sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Copiosa Redenção

Sermão nº 351

Ministrado em Exeter Hall, Strand, Londres, Inglaterra

Pelo Rev. C. H. Spurgeon

“pois no Senhor há... copiosa redenção”. — Salmos 130:7

Redenção é uma palavra que tem alegrado muitos ouvidos desde que ainda nem havia o som dos carrilhões celestiais. Além de qualquer uso teológico, a palavra é extremamente doce e melodiosa para muitos corações. Nos dias em que a pirataria ainda era praticada ao longo da costa da África, quando nossos súditos cristãos eram capturados por corsários e levados cativos, era possível compreender como a alma oprimida do escravo algemado, acorrentado ao remo da sua galera, alegrava-se com a esperança de uma possível redenção. Seu senhor cruel, que o obrigara a ser sua propriedade, não o emanciparia de bom grado. No entanto, ao surgir o rumor de que, em alguma nação distante, uma soma de dinheiro fora levantada para comprar a liberdade dos escravos — que algum rico mercador dedicara parte de seus bens para reaver seus compatriotas; que o próprio rei, assentado em seu trono, prometera franca redenção para que os cativos entre os mouros pudessem retornar para casa (NT1), suponho que quando a palavra redenção soasse em seus ouvidos as horas corressem alegremente e a tristeza da sua labuta fosse amenizada. Assim também com nossos súditos e compatriotas que um dia foram escravos nos assentamentos das colônias da Índia Ocidental. Podemos imaginar que, para seus lábios, a palavra redenção deve ter soado como uma linda melodia. Saber que a nobre nação britânica tinha levantado vinte milhões da importância necessária para sua redenção deve ter soado tão doce quanto o badalar dos sinos a um jovem noivo no dia do seu casamento, e que, em determinada manhã, os grilhões seriam quebrados e eles não mais teriam de sair para as plantações debaixo do sol escaldante levados pelo chicote; que eles não seriam mais propriedade de alguém e ninguém mais teria posse sobre o seu corpo e sobre a sua alma. Será que é possível imaginar sua felicidade pela liberdade recém-conquistada, quando o sol nasceu naquela gloriosa manhã, quando a emancipação foi proclamada através dos mares e toda a terra ficou em liberdade? Ah, quantos sonetos há nessa única palavra, redenção!

Ora, para aqueles que venderam por nada sua gloriosa herança; que foram levados como escravos para os domínios de Satanás; que estão acorrentados pelos grilhões da culpa e gemem sob ela; que são açoitados pelo chicote da lei de Deus — o que as novas da redenção têm sido para os escravos e cativos será também para vocês nesta noite. Ela animará sua alma e alegrará seu espírito, e ainda mais quando este rico adjetivo for associado a ela — copiosa redenção.

Esta noite vou considerar a questão da redenção e, em seguida, observar o adjetivo atrelado a ela: “copiosa redenção”.

I. Sendo assim, em primeiro lugar vamos considerar a questão da REDENÇÃO.

Vou iniciar fazendo uma pergunta: O que foi que Cristo redimiu? E, para que saibam quais são os meus pontos de vista sobre este assunto, vou dizer, antes de qualquer coisa, que considero esta uma doutrina autoritativa, consistente com o senso comum e anunciada pelas Escrituras, ou seja, que tudo quanto Cristo redimiu, Ele realmente redimiu. Vou começar, então, com este princípio, que tudo quanto Cristo redimiu, Ele realmente redimiu. Considero uma afronta à razão, e ainda mais à revelação, dizer que Cristo teve de morrer para comprar o que Ele nunca poderia ter; considero quase uma blasfêmia afirmar que o propósito da morte do nosso Salvador possa algum dia ser frustrado. Todo e qualquer propósito que Cristo teve ao morrer — nós afirmamos isso como uma verdade muito bem estabelecida e que deve ser admitida por todas as pessoas razoáveis — tal propósito, com certeza, Ele alcançará. Não vejo como o propósito de Deus em qualquer coisa possa ser frustrado. Sempre pensamos em Deus como tão superior às Suas criaturas que, quando Ele propõe fazer alguma coisa, com certeza ela será feita. E, se tenho o que me foi concedido, não posso sequer por um momento permitir a alguém imaginar que Cristo tenha derramado Seu sangue em vão; que Ele tenha morrido com intenção de fazer alguma coisa, mas não tenha conseguido fazê-la; que Ele tenha morrido com pleno propósito em Seu coração, e com a promessa da parte de Deus de que receberia algo em troca de Seus sofrimentos, e ainda assim não tenha conseguido alcançá-lo. Para começo de assunto, e penso que qualquer pessoa que pondere um pouco sobre essa questão, e verdadeiramente a leve em consideração, entenda desta forma — é imperativo que o propósito de Cristo em Sua morte seja cumprido, e que todo o desígnio de Deus seja alcançado. Eu creio, portanto, que a eficácia do sangue de Cristo não conhece outro limite senão o propósito de Deus. Creio que a eficácia da expiação de Cristo é tão grande quanto Deus quis que ela fosse e que aquilo que Cristo redimiu é precisamente aquilo que Ele tinha intenção de redimir e exatamente aquilo que o Pai decretou que Ele redimisse. Assim sendo, não posso, nem por um segundo, dar crédito à doutrina que diz que todos os homens são redimidos. Alguns podem defendê-la com unhas e dentes, como sei que o fazem, até mesmo teimando que ela é parte fundamental da doutrina da revelação. Não importa, este é um país livre. Eles podem defender sua opinião, mas devo dizer-lhes solenemente que estou convicto de que essa doutrina não pode ser sustentada quando o assunto é considerado com seriedade, pois acreditar em redenção universal leva à conclusão blasfema de que o propósito de Deus foi frustrado e que Cristo não recebeu aquilo pelo que morreu. Se, portanto, eles podem acreditar nisso, podem acreditar em qualquer coisa; e não vou me desesperar ao vê-los desembarcar em Salt Lake (NT2), ou em qualquer outra região onde o entusiasmo e a credulidade podem florescer sem os obstáculos do ridículo ou da razão.

Partindo, portanto, desse pressuposto, vou lhes dizer o que acredito, de acordo com a sã doutrina e a Sagrada Escritura, que Cristo realmente redimiu. A essência da Sua redenção é esta: Ele redimiu muitas coisas: Ele redimiu a alma do Seu povo; Ele redimiu o corpo do Seu povo; Ele redimiu a herança original que foi perdida em Adão; e, por último, Ele redimiu o mundo, no sentido de que o mundo finalmente será Dele.

Cristo redimiu a alma de todas as pessoas que serão salvas. Ou, nos dizeres de um calvinista, Cristo redimiu os Seus eleitos; mas, uma vez que não sabemos quem são os eleitos até que sejam revelados, vamos fazer uma pequena alteração e dizer que Cristo redimiu todas as almas penitentes; Cristo redimiu a alma de todos os crentes; e Cristo redimiu a alma de todos aqueles que morrem na infância, visto que deve ser reconhecido que, todos os que morrem na infância estão inscritos no livro da vida do Cordeiro e são graciosamente privilegiados por Deus para ir imediatamente para o céu, ao invés de labutarem neste mundo cansativo.

A alma de todos aqueles que foram inscritos no livro da vida do Cordeiro antes da fundação do mundo, os quais, no devido tempo, se humilham diante de Deus, e que, no decurso de sua vida são levados a abraçar Jesus como o único refúgio da sua alma, que permanecem no caminho e, finalmente, alcançam o céu; estes, eu creio, foram redimidos, e devo afirmar, firme e solenemente, que a alma de nenhuma outra pessoa é, nesse sentido, objeto da redenção. Não defendo a doutrina de que Judas foi redimido; não posso conceber meu Salvador suportando a punição por Judas, ou, se assim fosse, Judas sendo castigado novamente. Não posso conceber que Deus primeiro exija das mãos de Cristo o castigo pelo pecado e, depois, novamente das mãos do pecador. Não posso conceber, nem por um momento, que Cristo tenha derramado Seu sangue em vão. E, embora eu tenha lido no livro de certos teólogos que o sangue de Cristo é combustível para as chamas do inferno, estremeço diante desse pensamento e o descarto como uma afirmação medonha, talvez digna daqueles que a fizeram, mas totalmente sem fundamento na Palavra de Deus. As almas do povo de Deus, sejam elas quais forem, e são uma multidão que não se pode contar — e espero sinceramente que todos vocês estejam incluídos — são efetivamente redimidas.

1. Em essência, as almas são redimidas em três sentidos. São redimidas da culpa do pecado, da punição do pecado e do poder do pecado. As almas do povo de Cristo carregam a culpa do pecado até serem redimidas; no entanto, quando a redenção é aplicada à minha alma, desse momento em diante meus pecados, todos eles, são para sempre cobertos.

No momento em que crê um pecador
E entrega sua alma ao Senhor
É imediato o seu perdão
Pois no sangue de Cristo há plena salvação

A culpa pelo nosso pecado é removida pela redenção de Cristo. Qualquer que tenha sido o pecado cometido por você, no momento em que crê em Cristo, você não só nunca será punido por ele, como sua própria culpa por tê-lo cometido será retirada. Aos olhos de Deus você deixa de ser culpado e é considerado por Ele como um crente justificado, o qual tem a justiça de Cristo sobre si; e, por isso, você pode dizer — recordando um verso que sempre repetimos —

Agora, livre do pecado posso andar
Liberto pelo sangue do meu Salvador
A Seus pés minha pode repousar
Um salvo e reverente pecador

Pela redenção de Cristo, cada pecado, cada pedacinho de culpa, cada vestígio de transgressão é efetivamente removido de todos os crentes da família do Senhor.

A seguir, observe: não somente a culpa, mas a punição do pecado também é removida. Na verdade, quando deixamos de ser culpados, deixamos de ser objeto de qualquer punição. Removida a culpa, não há mais castigo. Mas, para tornar isso mais claro, é como se fosse escrito de novo, a condenação é removida, assim como o pecado pelo qual deveríamos ser condenados. “Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus.” (Romanos 8:1). Nenhum daqueles que foram redimidos por Cristo podem ser condenados; eles nunca serão punidos por causa do seu pecado, pois Cristo já sofreu o castigo em seu lugar; por isso, eles não podem, a menos que Deus seja injusto, ser processados de novo por uma dívida que já foi paga. Se Cristo, sua redenção, morreu, então eles não podem morrer. Se ele, o seu fiador, já pagou a sua dívida, então, pela justiça de Deus, eles não devem mais nada, pois Cristo pagou tudo. Se Ele derramou Seu sangue, se Ele entregou Seu espírito, se Ele morreu, “o justo pelos injustos, para conduzir-vos a Deus” (1 Pedro 3:18), como, então, Deus poderia ser justo e ainda punir aqueles que Ele já puniu na pessoa de Jesus Cristo, o seu Salvador? Não, amados, pela copiosa redenção de Cristo, somos libertos de todo castigo decorrente do pecado e de toda a culpa em que tínhamos incorrido.

Além disso, a família dos crentes em Cristo — ou melhor, todos aqueles por quem Cristo morreu — são realmente libertos do poder do pecado. Oh, há quem absorva as duas verdades que já mencionei como se fossem mel; no entanto, elas não podem suportar este outro ponto: Cristo também nos liberta do poder do pecado.

Assim, observe que — nós afirmamos com toda convicção — nenhuma pessoa pode ser redimida da culpa do pecado, ou do seu castigo, a menos que também seja liberta do poder do pecado. A menos que Deus a faça odiar o seu próprio pecado, a menos que ela seja capaz de lançá-lo por terra, a menos que abomine todos os seus maus caminhos e se apegue a Deus com pleno propósito de coração, andando diante Dele na terra dos viventes, na força do Espírito Santo, tal pessoa não tem o direito de acreditar que seja redimida.

Se ainda estás sob o domínio das tuas luxúrias, ó vil pecador, não tens o direito de pensar que és um herdeiro comprado do céu. Se andas a beber, praguejar, amaldiçoar a Deus, se mentes, se profanas o dia de descanso, se odeias o povo de Deus, se desprezas a Sua Palavra, então não tens o direito, tal qual Satanás no inferno, de te vangloriares de ser redimido; pois todos os redimidos do Senhor são, no devido tempo, tirados casa da servidão, da terra do Egito, e aprendem sobre o mal do pecado, sobre o seu terrível castigo e sobre o seu caráter desesperador aos olhos de Deus.

Caro ouvinte, já foste liberto do poder do pecado? Tu o mortificaste? Estás morto para ele? Ele está morto para ti? Ele está crucificado para ti, e tu para ele? Odeias o pecado como odiarias uma víbora? Pisas nele como pisarias numa serpente? Se fazes estas coisas, ainda que haja pecados de fraqueza e enfermidade, se tu odeias o pecado do teu coração, se tiveres inimizade indizível contra ele, tem coragem e bom ânimo. O Senhor te redimiu da culpa e do castigo, e também do poder do pecado. Este é o primeiro ponto da redenção.

E ouçam-me com atenção, para que não me entendam mal. Gosto sempre de pregar de forma a não haver engano. Não quero pregar para que depois me julguem e digam: ele não quis dizer o que disse.

Por isso, quero repetir solenemente o que já disse — eu realmente acredito que ninguém mais foi redimido a não ser aqueles que são ou serão redimidos da culpa, do castigo e do poder do pecado, pois digo outra vez, é abominável à minha razão, pra não falar da minha visão da Escritura, imaginar que os condenados um dia foram redimidos, e que os perdidos um dia foram lavados no sangue do Salvador ou que Seu sangue foi derramado com intenção de salvá-los.

2. Agora vamos pensar na segunda coisa que Cristo redimiu. Cristo redimiu o corpo de todos os Seus filhos. No dia em que Cristo redimiu nossa alma, Ele redimiu o tabernáculo onde habita nossa alma. No mesmo instante em que o espírito foi redimido pelo sangue, Cristo, que entregou Sua alma humana e Seu corpo humano à morte, comprou o corpo, assim como a alma, de cada crente. Pergunta-se, então, de que maneira a redenção opera no corpo dos crentes. Respondo, em primeiro lugar, que ela lhes garante uma ressurreição. Aqueles por quem Cristo morreu têm a garantia, pela Sua morte, de uma ressurreição gloriosa. “Porque, assim como, em Adão, todos morrem, assim também todos serão vivificados em Cristo.” (1 Coríntios 15:22). Todos os homens são, em virtude da morte de Cristo, vivificados para uma ressurreição, mas, mesmo aqui há uma propriedade especial para os eleitos, tendo em vista que eles são vivificados para uma bendita ressurreição, enquanto os outros são vivificados apenas para uma ressurreição amaldiçoada; uma ressurreição miserável, uma ressurreição de angústia indizível. Ó cristão, o teu corpo está redimido!

Ainda que os teus pecados exijam
Que a tua carne veja o pó,
Como ressurgiu o teu Salvador
Assim será com o Seu seguidor

Sim! Ainda que em breve eu adormeça no túmulo, ainda que os vermes devorem este corpo, eu sei que o meu Redentor vive e, porque Ele vive, eu sei que em minha carne eu verei a Deus. (Jó 19.26). Estes olhos, que logo estarão vidrados na morte, não ficarão para sempre fechados na escuridão; a morte devolverá a sua presa; Ele restaurará todos aqueles que recebeu.

Vejam, lá está Ele! Ele tem os corpos dos justos trancados em suas masmorras; eles estão envoltos em suas mortalhas, e Ele sabe que estão seguros: Ele selou suas tumbas e as marcou para Si. Ó morte! Ó morte insensata! Teus caixões serão saqueados; teus depósitos serão arrombados. Eis que é chegada a manhã! Cristo desce lá do alto. Ouço a trombeta: “Despertai! Despertai!” E vejam! Os justos saem de seus túmulos; enquanto a morte senta-se perplexa, uivando em vão, vendo seu império ser despojado de seus súditos, suas masmorras sendo saqueadas de suas vítimas. “Precioso lhe é o sangue deles” (Salmo 72:14). Preciosos serão seus ossos! O próprio pó é bendito, e Cristo os ressuscitará com Ele mesmo.

Pensai nisso, vós que perdestes um amigo — vós que chorais de tristeza! Vosso amigo redimido viverá novamente. As mesmas mãos que seguraram as vossas com um aperto mortal irão apertá-las novamente no paraíso. Os mesmos olhos que se desfizeram em lágrimas irão acordar com os cordões oculares (NT3) intactos no meio-dia da felicidade. Aquele mesmo corpo que, em terríveis trajes de luto, vós carregastes tristemente para ser enterrado em seu túmulo — sim, aquele corpo humilhado, ressuscitará à semelhança de Cristo, espiritualizado e transformado, mas ainda o mesmo corpo, e vós, se fordes redimidos, o vereis outra vez, pois Cristo o comprou, e Cristo não morreu em vão. A morte nunca terá um osso sequer de um justo — nem uma partícula de pó — nem um fio de cabelo da sua cabeça. Tudo voltará. Cristo comprou todo o nosso corpo e, no céu, todo o corpo estará completo e unido para sempre com a alma glorificada. O corpo dos justos é redimido, e redimido para a felicidade eterna.

3. A seguir, tudo o que os justos possuíam, e foi perdido em Adão, é redimido. Adão! Onde estás? Tenho um assunto para tratar contigo, homem, pois perdi muito por tua causa. Chega para cá. Adão! Vês como és agora e diga-me o que perdeste, então saberei o que perdi por tua causa e serei capaz de agradecer ao meu Mestre por Ele ter resgatado graciosamente, para todos os crentes, tudo o que perdeste. O que perdeste? “Ai de mim!”, chora Adão, “Eu já tive uma coroa; já fui rei do mundo inteiro; as feras se colocavam aos meus pés e me faziam reverência. Deus me fez para que eu tivesse o domínio supremo sobre os rebanhos das colinas e sobre todas as aves do céu; mas perdi minha coroa. Eu já tive uma mitra”, disse Adão, “pois eu era sacerdote diante de Deus e, muitas vezes pela manhã, eu subia as colinas e recitava suaves preces de louvor ao meu Criador. Meu incensário fumegava com orações de louvor e era doce o som da minha voz”.

“Gloriosas são as Tuas obras, Pai de todo o bem,
Teu é este universo, ó Todo Poderoso
Maravilhosamente belo; pois Tu mesmo és maravilhoso.'

Muitas vezes ordenei às nuvens, ao sol, à lua e às estrelas que cantassem em Seu louvor. Todos os dias eu ordenava aos rebanhos sobre os montes que mugissem Suas glórias; e aos leões que rugissem em Sua honra. Todas as noites eu dizia às estrelas que brilhassem e às florezinhas que desabrochassem, mas, ai de mim, perdi minha mitra. E eu, que já fui sacerdote para Deus, deixei de ser Seu santo servo”. Ah! Adão, tu me fizeste perder muito; mas além vejo o meu Salvador; Ele tira a coroa da Sua cabeça para colocar uma coroa na minha cabeça; Ele põe uma mitra na Sua cabeça, para ser sacerdote, para colocá-la também na minha, e na cabeça de cada um do Seu povo, pois, como acabamos de cantar

“Nossa alma com sangue Tu remiste
Para da prisão nos libertar
Reis e sacerdotes nos fizeste
E Contigo nós iremos reinar”.

Justamente o que foi perdido por Adão, a realeza e o sacerdócio de Cristo, agora é conquistado por todos os crentes. E o que mais tu perdeste, Adão? “Ora, eu perdi o paraíso”. Silêncio, homem! Não digas nada sobre isso, pois Cristo comprou-me um paraíso no valor de dez mil Édens como o teu. Por isso, podemos muito bem te perdoar. E o que mais tu perdeste? “Ora, a imagem do meu Criador”. Ah! Cala-te, Adão! Em Jesus Cristo, todos temos algo melhor, pois temos a Sua perfeita justiça e, com certeza, isso é melhor que a imagem do Criador, pois são as próprias vestes e o próprio manto usados por Ele. Portanto, Adão, tudo o que perdeste, eu recuperei. Cristo resgatou tudo o que vendemos por nada. Eu, que vendi por nada minha herança divina, devo recuperá-la sem ter de comprá-la — o dom do amor, Cristo diz, é meu. Portanto, ouvi o toque da trombeta do Jubileu (Levítico 25.9-10): Cristo redimiu todas as posses perdidas do Seu povo.

4. E, agora, chegamos à última coisa que Cristo redimiu, embora não seja o último ponto do sermão. Cristo redimiu este mundo. “Ora”, diz alguém, “mas isso é estranho, acho que você está se contradizendo”. Pare! Por favor, entenda o que eu quero dizer com o mundo. Não estamos nos referindo a todos os homens que há no mundo; nunca tivemos tal intenção. Vou lhes dizer como Cristo redimiu o mundo. Com a queda de Adão, Deus amaldiçoou o mundo com esterilidade. “Ela (a terra) produzirá também cardos e abrolhos, e tu comerás a erva do campo.” (Gênesis 3:18). Deus amaldiçoou a terra. Quando Cristo veio ao mundo, uma coroa dos espinhos amaldiçoados foi colocada em Sua cabeça e Ele foi feito rei da maldição. E, naquele dia, Ele comprou a redenção do mundo da sua maldição. É nisto que eu creio; e acredito que, com base na Escritura, quando Cristo voltar, este mundo se tornará, em todos os lugares, tão fértil quanto o jardim do Paraíso costumava ser. Creio que o próprio deserto do Saara um dia florescerá como o Sarom e se alegrará como o jardim do Senhor. Não consigo imaginar que este pobre mundo seja um errante planetário perdido para sempre. Creio que a Terra ainda será verdejante como antes. Temos evidências nas camadas de carvão abaixo da terra de que este mundo já foi muito mais fértil do que é agora. Outrora, árvores gigantescas abriam seus braços poderosos e eu quase diria que apenas um braço de uma daquelas árvores poderia construir metade de uma floresta para nós hoje. Naquele tempo, poderosas criaturas, muito diferentes das nossas, espreitavam pela terra; e creio firmemente que uma vegetação luxuriante, como este mundo já conheceu, será restaurada para nós, e veremos novamente um jardim tal como aquele que não conhecemos. Não mais amaldiçoada com ferrugem e mofo, ou com explosões e destruições, veremos uma terra como o próprio céu —

“Onde a primavera é eterna
E as flores não murcham”.
Quando Cristo voltar, Ele fará exatamente isso.

Em geral, acredita-se também que foi no dia da queda que os animais se tornaram ferozes e começaram a atacar uns aos outros, mas disso não temos certeza. No entanto, se leio corretamente a Escritura, encontro que o leão se deitará junto ao cabrito e o leopardo comerá palha como o boi, e uma criancinha meterá a mão na toca do basilisco (Isaías 11.6-7). Eu realmente acredito que no futuro milênio, que virá em breve, não haverá mais leões devoradores, tigres sedentos de sangue ou criaturas que devoram a sua própria espécie. Deus restaurará, até mesmo os animais do campo, todas as bênçãos que foram perdidas em Adão.

E mais, há também uma maldição pior do que a que recaiu sobre este mundo. É a maldição da ignorância e do pecado: ela também deve ser removida. Vês aquele planeta? Ele rodopia pelo espaço — brilhante e glorioso. Ouves as estrelas cantando por causa da sua nova irmã? Aquela é a terra; agora ela brilha. Pare! Viste a sombra que a atravessa? O que a causou? O planeta está obscurecido e sobre sua face paira uma sombra dolorosa. Falo metaforicamente, é claro. Olha lá o planeta; ele desliza pela noite afora; só um pontinho de luz. Observa outra vez, ainda não chegou o dia em que sua glória será renovada, mas está vindo depressa. Assim como a serpente solta sua pele e a deixa para trás lá no vale, esse planeta também deixa para trás suas nuvens e resplandece como antes. Quem fez isso? Quem afastou a névoa? Quem retirou a escuridão? Quem removeu as nuvens? “Fui eu”, diz Cristo, o sol da justiça, “Eu dispersei a escuridão e fiz o mundo resplandecer novamente”. Eis que vejo um novo céu e uma nova terra, onde habita a justiça. Deixem-me explicar o que quero dizer, para não ser mal interpretado. Este mundo agora está coberto de pecado, ignorância, engano, idolatria e crime. Mas vem o dia em que a última gota de sangue será bebida pela espada; ele não será mais intoxicado com sangue; Deus fará cessar as guerras até as extremidades da terra. Está chegando o dia — ó, tomara fosse hoje! — em que os pés de Cristo pisarão a terra. Então os ídolos serão lançados de seus tronos e as superstições de seus pináculos; a escravidão cessará e os crimes passarão. E a paz estenderá suas asas pelo mundo afora e todos saberão que Cristo morreu pelo mundo e que Ele o venceu. “Porque”, diz Paulo, “sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora.” (Romanos 8:22). Aguardando o quê? Aguardando a redenção, e, por redenção, entendo exatamente o que acabei de lhes explicar, que este mundo será lavado de todos os seus pecados; sua maldição será retirada e suas manchas removidas. E este mundo será tão belo como quando Deus o esboçou pela primeira vez em Sua mente; como quando, como uma faísca brilhante, ele foi lançado pelo golpe do martelo eterno em sua órbita. Isso, com certeza, Cristo fará.

II. E agora, uma palavra ou duas sobre o último ponto — “COPIOSA REDENÇÃO”.

É copiosa o suficiente se considerarmos o que já lhes disse a respeito do que Cristo comprou. É claro que eu não poderia torná-la mais copiosa se tivesse mentido contra minha consciência e dito que Ele comprou todos os homens; pois de que adianta eu ser comprado com sangue, se continuo perdido? De que me serve Cristo ter morrido por mim, se continuo mergulhado nas chamas do inferno? Como glorificará a Cristo Ele ter me redimido, mas falhado em Seu propósito? Certamente é mais honroso para Ele, crer que, de acordo com a Sua vontade imutável, soberana e onisciente, Ele lançou os alicerces tão fundo quanto pretendia que fosse a estrutura e então fez tudo exatamente conforme a Sua vontade. No entanto, a “redenção é copiosa”. Brevemente, então, emprestem-me seus ouvidos por alguns instantes.

É “copiosa” quando consideramos os milhões que são redimidos. Pense, se puder, em como é grande a hoste dos que já “lavaram suas vestiduras e as alvejaram no sangue do Cordeiro” (Apocalipse 7:14); depois pense em quantos agora, com os pés cansados, estão trilhando o caminho para o Paraíso, todos redimidos. Todos eles se sentarão à mesa das bodas do Cordeiro. Não é uma “copiosa redenção” se pensarmos na “grande multidão que ninguém pode contar” que lá estará reunida? Encerramos dizendo: “E quanto a você?” Se tantos são redimidos, por que você não haveria de ser? Por que não haveria de buscar misericórdia, sabendo que quem busca encontra, pois não teria buscado a menos que estivesse preparado para isso?

É “copiosa” também se considerarmos os pecados de todos aqueles que são redimidos. Por maiores que sejam os pecados de uma alma redimida, esta redenção é suficiente para cobrir todos eles — para lavar todos eles

Por mais que seus pecados excedam
Todas as estrelas do céu
Apontando para o trono eterno
Como os picos das grandes montanhas

Ainda assim esta copiosa redenção pode remover todos eles. Eles não são maiores do que Cristo anteviu e prometeu remover. Portanto, eu imploro, corram para Jesus, crendo que, por maior que seja a culpa que carregam, Sua expiação é grande o suficiente para todos os que vão a Ele e, por isso, vocês podem ir em segurança.

Lembrem-se mais uma vez de que esta “copiosa redenção” é copiosa porque é suficiente para todas as angústias de todos os santos. As carências dos santos são quase infinitas, mas a expiação de Cristo é realmente infinita. Seus problemas são quase indizíveis, mas essa expiação é totalmente inexprimível. Você mal pode contar todas as suas necessidades, mas sobre essa redenção eu sei que você não pode contar. Creia, então, que é uma “copiosa redenção”. Ó pecador crente, quão doce é saber que há uma “copiosa redenção”, e você tem parte nela. Com toda certeza você será levado para casa em segurança, pela graça de Jesus. Você está buscando a Cristo? Ou melhor, você reconhece que é um pecador? Se sim, eu tenho a autoridade de Deus para dizer a todo aquele que confessar seus pecados que Cristo o redimiu. “Fiel é a palavra e digna de toda aceitação: que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal.” (1 Timóteo 1:15). Você é um pecador? Não quero dizer um pecador fingido; há uma porção desses por aí e, neste momento, não tenho evangelho para pregar a eles. Não me refiro aos pecadores hipócritas que gritam: “Sim, sou pecador” — como se fosse um elogio, mas que realmente não querem dizer isso. A esses pregarei outra coisa: em outro momento pregarei contra a sua justiça própria; mas agora não falarei nada sobre Cristo, pois Ele “Não veio chamar justos, e sim pecadores, ao arrependimento.” (Lucas 5:32). Mas, e você, você é um pecador, no sentido fidedigno da palavra? Você reconhece que está perdido, arruinado e sem esperança? Se reconhece, em nome de Deus eu lhe rogo que creia nisto: Cristo morreu para salvá-lo; pois, tão certo quanto Ele lhe revelou a sua culpa por meio do Espírito Santo, Ele não o deixará até lhe revelar o Seu perdão por Seu único Filho. Se você reconhece seu estado de perdição, em breve você conhecerá o seu estado glorioso. Crê em Jesus agora; então serás salvo e irás embora feliz — muito mais que reis poderiam sonhar. Crê que, sendo tu um pecador, Cristo te redimiu — justamente porque reconheces teu estado de perdição, culpa e ruína, tens nesta noite o direito e o privilégio de se banhar na fonte cheia do sangue “derramado por muitos para remissão dos pecados”. Crê nisso e, então, saberás o significado deste texto: “Portanto, justificado pela fé, temos paz com Deus, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo, pelo qual também temos recebido a justificação” (Rm 5.1-2). Que o Senhor te despeça com a Sua bênção, em nome de Jesus!

Tradução e revisão: Mariza Regina de Souza

NT1 — para melhor compreensão da ilustração de Spurgeon, ver artigos sobre os corsários e o tráfico de europeus

NT2 — Salt Lake City, cidade dos Estados Unidos fundada pelos mórmons em 1847

NT3 — na época de Spurgeon acreditava-se que os olhos possuíam uma espécie de tendão ocular que se rompia no momento da morte ou quando a pessoa ficava cega — “eyestring: tendons formerly believed to be present in the eye and to break at the onset of death or blindness” (https://www.collinsdictionary.com/pt/dictionary/english/eyestrings).

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