma das coisas mais abençoadas é descansar a cabeça no peito do nosso Salvador. Esta é alegria que temos hoje por sermos salvos nEle; e, se esta alegria é satisfatória, por que pensar em mudança? Quem troca ouro por entulho? Não desprezamos o sol até que encontremos uma luz melhor, nem abandonamos nosso Senhor até que apareça um amigo mais maravilhoso; e, já que isso não pode acontecer, vamos nos agarrar a Ele com abraço imortal, e Seu Nome será um emblema em nosso braço. Quanto ao futuro, seria possível alguém sugerir que pode surgir alguma coisa que o faça se amotinar ou abandonar a antiga bandeira para servir a outro capitão? Achamos que não. Se a vida for longa — Ele não muda. Se somos pobres, quem melhor que Cristo para nos tornar ricos? Quando estamos doentes, quem mais queremos além de Jesus para afofar nossa cama? (Salmo 31.3). Quando morrermos, não está escrito que: “nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Romanos 8:38,39)? Podemos nos unir a Pedro e dizer: “Senhor, para quem iremos”?

Charles Spurgeon

Tradução e revisão: Mariza Regina de Souza


quarta-feira, 21 de outubro de 2020

21 de outubro - Devocional Vespertina

Por que estais perturbados? E por que sobem dúvidas ao vosso coração?

Lucas 24:38

“Por que, pois, dizes, ó Jacó, e falas, ó Israel: O meu caminho está encoberto ao Senhor, e o meu direito passa despercebido ao meu Deus?” (Isaías 40:27). O Senhor cuida de todas as coisas, e mesmo a mais miserável das criaturas tem parte na Sua providência universal; no entanto, Sua providência particular está sobre Seus santos. “O anjo do Senhor acampa-se ao redor dos que O temem” (Salmo 34.7). “Precioso lhe é o sangue deles” (Salmos 72:14). “Preciosa é aos olhos do Senhor a morte dos seus santos” (Salmos 116:15). “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Romanos 8:28). Que o fato do Senhor, embora sendo Salvador de todos os homens, é particularmente Salvador dos que creem dê ânimo e conforto a você. Você é objeto do Seu cuidado especial; o tesouro real que Ele guarda como a menina de Seus olhos; a vinha que Ele vigia de dia e de noite. “E, quanto a vós outros, até os cabelos todos da cabeça estão contados” (Mateus 10:30). Pense no Seu amor especial por você como um lenitivo espiritual, um alívio reconfortante para suas angústias. “De maneira alguma te deixarei, nunca jamais te abandonarei” (Hebreus 13:5). Deus diz a você o mesmo que disse a todos os santos do passado. “Não temas, eu sou o teu escudo, e teu galardão será sobremodo grande” (Gênesis 15:1). Muitas consolações se perdem pelo hábito de lermos as promessas de Deus para a igreja como um todo, em vez de considerá-las diretamente para nós. Crente, tome a palavra divina com fé própria, pessoal. Pense que você ouve Jesus dizendo: “Eu, porém, roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça” (Lucas 22:32). Pense que você O vê andando sobre as águas das suas angústias, pois Ele está lá e está dizendo: “Não tema, sou Eu, não tenha medo”. Ó, quão doces são as palavras de Cristo! Que o Espírito o faça senti-las como se fossem ditas diretamente a você; esqueça-se dos outros por alguns instantes — ouça a voz de Jesus e diga: “O sussurro de Jesus é consolo; não posso recusá-lo, tenho prazer em sentar-me à sua sombra”.


Charles Spurgeon


Tradução e revisão: Mariza Regina de Souza

 

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

19 de outubro - Devocional Matutina

 “crianças em Cristo”

1 Coríntios 3:1

Você lamenta, crente, por ser fraco demais na vida espiritual: por sua fé ser tão pequena e seu amor tão fraco? Ânimo, pois você tem motivo de gratidão. Lembre-se de que, em algumas coisas, você é igual aos cristãos mais excelentes. Você foi comprado com sangue da mesma forma que eles. Você é filho adotivo de Deus tanto quanto qualquer outro crente. Uma criancinha é tão filha de seus pais quanto uma pessoa adulta. Você está totalmente justificado, pois sua justificação não depende da sua posição: mesmo sua pequenina fé tornou limpo cada pedacinho seu. Você tem tanto direito às coisas preciosas da aliança quanto os crentes mais maduros, pois seu direito às misericórdias da aliança não está no seu crescimento, mas na própria aliança; e sua fé em Jesus não é a medida, e sim o sinal da sua herança nEle. Você é tão rico quanto o mais rico, se não em alegria, em posse real. A menor estrelinha brilhando no céu e o mais tênue raio de luz têm afinidade com a grande orbe do dia. No registro da família da glória, o menor e o maior são escritos com a mesma pena. Você é tão querido ao coração do Pai quanto os mais notáveis da família. Jesus tem muito carinho por você. Você é como o pavio fumegante (Is 42.3, NVI); um espírito mais rude diria: “apague esse pavio, seu mau cheiro é insuportável!”, mas Ele não apagará o pavio fumegante. Você é como o caniço rachado, e qualquer mão mais pesada que a do grande Maestro, o quebraria ou jogaria fora, mas Ele nunca quebrará o caniço rachado. Em vez de ficar prostrado por aquilo que você é, você deve triunfar em Cristo. Sou pequenino em Israel? Em Cristo, no entanto, fui feito para me assentar nos lugares celestiais. Sou fraco na fé? Em Jesus sou herdeiro de todas as coisas. Embora “em nada possa me gloriar e deva confessar vaidade”, ainda que a raiz do problema esteja em mim (Jó 19.28), “todavia, eu me alegro no Senhor, exulto no Deus da minha salvação (Habacuque 3:18).


Charles Spurgeon


Tradução e revisão: Mariza Regina de Souza


sexta-feira, 16 de outubro de 2020

16 de outubro - Devocional Matutina

 Disse-lhes Jesus: Vinde, comei


João 21:12


Nestas palavras o crente é convidado a uma santa aproximação de Jesus. “Vinde, comei” indica a mesma mesa, a mesma refeição; sim, e, às vezes, significa sentar-se ao lado do Salvador e reclinar a cabeça sobre o Seu peito. Significa ser levado à sala do banquete, onde tremula a bandeira do amor redentivo. “Vinde, comei” nos dá uma visão da união com Jesus, pois o único alimento que podemos comer quando estamos à mesa com Ele é Ele mesmo. Ah, que união! Alimentar-se de Jesus é uma coisa tão profunda que a própria razão não consegue compreender. “Quem comer a minha carne e beber o meu sangue permanece em mim, e eu, nele” (João 6:56). Este também é um convite para ter comunhão com os santos. Os cristãos podem diferir em muitas coisas, mas todos têm o mesmo apetite espiritual; e, embora todos não sejamos iguais, todos podemos nos alimentar igualmente do pão da vida enviado do céu. Na mesa da comunhão com Jesus, somos um único pão e um único cálice (1Co 10.17). À medida que o cálice de amor vai passando, nós nos comprometemos uns com os outros de coração. Aproxime-se de Jesus e você verá que estará cada vez mais ligado em espírito àqueles que são semelhantes a você, sustentados pelo mesmo maná celestial. Se estivermos mais perto de Jesus, estaremos mais perto uns dos outros. Também vemos nestas palavras a fonte da força para todo cristão. Olhar para Cristo é viver, mas, para ter força para servi-lO, é preciso “vir e comer”. Trabalhamos com muita fraqueza desnecessária por negligenciar este preceito do Mestre. Nenhum de nós precisa fazer dieta; pelo contrário, devemos nos fartar da banha e da gordura do evangelho para que possamos acumular forças e usar toda nossa capacidade a serviço do Mestre. Portanto, se você deseja ter intimidade com Jesus, união com Ele, amor pelo Seu povo e a força dEle, deve “vir e comer” com Ele por meio da fé.


Charles Spurgeon


Tradução e revisão: Mariza Regina de Souza


segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Súplica e Encorajamento

 Sermão nº 1795

Ministrado na manhã do Dia do Senhor, 17 de agosto de 1884

Pelo Reverendo Charles H. Spurgeon

No Tabernáculo Metropolitano, Newington


Acaso, tenho eu prazer na morte do perverso? — diz o Senhor Deus; não desejo eu, antes, que ele se converta dos seus caminhos e viva? — Ezequiel 18:23

Porque não tenho prazer na morte de ninguém, diz o Senhor Deus. Portanto, convertei-vos e vivei. — Ezequiel 18:32

Dize-lhes: Tão certo como eu vivo, diz o Senhor Deus, não tenho prazer na morte do perverso, mas em que o perverso se converta do seu caminho e viva. Convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos; pois por que haveis de morrer, ó casa de Israel? — Ezequiel 33:11

 

            O PECADO, QUANDO SE APODERA DO CORAÇÃO HUMANO, se aloja na alma como alguém que, ao tomar uma fortaleza, rapidamente tapa todas as brechas e reforça os muros para não ser invadido e expulso de lá. Dentre as armadilhas mais sutis do pecado para manter a alma debaixo do seu poder e impedir o homem de voltar-se para Deus está a difamação do Altíssimo, deturpando o Seu caráter. Assim como a poeira cega os olhos, o pecado impede o pecador de ver o Senhor da forma correta. “Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus” (Mateus 5:8). Os ímpios, no entanto, só veem aquilo que eles mesmos pensam a respeito de Deus, e isso, infelizmente, é uma imagem totalmente diferente do que Ele realmente é! Dizem, por exemplo, que Deus é impiedoso, quando, na verdade, Ele se deleita em ser misericordioso. O servo infiel da parábola dos talentos tinha certeza disso, por isso disse taxativamente: “sabendo que és homem severo” (Mt 25.24); no entanto, a natureza de Deus é tão oposta à arrogância e à extorsão quanto a luz é das trevas. 

            Quando as pessoas colocam tal falácia na cabeça, ficam endurecidas de coração: acreditam ser inútil recorrer a Deus e continuando a pecar com mais determinação. Elas acham que Deus é implacável ou indiferente às orações humanas ou, ainda, que mesmo que Ele as ouça, não existe a menor chance de lhes dar uma resposta favorável. De uma forma sombria, pensam que Deus não liga para os culpados e miseráveis que clamam a Ele; que suas orações não são boas o suficiente, pois Ele espera tanto de suas criaturas que elas nunca oram como Lhe agrada; que, na verdade, Ele procura contender conosco, pois é um feitor cruel e fará o possível contra nós. Sendo elas mesmas tardias em perdoar, julgam ser extremamente improvável que o Senhor perdoe pecados como os delas. Como não sorriem para o pobre ou caído, acham que o Senhor nunca receberá os indignos em Seu favor. Assim, elas distorcem a imagem do Altíssimo: retratam Aquele que é o melhor dos reis como tirano; Aquele que é o amigo mais querido como inimigo; e Aquele cujo nome é amor como a personificação do ódio.  

              Esse é um dos artifícios mais malignos usados por Satanás para impedir as pessoas de se arrepender. Como nos velhos tempos da peste, quando as portas das casas eram trancadas, marcadas com uma cruz vermelha e os moradores confinados até a morte, do mesmo modo o diabo escreve na porta das pessoas: “sem esperança”, e a alma doente decide morrer sem admitir a presença do médico. Ninguém peca mais descaradamente do que quem peca em desespero, crendo que Deus não irá perdoá-lo. Um ataque onde a palavra de ordem é “sem piedade” geralmente provoca uma defesa terrível. O pirata sem esperança de perdão se torna mais sanguinário. Antigamente, muitos ladrões continuavam a matar sem remorso por pensar que seriam enforcados por causa de uma ovelha ou um cordeiro. Quando uma pessoa acredita que não há esperança, resolve fazer o que dá na telha; se não pode agradar a Deus, pelo menos, agradará a si mesma. Se tiver de ir para o inferno, irá feliz e, como se diz, “morrerá em combate”. Tudo isso é fruto de uma visão equivocada sobre Deus. Será que não percebem a semelhança entre o pecado e o engano? Eles são irmãos gêmeos. Santidade é a verdade, mas o pecado é uma mentira, a mãe de todas as mentiras. Do pecado nasce o engano e o engano nutre o pecado. O engano mantém o pecado, sobretudo, caluniando o Deus de amor. Deus está sempre pronto a perdoar e, de forma alguma, Ele é tardio em perdoar. Por que, então, as pessoas deixam de confessar seus pecados e encontrar misericórdia? Ele não é um Deus que sente prazer nas misérias humanas; por que pensam tão mal Dele? Seu ouvido não é insensível ao grito de tristeza; Seu coração não é tardio em se compadecer do aflito, pelo contrário, Ele espera para ser gracioso, “Sua misericórdia dura para sempre”; Ele tem prazer na misericórdia. Por que as pessoas fogem Dele? Deus é amor imensurável, amor constante, sem limite e sem fim.

Quem é semelhante a Ti para perdoar?

Que é tão rico em graça para salvar?

            Parte do nosso trabalho como ministros de Cristo é dar testemunho da benignidade do Senhor contra o engano com que o pecado desonra Sua bondade. E é isso o que desejo fazer nesta manhã, com toda honestidade, na esperança de que aqueles que já estão convencidos de seu pecado sejam capazes de descansar na misericórdia de Deus a mesma misericórdia que Ele revelou em Jesus Cristo, Seu Filho.

            Fiquei muito impressionado com várias cartas que recebi esta semana de almas profundamente feridas. Deus está operando em nosso meio com a espada da convicção. Senti grande alegria em receber tais cartas, pois, por mais dolorosas que tenham sido para quem as escreveu, elas me dão muita esperança. Fico triste pelas pessoas que chegam ao ponto do desespero e continuam assim; mas, qualquer coisa é melhor do que a indiferença. Não lamento pelas almas encerradas na prisão da lei, pois espero que logo saiam para a plena liberdade da fé em Cristo. Devo confessar minha preferência pelas antigas formas de convicção: para mim, elas produziam crentes melhores e mais estáveis do que os métodos superficiais mais modernos. Fico feliz em ver o Espírito Santo arruinando, derrubando e destruindo os alicerces, limpando o terreno, para que possa edificar em vocês templos para o Seu louvor. Oro com fervor para que o Senhor faça daqueles que estão convictos de seus pecados defensores das doutrinas da livre graça, consoladores dos que choram e servos consagrados do Seu reino! Espero ver grandes colheitas desse solo profundamente arado. Que o Senhor assim permita, por amor do Seu próprio nome!

            Posso ver que a ideia principal de várias pessoas que me escrevem é errônea, pois elas possuem uma falsa noção sobre Deus: elas não conseguem concebê-lo como o Deus bondoso e gracioso que Ele realmente é. Este é um erro que estou ansioso para corrigir. Ouçam-me, vocês que choram. Desejo apenas lhes dizer a mais pura verdade. Que Deus não permita que eu distorça Sua imagem só para consolá-los! Jó perguntou a seus amigos: “a favor de Deus falareis mentiras?” (Jó 13.7). E minha resposta a essa pergunta é: “Jamais”. Jamais diria aquilo que acredito ser falso a respeito do Senhor, mesmo que com isso o Maligno me acene com a possibilidade de salvar toda a humanidade. Já percebi que, em certos encontros de reavivamento, em muitos aspectos, a verdade é diminuída para dar coragem às pessoas; mas esse tipo de argumento sempre acaba mal. Consolo baseado na supressão da verdade é pior que inútil. Consolo duradouro deve alcançar os pecadores pela certeza da verdade de Deus; ou, então, no dia em que eles mais precisarem, suas esperanças se dissiparão como uma sombra. Portanto, direi a verdade, em toda a sua simplicidade, a respeito do Deus bendito, a quem sirvo. Peço que não continuem a difamar o infinito amor de Deus. Àqueles que sentem o peso do seu pecado, mas não ousam depositar sua confiança no Deus perdoador, oro para que aprendam sobre Ele e O conheçam do jeito certo, pois só assim este texto será cumprido neles: “Em ti, pois, confiam os que conhecem o teu nome” (Salmo 9.10). Que o Espírito Santo venha agora nos iluminar, para que vocês vejam Deus em Sua própria luz! Quanto a mim, sinto que é meu dever ser aquele em quem nada pode valer senão esse mesmo Espírito. Crisóstomo costumava se admirar de que algum ministro pudesse ser salvo, em vista de suas responsabilidades tão grandes; concordo plenamente com ele. Orem por mim para que eu seja fiel à alma das pessoas.

            Notem que, em cada um dos textos escolhidos, o Senhor declara não ter prazer na morte dos perversos, mas, em cada passagem subsequente, a afirmação é ainda mais forte. No primeiro, o Senhor coloca a questão em forma de pergunta. Como se pego de surpresa por tal coisa ser imputada a Ele, Deus apela para a própria razão humana e diz: “Acaso, tenho eu prazer na morte do perverso? — diz o Senhor Deus; não desejo eu, antes, que ele se converta dos seus caminhos e viva?” Ó, almas, acham mesmo que Deus deseja sua condenação? Será que são tão loucos a ponto de acreditar nessa calúnia? Acaso, por um instante sequer, tal teoria poderá ser provada? Depois de toda a bondade de Deus às multidões rebeldes, como é possível permitirem a um pensamento tão funesto ocupar sua mente, o de que Deus tem prazer em que os homens sejam pecadores e que, no final, sejam destruídos por suas iniquidades? O próprio bom senso deve ensiná-los que o bondoso Deus Se entristece ao ver os homens pecar, que Ele ficaria feliz em vê-los com a mente transformada e é triste para Ele ter de punir, no final, os obstinados e impenitentes. Ele diz com grande tristeza: “Não façais esta coisa abominável que aborreço” (Jeremias 44:4). A forma como Ele coloca a questão é de estranheza, que uma calúnia tão grosseira seja dita porque as pessoas pensam que o Deus de amor possa ter algum prazer em que os homens pereçam em seus pecados.

            E, então, no texto seguinte, Deus faz uma asserção positiva. Conhecendo o coração humano, Ele prevê que uma pergunta não seria suficiente para pôr fim a esse assunto, pois o homem diria: “Ele fez apenas uma pergunta; não deu uma declaração clara e positiva em contrário”. Assim, Ele nos dá uma garantia muito clara no segundo texto: “Porque não tenho prazer na morte de ninguém, diz o Senhor Deus. Portanto, convertei-vos e vivei”. Quando o Senhor fala, devemos acreditar nEle, pois Ele é o Deus que não pode mentir (Tt 1.2). Sabemos que essas palavras são autênticas, pois são dadas por um profeta inspirado, de cujo chamado por Deus não temos qualquer dúvida. Creiamos, então, de todo o coração. Se eu dissesse isso com base em minha própria opinião, vocês poderiam acreditar ou não; mas já que foi Deus quem disse, então, pedimos que todos, como criaturas de Deus, creiam no Criador, e jamais coloquem em dúvida Sua declaração. “Porque a palavra do rei tem poder” (Ec 8.4, ARC) — poder, creio eu, para silenciar todas as demais questões sobre a disposição de Deus para salvar.

            No entanto, como se fosse para encerrar de uma vez por todas a estranha e desagradável suposição de que Deus tem prazer na destruição humana, o terceiro texto sela a verdade com um juramento solene do Eterno. Ele eleva as mãos para o céu e jura; e, como não pode jurar por ninguém superior, Ele jura por Si mesmo — não pelo templo, nem pelo trono, nem pelos anjos, nem por qualquer outra coisa fora de Si mesmo, Ele jura por Sua própria vida. Yahweh que vive para todo o sempre, diz: “Dize-lhes: Tão certo como eu vivo, diz o Senhor Deus, não tenho prazer na morte do perverso, mas em que o perverso se converta do seu caminho e viva”. Quem ousar pôr em dúvida o juramento de Deus é culpado de insolente presunção, o que eu não gostaria de imputar a nenhum de vocês. Poderia Deus ser perjuro? Tremo só de sugerir tal coisa; no entanto, se algum de vocês não acredita no próprio juramento do Senhor, não só O faz mentiroso, como nega o valor do Seu juramento quando Ele jura por Sua própria vida. Portanto, o que Ele afirma tem de ser verdade; que nos curvemos diante disso, sem jamais duvidar. Aqueles que ousam atacar a verdade de Deus são os mais miseráveis dos homens, uma vez que Deus, para fortalecer a confiança deles, coloca a Si mesmo sob juramento. Ouçamos a voz do Senhor em Sua majestade, como o estrondo de um trovão distante — “Tão certo como eu vivo, diz o Senhor Deus, não tenho prazer na morte do perverso, mas em que o perverso se converta do seu caminho e viva”. 

            Convido-os, portanto, a considerar sinceramente tais palavras, as quais são dadas na forma de uma pergunta, uma afirmativa e um juramento solene.

1. Primeiramente, observo a asserção de que DEUS NÃO TEM PRAZER NA MORTE DO PECADOR. Realmente tenho vergonha de ter de responder à calúnia feita por algumas pessoas; ainda que seja a língua inglesa a causa de muitas dúvidas. A pessoa não quer ir a Cristo e confiar nEle porque, no obscurecimento de seus pensamentos, Deus é um ser terrível que não deseja salvá-la, não está disposto a perdoá-la, nem a recebê-la em Seu favor. Ela acha que Deus encontra algum tipo de prazer maligno na condenação da alma. Não é assim. Não preciso refutar essa mentira. Deus declara, sob juramento, exatamente o contrário, e a mentira desaparece como fumaça. Apresentarei apenas algumas evidências pelas quais vocês, que ainda estão sob a influência mortal do engano, podem ser libertos.

Em primeiro lugar, vamos considerar a exiguidade de julgamentos de Deus entre os filhos dos homens. Há pessoas que estão sempre falando sobre esses julgamentos, mas elas estão enganadas. Se um teatro pega fogo ou um barco naufraga num domingo, elas dizem: “Isso é o juízo de Deus”. No entanto, igrejas e templos pegam fogo e missionários se afogam quando estão a serviço do próprio Senhor. É um erro dizer que tudo o que acontece é juízo de Deus, pois assim cairemos no erro dos amigos de Jó, e estaremos condenando o inocente. O fato é que há poucos atos da providência divina dirigidos a pessoas que podem ser declarados, com certeza, como julgamento. É claro que eles existem, mas são incrivelmente raros nesta vida, considerando a maneira pela qual Deus é frequentemente provocado pela arrogância e pela blasfêmia. Foi um ato de julgamento quando o exército de Faraó se afogou no Mar Vermelho; foi um ato de julgamento quando Coré, Datã e Abirão foram tragados vivos pelo abismo. Mais tarde, houve julgamentos na igreja de Deus quando Ananias e Safira caíram mortos por terem mentido ao Espírito Santo; e quando Elimas, o mágico, ficou cego por se opor a Paulo. Mesmo assim, os casos são poucos e, tempos depois, instâncias autênticas são igualmente raras. Não é o próprio Senhor que diz que julgamento é “sua obra estranha”? (Isaías 28.21). Para o Seu próprio povo há constante julgamento de disciplina paterna, mas para o mundo exterior o que prevalece é o bondoso regime da misericórdia. Esta é a era da paciência e da longanimidade. Se Deus tivesse algum prazer na morte do perverso, alguns aqui já estariam no inferno há muito tempo. No entanto, Ele não os trata de acordo com seus pecados, nem os recompensa de acordo com suas iniquidades. Se Deus sempre julgasse a mentira, quantos aqui presentes já não teriam recebido sua porção no lago de fogo! Se sempre houvesse julgamento pela violação do dia de descanso, Londres já teria sido destruída tal qual Sodoma e Gomorra. Contudo, Deus reserva Sua ira para o dia da ira, pois, por enquanto, Ele faz vista grossa à obstinação humana, pois este não é o lugar do julgamento, mas da tolerância e da esperança. A escassez de obras de julgamento sobre os ímpios nesta vida prova que Deus não tem prazer nelas.

            Em segundo lugar, a duração da longanimidade de Deus antes do Dia do Juízo prova que Ele não deseja a morte de ninguém. O Senhor poupa muitos culpados por setenta anos, tolerando seus maus costumes, a fim de estimular sua gratidão. As loucuras da juventude são sucedidas pelos erros deliberados da idade adulta, e estes, pela teimosia da maturidade; mesmo assim, o Senhor continua sendo paciente! Algumas pessoas rejeitam a Cristo depois de terem ouvido o evangelho durante vários anos, reprimindo sua consciência que clama contra elas, e fazem isso a despeito do Espírito de Deus. Rebelam-se contra a luz e cometem pecados cada vez maiores, mas Deus não as destrói. Se Ele encontrasse prazer na morte, será que toleraria que vivessem por tanto tempo? Tais pessoas ocupam inutilmente a terra (cf. Lc 13.7), não por dois ou três anos como a figueira estéril, mas deixam de dar fruto na videira de Deus por quarenta ou sessenta anos; no entanto, Ele continua poupando-as! Alguns vão ainda além, pois provocam a Deus com sua incredulidade descarada, com palavras abomináveis contra o próprio Deus, contra o Seu Filho e contra o Seu povo. Tentam enfiar o dedo nos olhos de Deus, cuspir no rosto do Amado e persegui-lo na pessoa do Seu povo. Contudo, o Senhor não dá cabo deles de imediato, como seria justo fazer. Será que tais pessoas não ouvem a espada do Senhor se agitando em sua bainha? Ela já teria saltado, se a misericórdia não a tivesse empurrado de volta, implorando: “Ah! Espada do Senhor... descansa e aquieta-te!” (Jeremias 47.6). É só porque Sua compaixão nunca falha que vocês são favorecidos com os ternos convites do evangelho. Somente devido à Sua infinita paciência, a graça ainda luta contra o pecado humano e a incredulidade. Vamos, então, cada um clamar ― 

Senhor, ainda tenho vida

Não no inferno, nem em desdita!

Teu bom Espírito comigo lida  ― 

Com o maior pecador habita?

Diga aos pecadores, diga sim

Que estou fora do inferno enfim!

            Além do mais, lembrem-se da perfeição do caráter de Deus como Regente moral do Universo. Ele é o Juiz de tudo, e deve fazer o que é certo. Ora, se um juiz em sua tribuna fosse conhecido por ter prazer em punir criminosos, ele deveria ser afastado do cargo, pois ficaria claro que ele seria totalmente inadequado para o exercício de sua função. Quem tem prazer em mandar alguém para a forca ou para a prisão é da mesma laia que o Juiz JeffreysNT2 e outros monstros do tipo, os quais, estou certo, foram expurgados definitivamente de nossos tribunais. No entanto, se eu soubesse que um juiz nunca deu uma sentença de morte sem lágrimas nos olhos, que, quando vai para casa depois do trabalho, fica pensando nas pessoas que foram banidas da sociedade para sempre por causa de suas sentenças, que fica triste e infeliz a toda a noite, eu diria: “Sim, esse é o tipo de pessoa que deve ser juiz”. Em um juiz, aversão à punição é necessária à justiça. Deus é assim; Ele não tem prazer no pecado, nem na punição decorrente do pecado; Ele odeia tanto um quanto o outro, e só chega às vias de fato quando tudo o mais falha. Quando o pecador precisa ser condenado, para que a sociedade não saia dos trilhos, só então Ele profere a terrível sentença. No entanto, ainda assim é com genuína relutância, pois Ele diz: “Como posso desistir de ti”? No texto, parece que o Grande Juiz de todas as coisas desce da glória da Sua tribuna e mostra Sua face, dizendo: “Julguei, condenei e castiguei, mas, tão certo como vivo, não tenho prazer em tudo isso, meu prazer está nas pessoas que se voltam para mim e vivem”.

            Se qualquer outro pensamento fosse necessário para corrigir a desconfiança de vocês, eu poderia mencionar a graciosidade da obra do Senhor em salvar aqueles que deixam seus maus caminhos. O cuidado com que o Altíssimo conduz ao arrependimento, a boa vontade com que Ele aceita o arrependido e o amor abundante manifestado aos pródigos que retornam são evidências inquestionáveis de que Deus não tem prazer na morte do perverso, e sim na sua salvação. Para impedir a morte do perverso, o Senhor concebeu um plano de salvação antes da fundação do mundo, e aqueles que aceitam esse plano descobrem que o Senhor proveu um Substituto para eles, na pessoa de Seu Filho amado, O qual, na verdade, é Ele mesmo, e que na Sua própria pessoa Deus suportou a pena devida ao pecado; e que, dessa forma, a lei foi solenemente cumprida e a justiça divina satisfeita. O Senhor foi pendurado no madeiro e ali deu Sua vida, para que Ele mesmo seja justo e justificador daquele que tem fé em Jesus (Romanos 3.26): acaso isso não prova o Seu deleite na salvação? O Espírito Santo vem com o propósito de renovar o coração e retirar dele a dureza, a fim de que as pessoas se tornem ternas e penitentes ― porventura isso não prova Seu prazer em salvar? Todos os recursos emanam espontaneamente da Divindade para a salvação daqueles que abandonam seus pecados. Sim, tais recursos saem antes que as pessoas se convertam, a fim de que elas sejam dissuadidas e transformadas. Deus é encontrado até mesmo por aqueles que não O buscam, Ele dispensa Sua graça antes que clamem a Ele, não depois. Como se Deus Se tivesse ficado indignado com a acusação de que Ele tem prazer na morte de alguém, Ele preferiu Ele mesmo morrer no madeiro a deixar um mundo de pecadores sucumbir no inferno. Para provar Seu desejo de que os homens vivam, Seu filho habitou por mais de trinta anos neste mundo indigno como homem entre os homens, e Seu Santo Espírito tem habitado neles por todos estes séculos, suportando todas as provocações de um povo ingrato e sem entendimento. Deus demonstra de várias maneiras que não é o Destruidor, e sim o Preservador da humanidade. “O nosso Deus é o Deus libertador” (Salmo 68:20). “Do Senhor é a salvação” (Salmo 3.8).

            Assim sendo, tentarei demonstrar os caminhos de Deus para o homem. Quando alguém é levado a julgamento, seus amigos, se puderem, vão até a prisão e dizem: “Olha, quem vai presidir o julgamento não é o Juiz Fulano de Tal, que não dá moleza; você vai ser julgado pela pessoa mais bondosa do tribunal”. Muitos prisioneiros se enchem de coragem com uma notícia dessas. Ah, pobre pecador, você que não quer acreditar em Deus, deixe-me dar-lhe esta esperança, lembrando-o de que é o Amor encarnado quem está no tribunal; Ele é quem deve e quem vai condená-lo, a menos que você abandone seus pecados, embora Ele não sinta prazer nessa condenação, nem esteja disposto a mostrar o machado da execuçãoNT4. Por que não se converte a Ele e vive? Será que as misericórdias do Senhor (Lm 3.22) não o convidam a se render completamente a Ele e achar graça aos Seus olhos?

 2. Agora, em segundo lugar, DEUS NÃO TEM ALTERNATIVA, SENÃO QUE O HOMEM SE CONVERTA DO SEUS MAUS CAMINHOS OU MORRA. “Não tenho prazer na morte do perverso, mas em que o perverso se converta do seu caminho e viva”. É uma coisa ou outra: conversão ou perdição. Deus, com todo o Seu amor pelo homem, não pode dar alternativa: o homem não pode continuar em seus pecados e, ainda assim, ser salvo. O pecado precisa morrer ou quem morre é o pecador.

            Portanto, a primeira coisa a saber é que, quando Deus proclama Sua misericórdia ao homem sob essa condição ― que o homem deve se converter dos seus maus caminhos, isso decorre única e exclusivamente da Sua graça. Por uma simples questão de direito, o arrependimento não traz consigo a misericórdia. Acaso um assassino é perdoado só porque se arrepende do que fez? Porventura um ladrão escapa da prisão só porque, no final, lamenta não ter sido honesto? O arrependimento não repara o mal que foi feito; o dano permanece, e o castigo precisa ser aplicado. Assim sendo, é a graça que me permite dizer: “Convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos”. É porque, por detrás do arrependimento existe um grande sacrifício; é por meio de um sacrifício totalmente suficiente que ele se torna aceitável. O Filho de Deus derramou Seu sangue na cruz e morreu, fazendo expiação pelo pecado; agora Ele é exaltado nas alturas, para dar arrependimento e remissão de pecados. Hoje, a palavra de Deus é: “Arrependei-vos e crede no evangelho” (Mc 1.15). “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1 João 1:9). Isso não é segundo a lei, que não dá espaço para o arrependimento, é uma questão puramente da graça. Deus nos salva não devido a qualquer mérito da nossa parte, mas porque Ele tem misericórdia de quem quer (Romanos 9.18) e decretou salvar a todos quantos se desviam dos caminhos do mal.

            A seguir, observem que, se não houver arrependimento, deve haver punição, pois qualquer outra teoria seria o fim do governo moral. A pior coisa que poderia acontecer à humanidade seria Deus dizer: “Retiro a minha lei; não recompensarei a virtude, nem punirei a iniquidade; façam o que quiserem”. Isso seria realmente o inferno na terra. O maior inimigo do governo civil entre os homens é aquele que prega a salvação universal ― a salvação sem mudança do coração e da vida. Tais professores são um perigo para a ordem nacional, pois removem os alicerces da comunidade. É quase como se dissessem: “Façam como quiserem; pode ser que, durante algum tempo, haja uma pequena diferença, mas logo passará, e mocinhos e bandidos dividirão o céu do mesmo jeito”. Esse tipo de conversa é detestável! Não posso dizer menos que isso. Para que haja governo, não pode haver impunidade; ser complacente com o desonesto é ser cruel com o prejudicado. Salvar o assassino é matar o inocente. Seria uma catástrofe para o céu e a terra se pudesse ser provado que Deus poderia recompensar justos e injustos da mesma forma: os alicerces seriam removidos, e os justos o que fariam? (Salmo 11.3). Um Deus que não é quem deveria ser seria um pobre Governante do universo.

            Sim, meus ouvintes, o pecado precisa ser punido; ou você o abandona ou morre, pois o pecado é o seu próprio castigo. Quando falamos sobre o fogo que nunca se apaga e sobre o verme que nunca morre, supõe-se que estejamos falando de coisas literais, mas, na verdade, são figuras, figuras que representam algo muito mais terrível que elas mesmas: o fogo são as chamas da furiosa rebelião da alma e o verme é a tortura de uma consciência que nunca morre. Pecado é o inferno. Nas entranhas da desobediência existe um mundo de miséria. Deus nos constituiu de tal forma, e com razão, que não podemos mais ser perversos e felizes ao mesmo tempo; quando erramos, acabamos nos sentindo miseráveis; e, quanto mais errados estivermos, e mais continuarmos no erro, com mais certeza estaremos acumulando tristezas por nós mesmos pela eternidade afora. Santidade e justiça produzem felicidade, mas iniquidade e engano devem, por necessidade de uma natureza que não pode ser mudada, produzir tribulação e angústia. É assim que deve ser. Mesmo a onipotência de Deus não pode fazer feliz um pecador impenitente. Você precisa abandonar o pecado ou se tornará miserável; você precisa renunciar ao pecado ou renunciará à toda esperança de uma eternidade feliz. Você não pode se casar com Cristo e o céu enquanto não se divorciar do pecado e de si mesmo.

            Quando a consciência de alguém é totalmente honesta, creio que ela dá testemunho disso. Mas existem algumas consciências bem curiosas ― tão distorcidas que, de forma alguma, são consciências de verdade. Vejo pessoas agindo deliberadamente de má-fé, mas falando sobre verdade e santidade. No entanto, quando a consciência não está embriagada com o vinho misto da soberba e da incredulidade dirá que, quando se faz o mal, não se pode esperar receber aprovação; e, quando se deixa de fazer o bem, não se pode esperar receber a mesma recompensa de quando se faz ― que, de fato, deve haver, na natureza das coisas, uma punição atrelada ao crime. A consciência fala, e agora é o próprio Deus, que não tem prazer na morte do perverso, que diz ― você precisa se arrepender, ou vai morrer. Se continuar nos seus maus caminhos, estará perdido. É preciso abandonar o pecado, ou o Deus Altíssimo nunca poderá olhá-lo com favor. Estão me ouvindo? Que isso penetre profundamente em seu coração e produza arrependimento!

  3. Isso me leva ao terceiro ponto, o qual é maravilhoso: DEUS TEM PRAZER NO HOMEM QUE ABANDONA O SEU PECADO. Leia de novo a passagem: “Dize-lhes: Tão certo como eu vivo, diz o Senhor Deus, não tenho prazer na morte do perverso, mas em que o perverso se converta do seu caminho e viva”. Dentre as maiores alegrias divinas está o prazer de ver um pecador se afastar do mal. Deus Se deleita nas primeiras vezes em que as pessoas começam a pensar nEle e começam a meditar nos Seus caminhos e a considerar a sua própria condição diante dEle, quando até então nem se importavam com isso. Ele vê com prazer aqueles que outrora foram rebeldes e insensatos, mas que, finalmente, começam a pensar na eternidade e a avaliar o futuro de pecado e juízo. Quando você ouve o convite: “Buscai o Senhor enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto” (Isaías 55:6), Deus tem prazer em observar sua atenção. Quando você começa a se aperceber da sua situação e diz: “Sinto tanto pelo meu pecado; quisera nunca tê-lo cometido!”, Ele ouve o seu suspiro. Quando o seu coração está cansado de pecar, quando você detesta o mal e sente que, embora não consiga se afastar dele, se pudesse o faria, então Ele olha para você com olhar compassivo. Quando, por Sua graça, existe uma vontade renovada brotando no seu coração ― vontade de crer e obedecer, então o Pai também sorri. Quando Ele ouve o seu interior, gemendo e ansiando pela casa e pelo seio do Pai, você não pode vê-lO, mas Ele está escutando você atrás da porta. Sua mão está secretamente recolhendo suas lágrimas em Seu odre (Salmo 56.8) e Seu coração está cheio de compaixão por você. “Agrada-se o Senhor dos que o temem e dos que esperam na sua misericórdia” (Salmos 147:11). Observe ainda esta última característica: a pessoa só tem um pouquinho de esperança, mas mesmo assim o Senhor tem prazer nela. Mesmo que a boa obra ocorra apenas no entardecer, Deus tem tanto prazer nela quanto um sentinela se alegra com os primeiros raios da manhã; sim, Ele fica mais feliz do que aqueles que esperam o amanhecer. E, quando você finalmente começa a orar, clamando: “Ó Deus, sê propício a mim, pecador!” (Lucas 18:13), Ele também tem prazer, pois vê sinais claros de que você está caindo em si e indo para Ele. Seu Espírito diz: “Veja, ele está orando”, e Ele toma isso como um sinal permanente. Quando você abandona sinceramente o pecado, Deus o vê fazendo isso e fica tão feliz que os santos anjos contemplam a Sua alegria.

            Tenho certeza de que Deus vê as lutas daqueles que se esforçam para fugir dos velhos hábitos e dos maus caminhos. Quando tentam subjugar os maus pensamentos; quando, à noite, sentam-se e lamentam as falhas que tiveram ao longo do dia por não terem ido tão bem quanto esperavam, o Senhor observa os seus desejos e lamentos. Do mesmo modo que uma mãe observa com ternura seus filhos quando começam a andar, e sorri quando eles vão vacilantes de uma cadeira para outra, estendendo a mão para ajudá-los, Deus também tem prazer nas nossas primeiras tentativas de sermos santos, nos nossos desejos de vencer o pecado, nos nossos suspiros e clamores para sermos libertos do cativeiro da corrupção. Ele disse: “Todavia, eu ensinei a andar a Efraim; tomei-os nos meus braços” (Oséias 11:3), e da mesma maneira Ele está nos ensinando.

            Vou lhes contar que o que mais agrada a Deus é quando alguém recebe Seu Filho amado e fala: “Senhor, algo me diz que não há esperança para mim, mas não acredito nessa voz. Li na Tua Palavra que não lançarás fora quem se achegar a Ti, e eis que eu me achego! Sou o maior dos pecadores, mas, Senhor, creio na Tua promessa; sou tão indigno quanto o próprio diabo, mas Tu, Senhor, não pedes dignidade, somente fé como a de uma criança. Não me lances fora ― eu descanso em Ti”. “Sem fé é impossível agradar a Deus” (Hb 11.6), mas Deus sente um prazer divino ao ver o primeiro grãozinho de fé no coração do pobre pecador transformado. Gostaria tanto que pensassem nisso, todos vocês que continuam se autocondenando! Quando recebo suas cartas cheias de autocondenação, isso me agrada; e, se agrada, tenho certeza de que agrada muito mais a Deus, pois Ele é infinitamente mais terno que eu, embora eu tente humildemente imitá-lO. Ah, como gostaria de poder fazê-los confiar no meu Senhor e acabar com seus medos e dúvidas cruéis!

Dúvidas e raciocínios falazes estão

Pregados na cruz desde então

O argumento mais convincente de Deus é a morte sangrenta de Seu Filho na cruz. Ah, grande pecador, converta-se ao Senhor e Ele terá prazer na sua conversão! Sabia que todos os seus pensamentos sobre Ele são soprados pelo Seu Espírito? Todos os pesares pelo pecado, todos os desejos de santidade e, especialmente, toda confiança em Cristo e toda a esperança na Sua misericórdia, tudo isso é obra do Espírito Santo: todas essas coisas nunca seriam encontradas na sua alma se Ele não as tivesse colocado lá. Se vir uma linda flor crescendo num monte do esterco, concluo que um jardineiro esteve por lá e lançou ali uma semente. E, quando vejo uma alma começando a orar, a ter esperança e crer, digo a mim mesmo: “Deus está lá. O Espírito Santo está em ação, ou não haveria a menor confiança, nem a mais leve esperança”. Portanto, tenha coragem, você está se aproximando de um Deus cheio de graça e favor.

            Durante a sua vida, quando continuar na luta contra o pecado e se consagrar a Jesus, quando lavar os pés do Salvador com suas lágrimas e enxugá-los com seus cabelos como Maria Madalena, ou quando quebrar o vaso de alabastro e derramar seu bálsamo precioso na cabeça do Mestre como Maria, o Senhor terá grande prazer em você por amor a Jesus. Ele não tem prazer em gemidos e gritos do inferno, mas Se alegra no arrependimento dos pecadores. O fogo do inferno não Lhe dá satisfação alguma, mas pecadores penitentes batendo no peito e crentes contemplando Cristo com olhos cheios de lágrimas são um espetáculo majestoso para Ele. É assim, Ele jura, então é verdade. Pare de fugir e creia na vida eterna.

  4. Finalmente, uma vez que Ele tem prazer em que o homem se converta a Ele, DEUS O EXORTA A FAZER ISSO, E ACRESCENTA UMA RAZÃO. “Convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos; pois por que haveis de morrer, ó casa de Israel?”. Deus percebe sua pobre criatura dando-Lhe as costas, olhando para os ídolos, olhando para os prazeres pecaminosos, olhando para a cidade da destruição, e o que Ele diz? Ele diz: “Converta-se!” A direção é muito clara, não é? “Converta-se”, ou “siga na direção certa!”. Isso é tudo. Mas alguém diz: “Pensei que deveria sentir muita angústia e agonia”. Não vou estranhar se você sentir isso, mas tudo o que Deus diz é: “Converta-se”. Agora você está indo na direção errada; “converta-se” e vá na direção certa. Essa conversão é o verdadeiro arrependimento. Mudança de vida é a essência do arrependimento, e ela precisa brotar de um coração transformado, de um desejo transformado, de uma vontade transformada. Deus disse: “Convertei-vos!” Oh, que vocês ouçam e obedeçam!

            Observem que Ele coloca a frase no presente ― “Convertei-vos”; não amanhã, mas agora. Ninguém será salvo amanhã: todos aqueles que são salvos, são salvos hoje. “Eis, agora, o tempo sobremodo oportuno” (2Co 6.2). “Convertei-vos”. Que pela infinita misericórdia de Deus, O qual permitirá que vocês se convertam, oro para que vocês se convertam dos seus maus caminhos, da sua autoconfiança, e se voltem para Ele. Não é uma conversão qualquer, mas uma conversão para Deus. Se o Senhor o converter, converta-se a Ele, e confie somente nEle, para servi-lO e para temê-lO.

            “Convertei-vos, convertei-vos”. Vejam, o Senhor fala duas vezes. Essas repetições querem dizer que Ele quer o seu bem. Suponham que eu visse um empregado meu atravessando um rio e percebesse que logo não daria mais pé para ele, e assim, estaria em grande perigo; suponham que eu gritasse para ele: “Pare! Pare! Se der mais um passo, vai se afogar. Volte! Volte!” Será que alguém se atreveria a dizer: “Pastor, ficaria contente se ele se afogasse”? Seria cruel demais. Quem insinua uma coisa dessas, quando estou pedindo a meu empregado que volte e salve sua vida, só pode ser um grande mentiroso! Acaso Deus diria para escaparmos da morte se Ele realmente não desejasse isso? Creio que não. Todo pecador pode ter certeza de que Deus não sente prazer na sua morte quando insta com ele com estas palavras incomparáveis: “Convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos; pois por que haveis de morrer”? Nestas palavras ― “Convertei-vos, convertei-vos” ― há o que os antigos teólogos chamavam de reiteração, um gemido interno, uma duplicação da súplica. A cada súplica, Deus é mais enfático. Será que vocês vão ouvir?   

            E, então, Ele conclui pedindo aos homens que encontrem uma razão pela qual devam morrer. Deve haver uma boa razão para alguém desejar a morte. “Por que haveis de morrer”? Esta é uma pergunta sem resposta, com relação à morte eterna. Será que existe alguma coisa desejável em ficar eternamente afastado da presença do Senhor e da glória do Seu poder? Haveria algum ganho em perder a própria alma? Haveria algum benefício em ir para o castigo eterno? Haveria algo desejável e almejável em ser lançado no inferno, onde o verme nunca morre e o fogo nunca se apaga? Ó, almas, não sejam irracionais! Não negligenciem tão grande salvação! Deve ser a pior coisa do mundo morrer nos próprios pecados; por que escolheriam isso? Querem naufragar? Por que navegar perto da costa rochosa e brincar com fogo? Vocês comeriam os doces envenenados do pecado só porque são adoçados com um pouquinho de prazer do presente? No final, o fel de amargura encherá suas entranhas. Não sou bajulador: não me atrevo a ser, pois eu os amo e gostaria de persuadi-los a se converterem ao Senhor. Há uma flor que sempre se volta para o sol; tomara vocês se voltem da mesma forma para Deus! Por que dar as costas a Ele? “POR QUÊ?” é apenas uma palavrinha, mas quanto é preciso para atender às suas exigências! POR QUE continuar no pecado? Por que não crer no Salvador? Por que provocar a Deus? POR QUE morrer? Dê a volta e diga: “Ó, Senhor, não posso suportar a ideia da morte eterna, por isso, não posso continuar a viver em pecado. Que a Tua imensa graça me ajude”!

            Oxalá vocês creiam no Senhor Jesus! Descansem nEle e na Sua obra consumada, e tudo irá bem. Será que ouvi alguém dizer: “Vou orar por isso”? É melhor crer de uma vez por todas. Depois disso, ore o quanto quiser. O que há de bom nas orações incrédulas? “Depois do culto vou conversar com alguém consagrado”. Creia primeiro em Jesus. Vá para casa sozinho, crendo em Cristo. “Gostaria de ir à sala de decisãoNT3”. Ouso dizer que deveria, mas não estamos dispostos a ceder à superstição popular. Receio que em tais salas as pessoas fiquem empolgadas com uma convicção fictícia. Pouquíssimos supostos convertidos das salas de decisão se saem bem. Volte-se para Deus de uma vez por todas, esteja onde estiver. Lance-se sobre Cristo já, de uma vez, antes de dar mais um passo! Em nome do Senhor eu lhe digo: creia no Senhor Jesus Cristo, pois “Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não crer será condenado” (Marcos 16:16)

Tradução e revisão: Mariza Regina de Souza



NT1 — A Peste Negra, uma pandemia de peste bubônica que atingiu a Europa em 1347, se espalhou para a Inglaterra em 1348, matando entre um terço e metade dos habitantes do país. (fonte: http://molhoingles.com/a-peste-negra-na-inglaterra/)

NT2 — George Jeffreys (1645-1689), juiz inglês notório por sua crueldade e corrupção (https://www.britannica.com/biography/George-Jeffreys-1st-Baron-Jeffreys-of-Wem)

NT3 — Numa tradução livre, “sala da decisão”, sala onde eram feitas perguntas para que a pessoa pudesse “se decidir por Cristo”. v. Spurgeon: Prince of Preachers, Lewis A. Drummond, p. 309, Kregel Publications, Grand Rapids,1992, MI 49501.

NT4 — machado que era usado para decapitar condenados à morte

 

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Os Tempos

Sermão nº 2718
Leitura prevista para o Dia do Senhor, 17 de março de 1901
Ministrado por
C. H. SPURGEON,
No Tabernáculo Metropolitano, Newington.
Na noite de Quinta-feira, 13 de maio de 1880.

“O qual nos livrou de tão grande morte, e livra; em quem esperamos que também nos livrará ainda” ー 2 Coríntios 1:10 (ACF)

Quando as crianças estão aprendendo gramática, precisam prestar bastante atenção aos tempos verbais; para os cristãos, igualmente, também é importante se lembrar dos tempos ー ponderar sobre o passado, sobre o presente e sobre o futuro. Nosso texto coloca vividamente estas três coisas diante de nós e nos relembra de que Deus livrou, livra e continuará livrando.

Primeiramente, vamos pensar um pouco sobre o passado. Quantos anos tens, meu amigo? Quantos dos teus anos empregaste proveitosamente e quantos permitiste desperdiçar? Por quantos anos cedeste à vontade da carne e foste servo do pecado e de Satanás? Há quanto tempo nasceste de novo? Qual é tua idade espiritual? Faz um registro da tua vida e examina-a, desde os dias da tua infância, passando pela tua juventude e início da vida adulta até agora. Deve fazer bem ler esse livro; em alguns aspectos, todas as suas páginas podem nos fazer chorar; no entanto, vistas por outro ângulo, algumas podem nos fazer cantar. Esse é o único livro da biblioteca que muitas pessoas não querem pegar e ler, pois está manchado e tem histórias humilhantes; no entanto, “Deus fará renovar-se o que se passou” (Ec 3.15), e é sinal de sabedoria conversar com os anos passados e aprender com eles as muitas lições que podem ensinar. Todos os dias que vivemos irão adiante de nós no tribunal, e cada um dará o seu testemunho e o deixará lá; portanto, não sejamos alheios ao que Deus Se lembra, e não nos esqueçamos de que podemos nos arrepender das coisas erradas e ser gratos pelas coisas certas.

A seguir, pensem sobre a segunda parte da vida, ou seja, o tempo presente; e aqui, permitam-me dizer-lhes, caros amigos, sobre a importância de valorizar o presente. Na verdade, o tempo presente é o único tempo que temos. O passado já se foi, e não podemos recuperá-lo; o futuro nunca realmente será nosso, pois quando ele vier, será presente também. Vivemos apenas o presente; por isso, se desperdiçarmos essas horas preciosas que estão conosco agora, desperdiçaremos tudo o que temos. Se não servirmos a Deus hoje, quando O serviremos? Amanhã? Não, pois quando essa oportunidade chegar, o “amanhã” terá se transformado em “hoje”. Vamos nos esforçar, com a ajuda de Deus, para aproveitar bem os nossos momentos, a fim de não desperdiçar nenhum deles. É bom que nossa vida seja dividida em curtos períodos. Outro dia, estava dando uma olhada no diário de John Wesley, ou melhor, nos seus horários, pois no diário não havia somente uma entrada por dia, mas uma atividade distinta a cada vinte minutos. O bom homem fez com que seus dias tivessem muitas horas, e suas horas pareciam ter muito mais minutos que as horas das outras pessoas, pois ele não desperdiçava nenhuma delas, mas diligentemente as usava a serviço do Mestre. Que Deus nos ajude a fazer o mesmo prestando bastante atenção à presente porção da nossa vida!

Quanto ao futuro, existe uma curiosidade ociosa que leva as pessoas a tentar viver nele, à qual devemos renunciar. No entanto, existe também uma expectativa graciosa que nos permite viver nele, uma ansiedade santa que nos leva a nos preparar para ele. É de grande sabedoria falarmos dos anos por vir quando falamos tendo em vista o seu fim. Gostaria que vocês estivessem familiarizados com seus túmulos, pois logo estarão neles; e mais familiarizados ainda com a morada da sua ressurreição, lembrando-se de que Deus “juntamente com ele, nos ressuscitou, e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus” (Ef 2.6). Devemos sempre imaginar a nós mesmos no futuro, não só no presente. Reunir forças para o futuro, muitas vezes, é a melhor forma de lidar com o presente. Seremos capazes de suportar os fardos do presente com mais facilidade quando pensarmos na brevidade do tempo que teremos de carregá-los. Nossa “leve e momentânea tribulação” (2 Co 4.17) vai parecer leve como uma pena quando anteciparmos o “eterno peso de glória, acima de toda comparação” que Deus tem preparado para nós.

Portanto, eu lhes recomendo esta regra de três e os aconselho a sempre considerar o passado, o presente e o futuro. Agora, eu os convido a fazê-lo em conexão com a misericórdia libertadora de Deus. Ele nos livrou, nos livra e nos livrará. Assim, em primeiro lugar, vou lhes mostrar três linhas de pensamento; em segundo, três linhas de argumento; e, em terceiro, três inferências.
  1. O TEXTO SUGERE TRÊS LINHAS DE PENSAMENTO.
A primeira delas é a memória, que nos fala sobre as libertações no passado: “o qual nos livrou de tão grande morte”. Tomem as palavras de Paulo ao pé da letra e lembrem-se de como Deus já livrou alguns de nós da morte. Talvez alguns já estiveram bem próximos dela causa de alguma doença. Alguns já contemplaram a eternidade diversas vezes; nossas enfermidades não têm sido brincadeira de criança e temos percebido a possibilidade, ou até mesmo a probabilidade, de logo deixarmos os compromissos desta vida mortal e estarmos diante de Deus. No entanto, somos ressuscitados; deixamos nosso quarto, fracos, apoiados na bengala, mas somos preservados, vivos, vivos, para louvar o Senhor, como o fazemos hoje. Não tenho dúvidas de que quase todos nós já tivemos, vez por outra, uma prova especial de que “com Deus, o Senhor, está o escaparmos da morte” (Salmo 28.20).

Nossas libertações passadas, contudo, não foram apenas da morte física; recebemos libertações muito maiores que essa. Antes de tudo, fomos libertos da morte espiritual. Não se lembra, querido irmão ou irmã, de quando você foi trazido das trevas para a maravilhosa luz de Deus? Talvez você não saiba exatamente quando ocorreu essa grande mudança, mas não se preocupe, isso não é tão importante se agora você pode dizer: “De uma coisa eu sei: eu antes era cego, mas agora posso ver”. Alguns de nós se lembram exatamente de quando viemos a Cristo e descansamos nEle; e o fizemos de todo coração e alma, louvando-O por termos sido libertos daquela terrível morte que há tanto tempo nos mantinha cativos. Deus nos resgatou por Sua graça e nos fez sair do túmulo do pecado, olhar pra Jesus e desejar ser como Ele.

Além disso, alguns devem se lembrar de quando foram libertos do desespero. É terrível não ter esperança alguma de salvação e não saber o que fazer. Nem todos foram trazidos a Cristo em meio a uma terrível tempestade, como alguns de nós; muitos vieram a Cristo em circunstâncias mais felizes. Se este é o seu caso, sejam gratos por isso. Alguns de nós, no entanto, estávamos em grande aflição quando tentamos tocar a orla de Suas vestes; éramos pressionados e esmagados pela multidão, e parecia que perdíamos o próprio fôlego. Quando fui convencido do meu pecado, lembro-me de como minha alma vagava incerta, cambaleante como um bêbado; no entanto, o Senhor me livrou e me ensinou a descansar nEle, obtendo, assim, plena segurança, embora naquela época eu achasse que nunca seria alcançado pela misericórdia. Amados, se, além da minha experiência, descrevo também a sua, vamos juntos bendizer o Senhor por Sua misericórdia em nos libertar de uma morte tão terrível. A lembrança da nossa libertação do pecado e do desespero deve ocupar o primeiro lugar em nossas gratas reminiscências.

No entanto, desde então, quantas vezes você já não foi liberto da tentação? Você diz junto com o salmista: “Quanto a mim, porém, quase me resvalaram os pés; pouco faltou para que se desviassem os meus passos” (Salmo 73.2); no entanto, graças a Deus, não se desviaram. Se você olhar para trás com um pouco mais de cuidado, verá que, em muitas ocasiões, não fosse a misericórdia impeditiva do Senhor, das duas uma: ou você teria atolado no lamaçal ou teria caído no charco. Se o Senhor não tivesse conduzido seu navio, ele teria batido na rocha de Cila ou teria sido engolido pelo redemoinho de CharybdisNT1. Será que às vezes você não se pergunta como conseguiu resistir a determinada tentação, a qual se encaixava tão bem às circunstâncias e era tão atraente? Contudo, naquela época, você não sabia que aquilo era uma tentação, nem tinha sabedoria suficiente para resistir à astúcia de Satanás e, ainda assim, não caiu na sua armadilha, por mais astutamente que tenha sido colocada; e, por essa libertação, você deve bendizer o nome do Senhor. Alguns têm a obrigação de louvá-lO por tê-los libertado de coisas que até choraram para ter. E Ele não permitiu que tivessem; vocês ficaram desapontados e disseram que estavam com o coração partido. Ah! Mas foi o jeito como o Senhor os tratou que os livrou de um coração partido. Você disse “Ai, Senhor, mas eu queria tanto”! Foi bom você não ter tido o que queria, pois o que você pensava ser um lindo bracelete cheio de joias, na verdade, era uma víbora que, se você tivesse pego, teria lhe dado uma picada mortal. Bendito seja Deus por não ouvir algumas de nossas orações! Bendito seja o Senhor por não satisfazer todos os nossos desejos!

Também devemos louvá-lO por suas libertações nos tempos de angústia. Nem todos são provados da mesma forma. Sou grato por alguns não serem afligidos tanto quanto outros, mas me dirijo àqueles cujas cargas têm sido muitas e muito pesadas. Seu caminho tem sido tortuoso. John Bunyan diz: “Um cristão raramente fica muito à vontade; quando um problema vai, outro vem”, e isso é verdade para muitos de nós, e podemos dizer com o salmista: “passamos pelo fogo e pela água” (Salmo 66.12). Alguns filhos de Deus têm enfrentado situações bastante difíceis, muitos têm de viver com pouquíssimos recursos ー muito embora eu ache que quase todos estamos no mesmo barco ー mas existem algumas pessoas piedosas que nunca tiveram qualquer reserva, mesmo que, realmente, não chegassem a querer alguma coisa. Não sei se isso é tão ruim assim, pois pardais e corvos vivem desse modo e Deus os sustenta. No entanto, alguns acham que é uma verdadeira tribulação viver com escassez, ficar doente ou ter alguém chegado passando constantemente por aflições. Existem diversos tipos de perdas e danos, provações e tribulações que os santos têm de enfrentar. Sim, mas nada disso ainda nos destruiu, pois o Senhor sempre nos livrou. Uma pobre viúva fica se perguntando como conseguiu criar uma família tão grande, cheia de crianças pequenas. Ela não sabia como sustentá-los quando o marido ainda era vivo; mas, quando ele se foi, eles foram amparados. É incrível, mas aconteceu. E você, que de repente parecia ter todas as suas esperanças dissipadas, mas, como uma miragem no deserto, acabou recebendo ajuda. Você havia dito “se uma coisa dessas me acontecesse, isso me mataria”. Aconteceu, e você não morreu, pois está aqui para testemunhar a libertação misericordiosa do Senhor. Um a um os mensageiros de Jó levaram-lhe as más notícias, contudo o Senhor o livrou das provações que ameaçavam esmagá-lo. Não consigo parar de mencionar os livramentos passados e, provavelmente, nós nem tivemos conhecimento da maioria deles. Glória a Deus por Suas misericórdias desconhecidas ー dádivas que chegaram na noite em que mais precisávamos delas; dádivas que nos ajudaram a dormir e a acordar revigorados; dádivas que entraram, com passos silenciosos, em nossa casa e em nosso coração, e saíram deixando rastros do azeite sagrado da misericórdia divina.

Esta é a primeira linha de pensamento ー a memória, que nos fala sobre os livramentos do passado.

A segunda é a observação, a qual chama a atenção para as libertações do presente: “e livra”. Abram os olhos, irmãos e irmãs, e vejam como Deus os está livrando neste exato momento. Não estou dizendo que, se tiverem os olhos mais abertos verão todas as suas libertações, pois, muitas vezes, foram poupados de problemas, enquanto, em outras, foram libertos deles. Já lhes contei a história daquele bom e velho puritano que encontrou o filho a caminho de casa. Quando o jovem vinha chegando, disse: “Pai, tive um livramento especial enquanto vinha para cá”. “O que foi, meu filho?”. Meu cavalo tropeçou três vezes, mas não fui derrubado”. “Engraçado, tive um livramento parecido quando vinha para cá”. “Qual?” “Meu cavalo não tropeçou nenhuma vez, e também não fui derrubado”. Quando sofremos um acidente de trem, e escapamos ilesos, dizemos: “Foi a providência!” Sim, mas não pensamos em providência quando somos poupados de um acidente de trem por termos ficado em casa! Com frequência não vemos a maior parte dos efeitos da misericórdia! Como a libertação divina fica evidente no fato de estarmos aqui neste exato momento! Um incidente relativamente insignificante poderia ter causado a nossa morte. Pode ser que amanhã de manhã tenhamos dúvida em relação ao que devemos fazer, mas a providência de Deus vai direcionar a nossa escolha, e a nossa escolha poderá afetar todo o resto da nossa vida.

Se, neste exato momento, não estamos sendo atacados por nenhuma tentação é porque Deus está nos livrando disso. No entanto, talvez Satanás esteja planejando uma nova tentação para nos atacar; mas embora ele queira nos peneirar como trigo, Cristo está orando por nós, para que a nossa fé não desfaleça. Poderíamos cair em erros doutrinários, não fosse a misericórdia restritiva de Deus. É incrível como pessoas zelosas podem ser levadas pelas novidades do momento! Parece até que elas não conseguem resistir à força dos argumentos defendidos pelos novos ensinamentos; contudo, somos impedidos de ceder a eles quando nosso coração está firmado em fé, de modo a não crermos em cada nova doutrina que aparece, julgando-as segundo a Palavra de Deus; e, assim, somos impedidos de vaguear por caminhos erráticos.

Como Deus é gracioso em preservar muitos de nós da língua da calúnia! É maravilhoso poder viver em público sem ser acusado de algum crime. E a mulher recatada, a dona de casa que só faz cuidar dos próprios filhos, às vezes encontra uma pessoa ou outra que a difame. Nem sempre podemos escapar da língua mortífera da infâmia, seja você o que for ou esteja onde estiver; e é motivo de gratidão o fato de Deus manter a reputação dos cristãos imaculada ano após ano. Não sabemos onde estaríamos ou o que seríamos se a graciosa proteção de Deus não estivesse ao nosso redor como uma muralha de fogo, como está bem agora, pois o Senhor ainda livra todos aqueles que confiam nEle. Quero, caros irmãos e irmãs, que creiam em Deus com inquestionável confiança de que Ele os está livrando neste exato momento. Vocês sabem que Ele os tem livrado, por isso, tenham certeza de que Ele também os está livrando agora. Mas alguém diz: “Ah! Estou preso no calabouço do desespero”! Sim, mas seu Senhor tem a chave que pode abrir a porta e deixá-lo sair. “Mas estou muito necessitado”. Ele sabe disso, e tem uma cesta em Suas mãos cheia de coisas boas com as quais vai suprir todas as suas necessidades. E outra pessoa diz: “Ai, estou me afogando na enchente”. Mas Ele está jogando o salva-vidas para você. “Ó, estou a ponto de desmaiar!” Ele está pondo um vidro de perfume suave em suas narinas para reanimar o seu espírito. Deus está perto de ti, para reviver e reanimar a tua alma cansada. Talvez alguém diga: “Acho que ter fé em relação passado e ao futuro final é razoavelmente fácil. O difícil é ter fé nas próximas duas ou três horas”. Em certos momentos, achamos que a provação é particularmente presente, mas nem sempre podemos perceber que Deus é “bem presente nas tribulações” (Salmo 46.1); no entanto, isso é verdade. Ele livrou, e Ele livra.

A terceira linha de pensamento é ー a expectativa olha pela janela para o futuro: em quem esperamos que também nos livrará ainda. Sim, caros amigos, pode haver ainda muitas tribulações adiante, mas há também uma quantidade enorme de misericórdia acumulada para enfrentá-las. Problemas que você nunca enfrentou, assim como alguns já conhecidos, com certeza ocorrerão; mas, à medida que o tempo passar, você ficará mais forte, pois o Senhor continuará a livrá-lo. À medida que a vista começa a falhar e os membros a enfraquecer, e as enfermidades da idade se insinuam sobre nós, ficamos mais propensos às tribulações; contudo, o Senhor não nos abandonará. Quando doenças graves invadem nossa estrutura mortal, e nossas dores se multiplicam e se intensificam, ficamos nos perguntando como conseguiremos resistir até o fim; especialmente quando aguardamos a hora da nossa morte ー o que nem sempre observamos sob a verdadeira luz ー e dizemos: “O que faremos quando estivermos às margens do Jordão? Será que vamos suportar a dura realidade das últimas horas?” Tenham bom ânimo, irmãos e irmãs, Aquele que os livrou e os livra, continuará livrando. Tão certo quanto as provações vêm, certo será o meio de escape dado pelo Senhor. Percebem todas as implicações daquilo que estou falando? Ele os livrou; portanto, sejam gratos a Ele. Ele os está livrando; assim, confiem nEle. Ele os livrará; então, entreguem a Ele sua plena e alegre expectativa, e comecem desde já a louvá-lO pelas misericórdias que estão por vir e pela graça que ainda não provaram, mas que provarão no tempo Dele.

       2. Em segundo lugar, O TEXTO FORNECE TRÊS LINHAS DE ARGUMENTO, todas levando ao mesmo ponto.

O ponto a ser demonstrado é que o Senhor livrará o Seu povo; e o meu argumento é que Ele nos livrará no futuro porque já começou a nos livrar. Eis uma cadeia de continuidade: Ele livrou, Ele livra e Ele livrará. Ele começou a obra da nossa libertação muito antes de O buscarmos. O primeiro movimento não foi nosso para Deus, mas de Deus para nós. Nós estávamos mortos em nossos delitos e pecados e Ele veio e nos deu vida (Ef. 2.1-5). Ele deu Seu Filho para morrer por nós muito tempo antes de nascermos; Ele providenciou o evangelho para nós muitos antes de eu e você termos pecado; em todas as coisas Ele teve a primazia e, de antemão, esteve conosco. No entanto, Ele não precisava ter feito tudo isso, mas Ele agiu por Sua própria escolha e livre-arbítrio. Eu me regozijo no livre-arbítrio de Deus que o levou a nos libertar. 

Por isso, já que o motivo que O levou a nos salvar estava única e exclusivamente nEle mesmo, com certeza esse motivo ainda está lá. Se Ele tivesse começado a nos livrar porque viu alguma bondade em nós ou porque O buscamos em primeiro lugar, então, afinal, Ele poderia nos deixar; mas, como o início estava nEle mesmo, em Seu próprio coração, espontaneamente, e só depende disso, tendo começado a obra, Ele irá completá-la. O conhecimento de Deus sobre nós não é maior agora do que era no início. Quando ele começou a trabalhar em nós, Ele sabia como seríamos, Ele sabia de antemão quais seriam os nossos pecados e as nossas tolices, nossas ingratidões e nossos retrocessos. Ele não começou, de olhos vendados, uma obra que, depois de pensar duas vezes, iria abandonar; mas, desde a eternidade Ele sabia como seríamos. E, ainda assim, ele começou a trabalhar em nós e, tendo começado com a deliberação do eterno amor, é certo que Ele perseguirá o Seu objetivo com a perseverança desse amor. Se houvesse, a princípio, alguma razão em nós pela qual Deus pudesse começar a nos livrar, sendo ela removida, Ele poderia deixar de nos livrar; no entanto, como a razão não estava em nós, mas nEle mesmo, e já que Ele nunca muda, a razão para a nossa libertação continua a mesma, e o argumento é alto e claro ー Ele nos livra e nos livrará.

O próximo argumento vem do fato de que, da mesma forma que Ele está nos livrando agora, Ele continuará a nos livrar. Eis a continuidade da Sua graça. Vejam, amados, Ele tem, até agora, livrado vocês e a mim, nós que confiamos nEle. Quantas vezes Ele me livrou? De quantos problemas fui libertado? De quantos pecados fui liberto? Então, se o Senhor tem me livrado há tanto tempo, o meu argumento é que, se alguma vez Ele tivesse tido a intenção de parar, Ele já teria parado e, portanto ー

Seu amor no passado me proíbe de pensar
Que em problemas Ele me deixará afundar
Cada doce Ebenézer que tenho em mente
Confirma Sua satisfação em me ajudar no presente

Quando uma pessoa começa uma construção, imaginamos que, se puder, ela vai terminá-la. Sabemos que nosso Deus pode completar a obra que começou, por isso, concluímos que Ele o fará. Sinto que Ele foi tão longe comigo que não vai desistir agora.

Será que Ele me ensinou a confiar em Seu nome,
E me trouxe até aqui para me envergonhar?

Não, isso nunca vai acontecer; e muitos aqui precisam sentir o mesmo que eu sobre esse assunto. Alguns de vocês já estão sentados na porta do céu, por assim dizer; já estão com mais de oitenta anos, por isso não devem estar longe; será que podem confiar no Senhor por mais alguns meses ou anos? E você, minha idosa irmã, Ele a tem ajudado desde que era uma garotinha; e já livrou-a de tudo quanto é problema; você acha que Ele vai abandoná-la agora? E você, meu caro irmão; você conheceu o Senhor quando ainda era apenas um menino, e Ele nunca o deixou; por que Ele o deixaria agora? Não, bendito seja o Seu nome, Ele não deixará! Todos esses anos de favor servem para confirmar em nós a convicção de que Ele continuará nos livrando até nos levar em segurança para o lar.

Não só o Senhor tem nos livrado com frequência, mas também tem feito isso de maneira tão maravilhosa que deve continuar agindo assim. Que sabedoria incrível às vezes Ele demonstra quando nos liberta das consequências das nossas próprias tolices! Muitas vezes Ele parece dispensar Sua misericórdia para nos ajudar nas horas de maior necessidade, e não falha uma vez sequer. De Sua parte não há promessas quebradas ou bênçãos retidas. Se algum de vocês, que O conhece há mais tempo, tiver alguma coisa a dizer contra Deus, que diga; mas ninguém tem. Vocês nunca tiveram razão para duvidar Dele, nem para suspeitar da Sua fidelidade por algo que acharam que Ele fez e que os levou a desconfiar Dele no futuro. Ele livrou, está livrando e ainda livrará. Dois argumentos, extraídos do passado e do presente.

O melhor argumento, no entanto, vem do próprio Deus: “em quem esperamos”. Ele é sempre o mesmo, e tudo é sempre presente para Sua mente imutável. Qual foi o atributo de Deus que o fez decidir me livrar? Foi o amor? Então, ainda é o amor. O que motivou o Filho de Deus quando Ele veio do alto e me arrebatou das águas profundas? O amor, surpreendente amor; e é surpreendente o amor que ainda O faz me livrar. Não cantei outro dia um hino sobre a Sua fidelidade? Ela é exatamente a mesma ainda hoje. Não tenho cultuado Sua sabedoria? Tal sabedoria não se esgotou.

Não há em Deus somente a mesma natureza que sempre existiu, há também o mesmo propósito imutável. Vocês e eu estamos sempre mudando; e somos forçados a agir assim, pois fazemos promessas precipitadas e planos descabidos. Deus, contudo, infinito em Sua sabedoria, sempre cumpre o Seu propósito. Ora, se o Seu propósito original era nos salvar ー e deve ter sido, ou Ele nunca teria nos libertado ー esse propósito ainda permanece, e permanecerá para sempre. Mesmo que as colunas da terra se curvem, mesmo que os céus e a terra passem, como a geada se derrete ante o sol da manhã, ainda assim o decreto do imutável Yahweh jamais será mudado. “Porque o Senhor dos Exércitos o determinou; quem, pois, o invalidará? A sua mão está estendida; quem, pois, a fará voltar atrás?” (Isaías 14.27).

        3. Falta-me tempo, por isso, posso apenas mostrar brevemente que O TEXTO DÁ MARGEM A TRÊS INFERÊNCIAS.

A primeira inferência eu tiro de que sempre estaremos em perigo enquanto estivermos aqui. O Senhor livrou, livra e livrará, por isso sempre precisaremos da libertação divina enquanto estivermos neste mundo. Não podemos esperar que, enquanto estivermos aqui, estaremos sempre livres do ataque do inimigo. Irmãos e irmãs em Cristo, entendam uma coisa: vocês sempre terão tribulações enquanto estiverem neste mundo, serão provados na carne, serão provados no espírito, serão provados por Deus e provados por Satanás; e se, a qualquer momento, não estiverem sendo provados, fiquem atentos, pois é bem provável que a provação esteja a caminho. Quando há muito deleite é sempre bom desconfiar que algum perigo está por perto. Quando Deus nos dá um longo trecho de calmaria, é bom conduzir nosso barco com cautela e estar prontos para recolher as velas a qualquer momento, pois um ciclone pode nos abater antes mesmo de sabermos onde estamos. Não precisamos pedir que o Senhor nos mande problemas, mas, quando vierem, tenhamos a graça de aceitá-los e glorificar a Deus neles. Enquanto estivermos neste mundo, devemos sempre saber que é o mundo, por isso, que não venhamos a cometer nenhum erro sobre isso; o diabo é o diabo, o mundo é o mundo e a carne é a carne. Nada disso mudou, e a misericórdia é que Deus não muda, Ele é o mesmo de sempre. Se eu achasse que o mundo não é o mundo, poderia ter receio de que Deus não é Deus. No entanto, isso nunca será assim. Portanto, como as provações estão sempre surgindo, posso presumir que elas venham enquanto durar esse período; mas também acredito plenamente que Deus sempre será o mesmo, e que Ele livrará quem nEle confia.

A segunda inferência é que sempre podemos esperar uma demonstração da graça libertadora de Deus. O passado diz: Ele livrou; o presente diz: Ele livra; e o futuro diz: Ele ainda livrará. Ontem Deus foi muito gracioso para comigo; amanhã, Ele também será muito gracioso para comigo; e assim será depois de amanhã, no dia seguinte e no outro dia, e assim por diante até não haver mais dias e o tempo for engolido pela eternidade. Entre aqui e o céu cada minuto vivido pelo cristão será um minuto de graça. Daqui até o trono do Altíssimo teremos de receber continuamente novas graças do Senhor que está assentado nas alturas. Querido irmão, você nunca teve um dia na vida que fosse realmente santo, feliz e abençoado que não fosse pela graça divina. Você nunca teve um pensamento bom, nunca agiu corretamente, nem nunca teve qualquer avanço em direção ao céu que não fosse pela graça divina. Gosto de pensar que seja assim, que a cada dia eu seja um monumento de misericórdia; que a cada dia em tenha uma nova demonstração da graça soberana, que a cada dia meu Pai me alimente, meu Salvador me limpe e o Consolador me sustenha. A cada dia, novas manifestações da bondade do Senhor jorram sobre a minha alma maravilhada e me dão nova percepção do Seu amor miraculoso. Não consegui encontrar outra palavra para expressar o que queria dizer, pois a única que parecia saltar dos meus lábios era justamente essa ー Seu miraculoso amor! E assim é, um amor que opera milagres, tornando a vida do cristão uma série de milagres, ante os quais os anjos contemplarão para sempre com surpreendente reverência o incrível amor de Deus pelos homens culpados. Portanto, creio que podemos prosseguir com grande confiança; pois, embora todos os dias tragam perigos, todos eles também são testemunhas dos livramentos divinos.

Em terceiro lugar, a última inferência que retiro do texto é que toda a nossa vida deve ser preenchida com louvores a Deus, nosso Libertador. Como isso funciona? Ele nos livrou e, agora, nós nos livramos? Não, é claro que! Ele nos livrou; Ele nos livra; e ー quanto ao futuro? Devemos livrar a nós mesmos? Não mesmo! Ele livrou; Ele livra; e Ele nos livrará ー a mesma Pessoa, operando no início, no meio e no fim. É tudo de Deus, do início ao fim; não há qualquer libertação que já tenhamos recebido que não possa ser atribuída unicamente ao Senhor. Do lado de dentro do portão do céu, todo louvor é dado ao triúno Yahweh: “Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, como foi no princípio, é agora e sempre será”; e do lado de fora do portão do céu, devemos cantar a mesma canção, no mesmo tom; que seja sempre para o louvor da graça, graça, GRAÇA. Ao Deus da graça; ao Pai da graça; ao Cristo da graça; ao Santo Espírito e Sua graça; e a Deus seja toda a glória para sempre e sempre! Amém.

Tradução e revisão: Mariza Regina de Souza



HINOS NºS 196, 733 E 735 DO NOSSO PRÓPRIO HINÁRIO.

NT1 ━ Entre Scylla e Charybdis. Estar entre Scylla e Charybdis é uma linguagem derivada da mitologia grega, que significa "ter que escolher entre dois males". Vários outros idiomas, como "nos chifres de um dilema", "entre o diabo e o mar azul profundo", e "entre uma rocha e um lugar difícil" expressam o mesmo significado. (https://educalingo.com/pt/dic-en/between-scylla-and-charybdis)