Sermão nº 267
Ministrado na manhã de domingo, 14 de agosto de 1859
pelo Rev. C. H. Spurgeon
no Music Hall, Royal Surrey Gardens
“No qual também vós
juntamente estais sendo edificados para habitação de Deus no Espírito”. Efésios
2:22
Sob a
VELHA dispensação mosaica, Deus tinha um lugar de habitação visível entre os
homens. A brilhante shekinah era vista por entre as asas dos querubins que
cobriam o propiciatório; e, durante a peregrinação de Israel no deserto e,
tempos depois, no templo, quando eles já estavam estabelecidos em sua própria
terra, havia uma manifestação visível da presença de Jeová no lugar dedicado ao
Seu serviço. Ora, tudo o que estava sob a dispensação mosaica era apenas um
tipo, uma figura, um símbolo de algo mais elevado e mais nobre. Aquela forma de
adoração era, por assim dizer, uma série de sombras, das quais o evangelho é a
essência. É muito triste, no entanto, que ainda hoje haja tanto judaísmo em
nosso coração, que voltemos com tanta frequência aos pobres elementos da lei ao
invés de seguir em frente, vendo neles tipos das coisas espirituais e
celestiais às quais devemos aspirar. É deplorável que ainda ouçamos algumas
pessoas falando assim. Seria melhor que elas abraçassem o credo judaico de uma
vez por todas. Quero dizer, é lamentável ouvir o que algumas pessoas falam
sobre os prédios onde prestamos culto. Lembro-me de certa vez ter ouvido um
sermão sobre o seguinte texto: “Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o
destruirá” (1 Coríntios 3:17). A primeira parte do sermão foi gasta com um
anátema infantil contra qualquer um que se atrevesse a realizar um ato mundano
dentro das dependências da igreja ou que, durante a feira da semana seguinte,
apoiasse a trave da barraca nalguma parte do prédio, o qual, me pareceu, ser o
deus do homem que ocupava o púlpito. Será que existe algum lugar como o Santo
Lugar? Será que existe um local onde hoje Deus habite em particular? Não sei.
Ouçam as palavras de Jesus: “podes crer-me que a hora vem, quando nem neste
monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai… Mas vem a hora e já chegou, em que os
verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são
estes que o Pai procura para seus adoradores” (João 4:21, 23). Lembrem-se
também das palavras do apóstolo em Atenas: “O Deus que fez o mundo e tudo o que
nele existe, sendo ele Senhor do céu e da terra, não habita em santuários
feitos por mãos humanas” (Atos 17:24).
Quando as pessoas falam sobre lugares santos, parecem
não saber como se expressar. Será que a santidade pode habitar em tijolos e
cimento? Será que existe uma coisa como um campanário sagrado? Seria possível
existir em algum lugar algo como uma janela moral ou um batente religioso? Fico
espantado, realmente espantado, quando penso no quanto a mente de homens que
imputam virtudes morais a tijolos e cimento, pedras e vitrais, está enganada.
Digam-me, como esse tipo de consagração pode ser profunda, como pode ser
sublime? Será que cada corvo acima deste prédio está voando em ar sagrado? Com
certeza, tão irracional quanto isso é imaginar que os vermes que estão comendo
o corpo de um anglicano no cemitério sejam vermes consagrados e que, devido a
isso, uma parede de tijolos ou um caminho de pedras seja necessário para
proteger os corpos dos santos dos vermes profanos que possam vir do lado dos
dissidentes. Vou dizer novamente, esse tipo de infantilidade, tal como o papado
ou o judaísmo, é uma vergonha para este século. No entanto, ainda assim, todos
nós nos encontramos de tempos em tempos fazendo a mesma coisa. Sorrir diante
disso nada mais é do que empurrar o problema com a barriga, um erro no qual
podemos incorrer facilmente. Uma insensatez em que todos podemos cair. Nós
sentimos certa reverência pelas capelas singelas, sem muita pompa; sentimos uma
espécie de conforto quando estamos sentados num lugar que, de alguma forma,
acreditamos ser sagrado.
Agora, se possível, e talvez seja preciso muita
firmeza e mente aberta para isso — abandonemos de uma vez por todas qualquer
ideia de santidade ligada a algo que não seja um agente ativo consciente;
livremo-nos de todas as superstições que dizem respeito a lugares. Dependendo
do que for, um local é tão santo quanto outro e, onde quer que encontremos
corações sinceros cultuando reverentemente a Deus, naquele momento, o lugar se
torna a casa de Deus. No entanto, mesmo gozando de grande conceito religioso,
se o lugar não tiver um único coração consagrado, ali não é a casa de Deus;
pode ser a casa de alguma religião, mas não a casa de Deus. “Mas, mesmo assim”,
alguém pode dizer, “segundo o que senhor disse, Deus tem uma habitação, não é”?
Sim, e é sobre essa casa de Deus que vou falar nesta manhã. Existe, sim, uma casa
de Deus, mas não é uma estrutura inanimada, é um templo vivo e espiritual. “No
qual”, Cristo, “também vós juntamente estais sendo edificados para habitação de
Deus no Espírito” (Efésios 2:22). A casa de Deus é edificada com homens e
mulheres convertidos, e a igreja de Deus, que Cristo comprou com Seu sangue, é
o edifício divino, a estrutura onde Deus habita até o dia de hoje. No entanto,
gostaria de observar outra coisa com relação aos lugares de culto. Creio que,
embora isso não seja nenhuma sacralização das superstições ligadas a eles, ao
mesmo tempo há uma espécie de santidade associada a esses locais. Onde quer que
Deus abençoe a minha alma, sinto que ali é a casa de Deus, e a própria porta do
céu. Não porque as pedras sejam sagradas, mas porque é onde me encontro com
Deus e as recordações que tenho do lugar o tornam santo para mim. O lugar em
que Jacó se deitou para dormir, e onde depois erigiu um altar, durante algum
tempo foi apenas seu quarto, mas seu quarto não era outra coisa senão a casa de
Deus. Em vossas casas, tendes salas, espero, e aposentados mais santificados na
verdade do que as mais belas catedrais já construídas, cujas torres se elevam
ao céu. No lugar onde nos encontramos com Deus há santificação, não no lugar em
si, mas naquilo que está associado a ele. Ali, onde mantemos comunhão com Deus
e onde Deus descobre o Seu braço, mesmo sendo um celeiro, uma sebe, um pântano
ou o lado de uma montanha, é a casa de Deus para nós e, naquele momento, se
torna santo. No entanto, não tão santo a ponto de o venerarmos com temor
supersticioso, mas apenas santo, pelas recordações das benditas horas passadas
em santa comunhão com Deus. E, assim, deixando essa questão de lado, vou lhes
apresentar a casa que Deus edificou para Sua habitação.
Nesta manhã, portanto, vamos falar sobre a igreja —
primeiro, como edifício; depois, como
habitação; e por último, como aquilo
em que ela em breve ela tornará, ou seja — um
glorioso templo.
1. Primeiramente, então, falaremos sobre a igreja como
EDIFÍCIO. E, aqui, antes de qualquer outra coisa, faremos uma pausa para
perguntar o que é a igreja — o que é a igreja de Deus? Certo grupo reclama para
si o título de a igreja, enquanto
outras denominações o disputam calorosamente. A igreja não pertence a nenhum de
nós. A igreja de Deus não se resume a alguma denominação de homens em
particular; a igreja de Deus é constituída por aqueles cujos nomes estão
escritos no livro da escolha eterna de Deus; aqueles que foram comprados por
Cristo no madeiro, que são chamados por Deus pelo Seu Santo Espírito e que,
vivificados por esse mesmo Espírito, participam da vida de Cristo e se tornam
membros de Seu corpo, de Sua carne e de Seus ossos. Essas pessoas são
encontradas em qualquer denominação, entre todos os tipos de cristãos; alguns
estão vagando por onde nem imaginamos; um ou outro está escondido no meio das
trevas da maldita igreja romana; às vezes, como se por acaso, há alguém ligado
a alguma seita, distante de seus irmãos, mal tendo ouvido falar deles, mas
mesmo assim conhecendo a Cristo, pois a vida de Cristo está nele. Ora, esta
igreja de Cristo, o povo de Deus, no mundo inteiro, seja porque nome for
conhecida, é aquela que nosso texto compara a um edifício no qual Deus habita.
Bom, agora, preciso fazer uma pequena alegoria a respeito
deste edifício. A igreja não é um amontoado de pedras, é um edifício. Seu
Arquiteto a projetou na eternidade. Parece até que O vejo, lá nos tempos
eternos, fazendo o primeiro esboço da Sua igreja. “Aqui”, diz Ele em Sua
sabedoria eterna, será a pedra angular, e ali o pináculo”. Eu O vejo
determinando o seu comprimento, a sua largura; designando os lugares das portas
e dos portões com incomparável habilidade, planejando cada detalhe, sem deixar
nada de fora. Também vejo esse poderoso Arquiteto escolhendo para Si cada pedra
do edifício, ordenando seu tamanho e sua forma; estabelecendo em Seu grandioso
plano a posição de cada uma delas: se brilhará na frente, se ficará escondida
na parte detrás ou se ficará incrustada bem no meio da parede. Eu O vejo fazendo
não apenas o esboço, mas todo o seu conteúdo; tudo sendo ordenado, decretado e
estabelecido no pacto eterno, o plano divino do poderoso Arquiteto no qual a
igreja deve ser edificada. Olhando com atenção, vejo o Arquiteto escolhendo uma
pedra angular. Ele olha para o céu e lá estão os anjos, aquelas pedras
brilhantes; Ele olha para cada um deles, de Gabriel para baixo, e diz, “Nenhum
de vocês servirá. Preciso de uma pedra angular que suporte todo o peso do
edifício, pois todas as outras deverão se apoiar nela. Gabriel, não servirás!
Rafael, serás posto de lado; não posso edificar contigo”. Contudo, era preciso
achar uma pedra, uma que fosse tirada da mesma pedreira que as demais. Onde
poderia ser encontrada? Será que alguém serviria como pedra angular desse
poderoso edifício? Ah, não! Nem os apóstolos, nem os profetas, nem os mestres
serviriam. Mesmo com todos juntos, seria como fazer o alicerce em areia
movediça, a casa logo ruiria. Mas, vejam como a mente divina resolveu o
problema: “Deus se tornará homem, totalmente homem, e assim será da mesma
substância que as demais pedras do templo, mas ainda será Deus e, por isso,
será forte o suficiente para sustentar todo o peso dessa poderosa estrutura,
cujo topo chegará ao céu”. Vejo o lançamento dessa pedra fundamental. Ouve-se
alguma canção nesse momento? Não. Ali só há pranto. Os anjos reunidos olham
tristes para os homens e choram; as harpas do céu estão vestidas de pano de
saco e delas não sai nenhum som. Os anjos cantaram de júbilo na criação do
mundo, por que não cantam agora? Olho para cá e vejo a razão. Aquela pedra está
assentada em sangue, aquela pedra angular não podia estar em outro lugar senão
no seu próprio sangue. Ela devia ser assentada com cimento vermelho drenado das
suas próprias veias sagradas. E ali Ele jaz, a primeira pedra do edifício
divino. Anjos, cantai novamente, já acabou! A pedra fundamental está lançada; a
terrível cerimônia já terminou. Agora, de onde serão tiradas as outras pedras
para a construção do templo? A primeira está assentada, onde estão as demais?
Vamos retirá-las das bandas do Líbano? Podemos encontrar essas pedras preciosas
nas jazidas do rei? Não. Para onde voais, trabalhadores de Deus? Aonde vais?
Onde estão as pedreiras? E eles respondem: “Vamos cavar nas pedreiras de Sodoma
e Gomorra, nas profundezas do pecado de Jerusalém e no meio do pecado de
Samaria”. Vejo-os revirando o lixo. Observo-os enquanto escavam a terra e,
finalmente, voltam com as pedras. Mas como elas são ásperas, como são duras,
como são brutas! Sim, mas essas pedras são exatamente aquelas que foram
ordenadas na eternidade, no decreto, e devem ser essas, não outras. No entanto,
é preciso haver uma transformação. Elas precisam ser trabalhadas e moldadas,
lapidadas e polidas, e colocadas em seus lugares. Vejo os operários na obra. A
grande serra da lei corta a pedra, depois vem o cinzel do evangelho para
lapidá-la. Vejo as pedras assentadas em seus lugares e a igreja se levantando.
Os ministros, como mestres de obras, correm ao longo das paredes, colocando
cada pedra espiritual em seu lugar; e cada pedra está apoiada naquela imensa
pedra angular, e cada uma delas confia no sangue de Jesus Cristo e encontra
segurança e força nEle, a pedra angular, eleita e preciosa. Conseguem ver o
edifício em pé, com cada escolhido de Deus sendo admitido nele, chamado pela
graça e vivificado? Veem as pedras vivas unidas pelo amor sagrado e pelo santo
amor fraternal? Já entraram nesse edifício e viram como essas pedras se apoiam
umas nas outras, carregando os fardos umas das outras, cumprindo assim a lei de
Cristo? Percebem como a igreja ama a Cristo e como seus membros amam uns aos
outros? Como, em primeiro lugar, a igreja está unida à pedra angular e depois
cada pedra está ligada à seguinte, a seguinte à subsequente e assim por diante,
até que todo o edifício seja um? Vejam! A estrutura se levanta, é concluída e,
finalmente, é um edifício. Agora, pois, abram bem os olhos e vejam como esse
edifício é glorioso — a igreja de Deus. As pessoas falam do glamour da sua
estrutura arquitetônica — de fato, é uma estrutura arquitetônica; não segundo
os modelos gregos ou góticos, mas segundo o modelo do santuário visto por
Moisés no santo monte. Conseguem vê-la? Já viram uma estrutura tão graciosa
como essa — impregnada de vida em cada parte? Sobre aquela pedra única estão
sete olhos, e cada pedra cheia de olhos e de corações. Já tiveram um pensamento
tão grandioso como este — um edifício construído de almas — uma estrutura feita
de corações? Não há lugar como o coração para alguém descansar. Ali uma pessoa
pode encontrar paz com seu irmão; mas, aqui é a casa onde Deus Se deleita em
habitar — construída de corações vivos, todos pulsando com santo amor —
construída de almas redimidas, os escolhidos do Pai, comprados pelo sangue de
Cristo. Seu topo está no céu. Parte deles está acima das nuvens. Muitas das
pedras vivas estão agora no pináculo do paraíso. Nós estamos aqui embaixo, o
edifício se ergue, o prédio sagrado está subindo e, assim como a pedra angular
sobe, todos nós precisamos subir até que, finalmente, toda a estrutura, desde a
fundação até o pináculo, seja elevada ao céu, permanecendo lá para sempre — a
nova Jerusalém — o templo da majestade de Deus.
Ainda com relação a este edifício, tenho mais uma ou
duas observações a fazer antes de passar para o próximo ponto. Toda vez que os
arquitetos planejam uma construção, eles cometem erros no projeto. Até o mais
cuidadoso se esquecerá de alguma coisa; até o mais inteligente descobrirá algo
errado. Contudo, observem a igreja de Deus; ela é edificada com precisão e, no
final, nenhum erro será encontrado. Talvez você, meu querido irmão, seja apenas
uma pedrinha do templo, mas pode pensar que deveria ter sido uma pedra maior.
No entanto, não existe engano algum. Você tem apenas um talento; e isso é
suficiente para você. Se tivesse dois, poderia comprometer o edifício. Talvez
você tenha sido colocado numa posição obscura e esteja dizendo: “Ah, se eu
tivesse alguma importância na igreja!” Se você tivesse alguma importância,
talvez estivesse no lugar errado; e só uma pedrinha fora do lugar, numa
arquitetura tão delicada quanto essa, poderia estragar tudo. Você está onde
deveria estar; fique aí. Confiando nisso, não haverá erro. Quando, afinal,
estivermos ao redor do edifício, observando suas paredes e contando seus
baluartes, cada um de nós dirá: “Quão gloriosa é Sião”! Quando nossos olhos
forem iluminados e nossos corações instruídos, cada parte do edifício chamará
nossa atenção. A pedra do topo não é a base, nem a base está no topo. Cada pedra
tem a forma certa; o material todo é como deveria ser e a estrutura é adequada
para o grande fim, a glória de Deus, o templo do Altíssimo. Portanto, podemos
ver neste edifício de Deus Sua infinita sabedoria.
Outra coisa ainda deve ser observada, qual seja, sua
força inexpugnável. Esta habitação de Deus, esta casa que não é feita por mãos
humanas mas é edifício de Deus, muitas vezes é atacada, contudo, nunca foi
tomada. Quantos inimigos têm batido contra suas velhas muralhas! No entanto,
sempre batem em vão. “Levantaram-se os reis da terra, e as autoridades
ajuntaram-se à uma” (Atos 4:26), e o que aconteceu? Eles vieram contra ela,
cada qual com seus valentes, e cada um com a espada desembainhada, e o que lhes
aconteceu? O Todo Poderoso os dispersou no Hermon como neve em Zalmom. Como a
neve é dispersa da montanha pelo sopro da tempestade, assim também, ó Deus, Tu
os dispersa e eles são consumidos pelo sopro das Tuas narinas.
E
então, Sião será para nossas almas habitação
Pois nem a ira de Roma ou do inferno temerão
A igreja não está em perigo, e nunca poderá estar. Que
venham os inimigos, ela pode resistir. Em sua impassível majestade, em seu
silêncio forte como uma rocha, ela lhes oferece resistência. Que venham e sejam
feitos em pedaços, que se lancem contra ela e conheçam o caminho certo da sua
própria destruição. Ela está segura, e continuará assim até o final. Portanto,
muito pode ser dito sobre a sua estrutura; ela é edificada pela sabedoria
infinita e está totalmente segura.
E também podemos acrescentar que ela é gloriosa pela
sua beleza. Jamais houve uma estrutura como esta. Ela é um banquete diário para
os olhos desde o amanhecer até a madrugada. O próprio Senhor Jesus Se deleita
nela. A arquitetura da Sua igreja é tão agradável a Deus que Ele Se regozija
nela como nunca o fez com o mundo. Quando Deus fez o mundo, Ele ergueu as
montanhas, aprofundou os mares e cobriu os vales de relva; fez todas as aves
dos céus e todas as feras do campo; sim, e fez o homem à Sua própria imagem; e,
quando viram tudo isso, os anjos cantaram e se regozijaram. Mas Deus não
cantou; para Ele, não havia razão suficiente para um cântico dizer: “Santo,
Santo, Santo”. Ele podia dizer que tudo era bom; havia uma bondade intrínseca
naquilo tudo; mas não a bondade moral da santidade. No entanto, quando edificou
Sua igreja, Deus cantou; e, às vezes, penso que esta é a passagem mais
extraordinária de toda a Palavra de Deus, onde Ele é representado cantando: “O SENHOR, teu Deus, está no meio de ti, poderoso para
salvar-te; ele se deleitará em ti com alegria; renovar-te-á no seu amor,
regozijar-se-á em ti com júbilo” (Sofonias 3:17). Pensem, meus irmãos, no
próprio Deus contemplando Sua igreja: sua estrutura é tão justa e tão bela que
Ele Se regozija em Sua obra e, enquanto cada pedra é colocada no seu devido
lugar, a Divindade canta. Será que já houve uma canção como essa? Sim, venham,
cantemos e exaltamos o nome do Senhor; louvem Aquele que louva a Sua igreja —
Aquele que fez dela o Seu lugar especial de habitação.
Assim sendo, em primeiro lugar, vimos a igreja como um
edifício.
2. No entanto, a verdadeira glória da igreja de Deus
consiste no fato de que ela não é apenas um edifício, ela é também uma
HABITAÇÃO. Talvez haja muita beleza em uma construção vazia, mas há sempre um
pensamento melancólico associado a ela. Viajando pela nossa pátria, com
frequência nos depararmos com uma torre ou um castelo em ruínas; são
construções bonitas, mas não são alegres. Há certa tristeza associada a elas.
Quem gosta de palácios abandonados? Quem quer que a nação lance fora seus
filhos e que suas casas fiquem desabitadas? Contudo, há sempre alegria numa
casa iluminada e mobiliada, onde há o som de pessoas. Amados, a igreja tem isto
para sua glória especial: ela é uma casa habitada, e é a habitação de Deus por
intermédio do Espírito. Quantas igrejas há que são apenas casas, não
habitações! Posso descrever-lhes uma igreja que se diz igreja de Deus: é um
edifício de tijolos que tem como base alguma antiga tradição, mas não a Palavra
de Deus. Sua disciplina é exercida de acordo com suas próprias regras e suas
práticas religiosas têm a sua própria liturgia. Você entra nessa igreja e a
cerimônia é imponente; talvez, durante algum tempo, o culto inteiro o atraia;
mas você sai de lá consciente de que não encontrou vida com Deus naquele lugar
— aquela é uma casa, mas uma casa sem moradores. Talvez seja uma igreja na
aparência, mas não é uma igreja onde o Santo habite; é uma casa vazia que logo
estará arruinada e cairá. Receio que isso seja verdade em relação a muitas das
nossas igrejas, estabelecidas e protestantes, assim como em relação à igreja de
Roma. Existem muitas igrejas que são apenas uma porção de formalidades
enfadonhas e sem sentido, onde não há vida com Deus. Poderíamos prestar culto
junto com seus membros, dia após dia, mas nosso coração nunca bateria mais
forte, nosso sangue nunca saltaria nas veias, nossa alma nunca seria
revigorada, pois a igreja é uma casa vazia. Sua arquitetura pode ser bonita,
mas seu depósito está vazio, não há mesa posta, não há regozijo, não há o abate
de um bezerro cevado, não há dança, não há canto de alegria. Amados, precisamos
ter cuidado para que nossas igrejas não se tornem assim, para que não sejamos
uma associação de pessoas sem vida espiritual e, consequentemente, casas
vazias, pois Deus não está lá. No entanto, a verdadeira igreja, aquela que é
visitada pelo Espírito de Deus, onde há conversão, instrução, devoção e outras
coisas semelhantes, é conduzida pela influência viva do próprio Espírito — essa
igreja tem Deus como seu habitante.
E, agora, vamos justamente gastar algum tempo com esse
doce pensamento. Uma igreja edificada de almas vivas é a própria casa de Deus.
O que isso significa? Vou lhes dizer. Uma casa é um lugar onde a pessoa se
consola e se anima. Fora dela, lutamos contra o mundo e ficamos tão tensos que
podemos nos meter num mar de confusões, as quais podem não ser levadas pela
correnteza. Lá fora, entre os homens, encontramos pessoas cuja linguagem nos é
estranha e que, com frequência, nos machucam profundamente e nos deixam
arrasados. Lá, sentimos que precisamos estar sempre em guarda. Muitas vezes
poderíamos dizer: “A minha alma está entre leões, e eu estou entre aqueles que
estão abrasados com o fogo do inferno” (Salmo 57:4). No mundo, encontramos
pouco descanso para um dia de trabalho, mas, quando chegamos em casa, somos
consolados. Nosso corpo exaurido é revigorado. Tiramos a armadura que estávamos
usando e não lutamos mais. Não vemos mais a face do estranho, só olhos
radiantes de amor por nós. Não ouvimos palavras dissonantes aos nossos ouvidos.
O amor fala e nós reagimos. Nossa casa é o nosso lugar de alívio, consolo e
descanso. Ora, Deus chama Sua igreja de habitação — Seu lar. Vejam-nO quando Ele está do lado de fora: Ele troveja e eleva
Sua voz sobre as águas. Ouçam-nO, Sua voz quebra os cedros do Líbano e faz a
corça dar cria. Observem-nO enquanto guerreia, conduzindo Sua carruagem de
poder, levando os anjos rebeldes sobre as ameias do céu até as profundezas do
inferno. Contemplem-nO enquanto Ele Se levanta na majestade da Sua força. Quem é
este que é tão glorioso? Ele é Deus, altíssimo e tremendo. Mas, vejam, Ele
deixou de lado Sua espada reluzente; não está mais segurando Sua lança. Ele
voltou para casa. Seus filhos O cercam. Ele Se anima e descansa. Sim, não acho
que estou indo longe demais — Ele realmente descansará na Sua amada. Ele
descansa em Sua igreja. Ele não é mais chama, terror e fogo consumidor. Agora,
Ele é amor, bondade e doçura, pronto para ouvir a tagarelice de Seus filhos e
as notas desafinadas de seus cânticos. Ah, como é belo o retrato da igreja como
a casa de Deus, o lugar onde Ele Se alegra! “Pois o SENHOR escolheu a Sião,
preferiu-a por sua morada” (Salmo 132:13).
Além disso, o lar de uma pessoa é onde ela mostra o
seu íntimo. Quando você encontra uma pessoa no supermercado, ela é seca ao
tratar com você. Ela conhece as pessoas e age como alguém do mundo. Mas se
encontrá-la em sua casa, conversando com seus filhos, você dirá: “Nossa, que
diferença! Nem acredito que seja a mesma pessoa”. Observe também um professor
na sala de aula; ele está ensinando ciências aos seus alunos. Repare como ele é
sério ao falar sobre assuntos difíceis. Você acredita que esse mesmo homem, à
noite, estará com um bebê no colo, contando historinhas infantis e cantando
canções de ninar? Mas ele estará. Veja um rei enquanto desfila pelas ruas cheio
de pompa; milhares de pessoas estão à sua volta, aclamando-o. Que porte
majestoso! Ele é todo rei, monarca dos pés à cabeça, quando se ergue no meio da
multidão. Mas você já o viu quando ele está em casa? Ele é exatamente como
qualquer outra pessoa; seus filhinhos o cercam e ele se senta no chão para
brincar com eles. Será que é mesmo o rei? Sim, claro que é. Mas, por que ele
não age assim no palácio? Ou nas ruas? Ah, não, lá não é a sua casa. É em casa
que as pessoas se soltam. O mesmo acontece com o nosso glorioso Deus: é na Sua
igreja que Ele Se manifesta como não o faz no mundo. Uma pessoa do mundo olha
para o céu com seu telescópio, vê a glória de Deus nas estrelas e diz: “Oh,
Deus, como és grandioso”! Ela olha séria para o mar, observando-o ser açoitado
pela tempestade, e diz: “Vejam o poder e a majestade de Deus”! O estudante de
anatomia disseca um inseto e descobre em cada parte dele a sabedoria divina e
diz: “Como Deus é sábio”! No entanto, é somente aquele que crê em Deus que, de
joelhos em seu quarto, diz: “Meu Pai fez todas as coisas” e, por isso, pode
também dizer: “Pai nosso que estás nos céus, santificado seja o Teu nome”.
Existem revelações inefáveis que Deus só faz em Sua igreja, nunca em outro
lugar. Na igreja é onde Ele pega Seus filhos no colo; onde Ele abre o coração e
deixa Seu povo conhecer os mananciais da Sua alma grandiosa e o poder do Seu
amor infinito. Não é maravilhoso pensar em Deus no Seu lar, com Sua família,
feliz na casa da Sua igreja?
Outro pensamento também me vem à mente neste momento.
O lar de um homem é o centro de tudo o que ele faz. Lá longe, há uma grande
propriedade rural. Bem, ela tem várias dependências, montes de feno, celeiros e
outras coisas assim; no entanto, bem no meio de tudo tem uma casa que é o
centro de toda a sua economia. Não importa quanto trigo seja recolhido, é para
essa casa que o produto vai. É para a manutenção da sua família que o marido
administra a fazenda. Você pode ouvir o gado mugindo ao longe ou ver as ovelhas
nas colinas, mas a lã vai para a casa e todo o leite das vacas vai para os
filhos da casa, pois a casa é o centro de tudo. Todos os rios de atividade
correm em direção ao doce lago interior da casa. E a igreja, ela não está no
centro da atividade de Deus? Ele está lá fora, no mundo, ocupado aqui e ali e
em todo lugar, mas para onde é direcionada toda a Sua atividade? Para Sua
igreja. Por que Deus reveste as colinas com tanta abundância? Para alimentar o Seu povo! Por que a
providência se renova? Por que guerras e tempestades, depois paz e calmaria? É pela Sua igreja. Nenhum anjo atravessa
o éter sem uma missão para a igreja. Pode ser indiretamente, mas ainda assim é
verdade. Não há arcanjo que cumpra as ordens do Altíssimo que não leve a igreja
sobre suas grandes asas e não segure seus filhos quando eles tropeçam nalguma
pedra. Os armazéns de Deus são para a Sua igreja. Os tesouros escondidos nas
profundas riquezas inexprimíveis de Deus — são todos para o Seu povo. Não há
nada que Ele tenha, desde a Sua coroa reluzente até as trevas sob o Seu trono,
que não seja para os Seus remidos. Todas as coisas devem contribuir e cooperar
para o bem da igreja eleita de Deus, a qual é a Sua casa — a Sua habitação diária. Creio que quanto mais se pensa nisso,
quando se está longe, mais se vê a beleza do fato de que, assim como a casa
está no centro, assim também a igreja está no centro de tudo para Deus.
Mais um pensamento e termino este ponto. Ultimamente
(em 1859), temos ouvido falar muito sobre uma possível invasão francesa. No
entanto, só vou me preocupar com isso quando realmente acontecer, não antes.
Contudo, há uma coisa que posso dizer com muita segurança. Muitos de nós são
homens de paz e não gostariam de empunhar uma espada; a primeira visão de
sangue nos deixaria enjoados; somos seres pacíficos; não fomos feitos para
lutar e guerrear. Contudo, se mesmo a pessoa mais pacífica do mundo pensar que
invasores estão desembarcando em nossas praias, que as nossas casas estão
correndo perigo e os nossos lares estão prestes a serem saqueados pelo inimigo,
receio que nossa cautela nos abandone e, apesar do que pensamos sobre as
guerras, eu me pergunto se qualquer um dentre nós não pegaria a primeira arma à
sua mão para rechaçar o inimigo. Com um grito de guerra: “Pela nossa família e
pelo nosso lar”, nós iríamos investir contra o invasor, fosse ele quem fosse.
Não haveria poder forte o bastante para paralisar o nosso braço; nós iríamos
lutar até a morte pela nossa casa; nenhuma ordem, por mais dura que fosse,
poderia nos acalmar; abriríamos caminho por cada grupo, cada companhia do
inimigo e, mesmo os mais fracos seriam gigantes e, nossas mulheres, heroínas no
dia da dificuldade. Cada mão encontraria uma arma para atacar o inimigo. Amamos
nossos lares, e precisamos, e iremos, defendê-los. Agora, vamos pensar mais
alto — a igreja é o lar de Deus, será que Ele não a defenderá? Ele permitirá
que a sua própria casa seja atacada e saqueada? Sua casa será manchada pelo
sangue de Seus filhos? A igreja será derrotada, suas muralhas atacadas, suas
habitações pacíficas entregues ao fogo e à espada? Nunca, jamais, não enquanto
Deus tiver um coração de amor e enquanto Ele chamar Seu povo de Sua casa e Sua
habitação. Venham, regozijemo-nos nessa segurança; mesmo se toda a terra
estiver em guerra lá fora, nós continuamos em perfeita paz, pois nosso Pai está
em casa e Ele é o Deus Todo Poderoso. Que os inimigos venham contra nós, não
precisamos ter medo, Seu braço os fará cair, o sopro de Suas narinas os
consumirá, uma só palavra Sua os destruirá, e eles se derreterão como a gordura
de carneiros, como a gordura de cordeiros serão consumidos e na fumaça serão
dissipados. Para mim, todos esses pensamentos parecem surgir naturalmente pelo
fato de a igreja ser a habitação de Deus.
3. Gostaria de lhes falar, em terceiro lugar, que a
igreja, em breve, será o GLORIOSO TEMPLO DE DEUS. Neste momento, ainda não a
vemos como ela deve ser. No entanto,
já mencionei esse fato precioso. Hoje, a igreja está sendo erigida, e
continuará sendo até que o monte da casa do Senhor seja estabelecido no cume
das montanhas e, então, quando todas as nações a chamarem feliz, e Ele também —
quando todos disserem: “Vinde, e subamos à casa do nosso Deus para O
adorarmos”, aí a glória da igreja terá início. Quando esta terra tiver passado,
quando os monumentos de todos os impérios forem dissolvidos e engolidos pela
lava da chama dos últimos tempos, então a igreja será arrebatada entre as
nuvens e exaltada no céu, para se tornar um templo jamais visto por olhos
humanos.
E, agora, irmãos e irmãs, para concluir, faço algumas
observações. Se a igreja de Deus é a casa de Deus, o que eu e você devemos
fazer? Ora, como parte desse templo, precisamos, sinceramente, procurar sempre
conservar seu mais digno habitante! Não entristeçamos Seu Espírito para que Ele
não se ausente da Sua igreja; e, acima de tudo, não sejamos hipócritas, para
que Ele não deixe de entrar em nosso coração. E, se a igreja deve ser o templo
e a casa de Deus, que ela não seja desonrada por nós. Quando você desonra a si
mesmo, você desonra a igreja, pois seu pecado, se você é membro da igreja, é
pecado da igreja. A sujeira de uma pedra na reconstrução praticamente destrói
sua perfeição. Cuida para seres santo como Ele é santo. Não permitas que o teu
coração se torne casa de Belial. Não penses que Deus e o diabo podem habitar no
mesmo lugar. Entrega-te totalmente ao Senhor. Busca mais do Seu Espírito, para
que, como pedra viva, sejas totalmente consagrado; e não te contentes até
sentires em ti mesmo a perpétua presença dO habitante divino que habita Sua
igreja. Que Deus agora abençoe a cada pedra viva do Seu templo. E quanto a vós,
que ainda não fostes retirados das pedreiras do pecado, oro para que a graça
divina vos encontre, para que sejais renovados e convertidos e, enfim, se
tornem participantes da herança dos santos na luz.
Tradução e revisão: Mariza
Regina de Souza
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