segunda-feira, 31 de julho de 2017

31 de julho - Devocional Vespertina

Quanto aos cantores… de dia e de noite, estavam ocupados no seu mister. (1Cr 9.33)
Ora, fora ordenado no templo que o cântico sagrado jamais cessasse: continuamente os cantores entoavam louvores ao Senhor, cuja misericórdia dura para sempre. Da mesma forma que a misericórdia de Deus não cessa, nem de dia nem de noite, a música também não podia silenciar seu santo ministério. Meu coração, o incessante cântico do templo de Sião te ensina uma doce lição: és também um devedor constante; cuida, pois, para que nunca te falte gratidão e amor. No céu, que deve ser a tua morada final, o louvor do Senhor é constante; aprende, então, a praticar os aleluias eternos. Ao redor da terra, enquanto o sol dispersa sua luz, seus raios despertam os crentes agradecidos para entoar o hino da manhã, de modo que o louvor perpétuo do sacerdócio dos santos seja contínuo em todas as horas, envolvendo o globo num manto de ações de graças e cingindo-o com um cinturão dourado de cânticos.
O Senhor merece sempre ser louvado por aquilo que Ele é, pelas Suas obras na criação e pelo Seu cuidado, pela Sua bondade para com Suas criaturas e, especialmente, pelo transcendente ato da redenção, e todas as maravilhosas bênçãos que dela fluem. É sempre bom louvar o Senhor; anima o dia e ilumina a noite; mitiga o labor e alivia a tristeza; e sobre a alegria terrena derrama um brilho santificador que a torna menos propensa a nos cegar com seu clarão. Será que não temos algo sobre o que cantar neste momento? Será que não é possível entrelaçar numa canção as nossas alegrias presentes, os nossos livramentos passados, ou nossas esperanças futuras? No verão, a terra dá os seus frutos: o feno é estocado, os grãos maduros atraem a foice e o sol se demora sobre a terra frutífera, encurtando o intervalo de sombra para que prolonguemos nossas horas de devoção. Pelo amor de Jesus, mexa-se e feche o dia com um salmo de santa alegria.

Tradução e revisão: Mariza Regina de Souza


A Primeira Vitória de Davi

Sermão nº 2913
Publicado em 8 de dezembro de 1904 (quinta-feira)
Ministrado por
C. H. SPURGEON
No Tabernáculo Metropolitano, Newington, Londres.

“Assim, prevaleceu Davi contra o filisteu, com uma funda e com uma pedra, e o feriu, e o matou; porém não havia espada na mão de Davi” —1 Samuel 17.50.
Por conveniência, selecionei apenas um versículo, mas vou usar toda a narrativa do capítulo 17 em minha exposição. Portanto, uma leitura de todo o capítulo valerá a pena. Se vocês conhecem bem a história, não precisaremos de prefácio ou preâmbulo. Portanto, vamos falar de Davi, do seu confronto com Golias e da sua vitória sobre ele, primeiramente como um tipo de nosso Senhor Jesus Cristo e, depois, como um exemplo para nós mesmos. Como Davi é um tipo do cabeça que sempre se relaciona com seus membros, e como os membros do corpo místico de Cristo são, e serão ainda mais, semelhantes a Ele. Enfim, esta é a ideia que iremos seguir nesta meditação.
1.  Vamos começar chamando sua atenção para o fato de que Davi ERA UM TIPO DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO.
Os primeiros pais da igreja foram muito bons em mostrar analogias tipológicas. Na verdade, foram tão a fundo em suas exposições, e tão minuciosos nos detalhes, que acabaram indo longe demais e caindo em trivialidades. Orígenes, por exemplo, excedeu notavelmente o que pode ser considerada uma sábia interpretação, dando significados espirituais a registros literais. Outros ainda, tentando superar o mestre do misticismo, logo causaram muito prejuízo à igreja de Deus, levando preciosas verdades a um sério descrédito. O estudo dos tipos do Antigo Testamento quase não conseguiu recuperar seu lugar adequado na igreja cristã depois que esses homens piedosos, pelo seu zelo imprudente, o perverteram. No entanto, não podemos pensar que uma coisa boa deixe de ser boa só porque, em determinado momento, se transformou numa coisa ruim. Achamos que ela ainda pode ser usada de forma adequada e proveitosa. Dentro de certos limites, então — limites que supomos ter pouco perigo de cair nestes tempos mecânicos e sem poesia — os tipos e alegorias da Sagrada Escritura podem ser usados como um manual de instruções — um vade-mécum da sã doutrina.
Por consenso entre os cristãos evangélicos, David é visto como um notável tipo do Senhor Jesus Cristo. Sobre esta questão em particular, vamos observar primeiramente que, antes de lutar com Golias, Davi era ungido de Deus. Samuel tinha ido a Belém e derramado um chifre de azeite sobre sua cabeça. O paralelo logo nos vem à mente. Era assim que o Senhor descobria para Si aquele a quem escolhia dentre o povo. Ele o ungia com azeite sagrado. Sobre a cabeça de Saul, foi derramado um vaso de azeite — sobre a cabeça de Davi, um chifre cheio de azeite. Talvez a intenção fosse mostrar o contraste entre a brevidade e baixa reputação do reinado de Saul e a extensão, poder e excelência do reinado de Davi. Ou, se interpretado espiritualmente, pode significar que a lei, o antigo judaísmo do qual Saul é tipo, teve apenas certa medida de bênçãos, enquanto o evangelho, representado por Davi, é caracterizado por sua abundante plenitude. Jesus, o antítipo de Davi, é ungido com o óleo de alegria como nenhum de seus semelhantes. A graça e a verdade vieram por meio dEle. O Espírito não foi dado a Ele por medida. Davi foi ungido diversas vezes; foi ungido, como lemos no capítulo anterior, “no meio de seus irmãos”; foi ungido, como encontramos em 2 Samuel 2:4, por seus irmãos, os homens de Judá; e foi ungido novamente, como visto em 2 Samuel 5:3, por todos os anciãos de Israel. Não entraremos em detalhes agora, mas basta notar que nosso Senhor também era o ungido de Deus, é o ungido dos Seus santos e será o ungido de toda a igreja. O Espírito do Senhor estava sobre Ele e, foi no poder desse Espírito com O qual Ele foi ungido pelo Pai, que Ele saiu para lutar as grandes batalhas da Sua igreja. No Seu batismo, ao sair do Jordão, Ele foi ungido pelo Espírito, O qual repousou sobre Ele ao descer do céu como uma pomba; e logo Ele foi conduzido para o deserto e manteve aquele notável conflito de quarenta dias com Seu arqui-inimigo, o grande adversário da nossa alma. Suas batalhas foram no espírito e no poder do Altíssimo, pois o poder e a majestade do Espírito Eterno repousavam sobre Ele.
Vejam como a correspondência continua. Nosso Senhor foi enviado pelo Pai a seus irmãos. Assim como Davi foi enviado por Jessé a seus irmãos, com suprimentos e palavras de consolo, a fim de saber como estavam, na plenitude dos tempos nosso Senhor foi comissionado para visitar Seus irmãos. Durante algum tempo, Ele permaneceu incógnito na casa de seu aparente pai, mas depois Ele se deu a conhecer e foi claramente reconhecido como O enviado de Deus, trazendo em Suas mãos inúmeras dádivas, vindo numa embaixada de amor e misericórdia de Deus àqueles a quem não Se envergonhou de chamar Seus irmãos. Lemos como Davi foi tratado. Seus irmãos não o receberam com amor. Eles reagiram à sua bondade natural com despropositada grosseria: eles o acusaram de coisas terríveis. Como essa resposta faz jus à maneira pela qual nosso Senhor, o Filho de David, foi maltratado! Ele veio para o que era Seu e os Seus não receberam. Embora Ele tenha vindo a eles com palavras de ternura, eles Lhe responderam com palavras de escárnio. Pelas Suas bênçãos, eles Lhe deram maldições; pelo pão do céu, Lhe deram pedras; e pelas graças do céu, Lhe deram a maldade da terra, as maldições do inferno! Nunca um irmão, “o primogênito entre muitos irmãos”, foi tão maltratado pelo restante da família. Com certeza, a parábola dos lavradores maus foi cumprida nEle. Sabemos que o proprietário da vinha disse: “A meu filho respeitarão”, mas eles disseram: “Este é o herdeiro; ora, vamos, matemo-lo e apoderemo-nos da sua herança”. Jesus foi maltratado por Seus irmãos, aos quais Ele veio abençoar. Davi, lembrem-se, respondeu a seus irmãos com brandura. Ele não retribuiu injúria por injúria, mas aguentou sua grosseria com educação. Nisto, ele nos dá um pálido retrato do nosso amado Mestre, O qual, quando ultrajado não revidou com ultraje. “Considerai, pois, atentamente, aquele que suportou tamanha oposição dos pecadores contra si mesmo” (Hb 12.3). Sua única reação, mesmo diante dos golpes que o levariam à morte, foi “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23.34). “e, como um de quem os homens escondem o rosto, era desprezado, e dele não fizemos caso” (Is 53.3). No entanto, apesar de tudo, nenhuma palavra de ira saiu de Seus lábios. Ele poderia ter dito: “Porventura, não há razão para isso?” Pouco, entretanto, Ele falou em Sua própria defesa; Ele preferiu cuidar da Sua obra com muito zelo, como se todos os que O vissem O aprovassem. Por isso, Davi, ao ser rejeitado por seus irmãos, tornou-se um tipo de Cristo.
Agora, observemos que Davi foi movido por um amor intenso pelo seu povo. Ele os viu sendo desafiados pelos filisteus. Quando percebeu o quanto seu espírito estava oprimido diante daqueles inimigos formidáveis, uma intensa indignação tomou conta da sua alma; mas quando ouviu os termos do desafio, sentiu que o próprio Deus de Israel tinha sido comprometido naquela disputa. O nome de Yahweh estava sendo desonrado! Aquele gigante blasfemo que perseguia as hostes de Israel estava desafiando o exército do Deus vivo! Não é de estranhar que o coração afetuoso e dedicado do jovem e bravo pastor foi movido com tanta força. A paixão de guerreiro incendiou seu peito ao som da voz profana daquele incircunciso filisteu que zombava da honra de Yahweh, o Deus dos céus e da terra! Outro motivo também estimulou a ambição patriótica de Davi. Como seu peito poderia deixar de arder com intensa emoção ao saber que quem vencesse e destruísse o filisteu se casaria com a filha do rei? Um prêmio como esse poderia muito bem despertar seu ardor. E com todos esses incentivos, sua decisão de ir e enfrentar o campeão filisteu foi firme e imediata. Ora, em todas essas coisas ele prefigurou claramente nosso Senhor Jesus Cristo. Jesus amava os Seus: Ele sempre esteve pronto a dar Sua vida pelas ovelhas. Mas, Ele também amava o Pai: “Não sabíeis”, disse Ele, “que me cumpria estar na casa de meu Pai?” (Lc 2.49). “O zelo da tua casa me consumirá” (Jo 2.17). E, então, teve diante de Si a alegria proposta de receber a igreja por esposa; a qual com risco, para não dizer com o preço da Sua vida, deveria obter; Ele veria o fruto do penoso trabalho da Sua alma nela e ficaria satisfeito (Is 53.11). Ela deveria ser elevada à Sua realeza e partilhar da Sua coroa e do Seu trono. A nova Jerusalém, a mãe de todos nós, deveria ser para Jesus o dom de Deus como recompensa; e isso O inspirou; e por isso, Ele saiu e lutou por nós. Vamos fazer uma pausa e bendizer o Seu nome, porque Ele sempre amou o povo e Seus santos sempre estiveram em Suas mãos. Vamos bendizê-lO porque o zelo da casa de Deus O consumiu; e por que Ele Se entregou totalmente à Sua grande obra. Acima de tudo, com humildade e gratidão, vamos bendizê-lO porque Ele nos amou e Se entregou por nós. Como parte da Sua igreja, com a qual Ele contraiu núpcias para sempre, temos participação em tudo o que Ele fez. Foi por nós que Ele entrou na batalha, foi por nós que Ele obteve a vitória; foi por nós que Ele entrou na glória. E Ele voltará, em breve, para nos levar para ver essa glória, e para estar com Ele onde Ele está. Embora vejamos o tipo em Davi, precisamos ter cuidado para não nos esquecer de adorar o próprio Jesus, que é aqui refletido para melhor compreensão da nossa salvação.
Na realidade, eu poderia dar muitos outros detalhes nos quais Davi também foi um tipo de nosso Senhor. Toda a narrativa é cheia de particularidades que nos dão muitos pontos de analogia. No entanto, há uma coisa em especial que eu gostaria que vocês observassem.
Em hebraico, Golias não é chamado de “campeão”, como lemos em inglês (em português, “guerreiro”, “duelista e “herói” — ARA; “guerreiro” — ARC e NVI), mas de intermediário, o mediador. Quando repassamos a cena em nossa mente, vemos como essa palavra se encaixa no contexto. De um lado, estão as hostes dos filisteus, do outro, as de Israel. Há um vale entre elas. Golias diz: “Vou representar os filisteus. Sou seu intermediário. Em vez de todos os soldados virem para a batalha, venho como representante da minha nação — o mediador. Escolham também um mediador que venha e me enfrente. Ao invés da batalha ser entre os soldados dos dois exércitos, que o embate seja decidido num duelo mortal por um representante de cada lado”. Ora, foi exatamente assim que o Senhor Jesus lutou as batalhas do Seu povo. Nós caímos representativamente no primeiro Adão, e nossa salvação veio por outro representante — o segundo Adão. Ele é o intermediário, o “único Mediador entre Deus e os homens”. Em Seu amor por nós, e em Seu zelo pela glória de Deus, podemos vê-lO caminhando para o meio da arena que divide os campos do bem e do mal, de Deus e do diabo, e ali, encarando o desafiante adversário, Ele se prepara para pelejar em nosso nome e em nosso favor. Se realmente somos o Seu povo, que Ele decida por nós a disputa que jamais poderíamos decidir. Sem dúvida alguma, se fôssemos pessoalmente, seríamos totalmente aniquilados. Entretanto, Seu braço sozinho é suficiente para obter a vitória por nós, e encerrar de uma vez por todas os conflitos entre céu e inferno. 
Observem também nosso jovem guerreiro quando ele se dirige para a luta. O filho de Jessé rejeitou as armas com que Saul tentou equipá-lo: ele colocou o capacete e a armadura, e ao tentar cingir a espada, disse: “Não posso andar com isto, pois nunca o usei”. Da mesma forma, o Filho de Davi também renunciou a todas as armas terrenas. Teriam levado nosso Senhor à força para fazê-lO rei, mas Ele disse: “Meu reino não é deste mundo”. Ao Seu comando, espadas em número suficiente teriam saltado das suas bainhas. Não somente Pedro, cuja espada se apressou a decepar a orelha de Malco, mas muitos zelotes teriam ficariam felizes em seguir a estrela de Jesus de Nazaré como nos tempos antigos. E, tempos depois, muitas vezes os judeus seguiram impostores que se declararam comissionados pelo Altíssimo para sua libertação. No entanto, Jesus disse: “Embainha a tua espada; pois todos os que lançam mão da espada à espada perecerão” (Mt 26.52). Uma das tentações no deserto não foi só que Jesus teria todos os reinos do mundo, mas que os teria usando os meios sugeridos por Satanás. Ele deveria Se prostrar e adorá-lo: Ele devia usar armas carnais, o equivaleria a adorá-lo. Jesus não cedeu. Até hoje, Sua grande batalha com os poderes das trevas não é com capacete e espada, mas com pedras lisas do riacho. A pregação simples do evangelho, realizada em nosso meio com o cajado de pastor do grande Cabeça da igreja. É isso o que abate Golias e o abaterá até o último dia. É pura vaidade a igreja pensar que será vitoriosa com riquezas, posição ou autoridade civil. Nenhum governo a ajudará. Ela deve olhar somente para o poder de Deus. “Não por força nem por poder, mas pelo meu Espírito, diz o SENHOR dos Exércitos” (Zc 4.6). Feliz será a igreja quando aprender esta lição. A pregação da cruz, que “é loucura para os que se perdem”, é, para os que creem em Cristo, “poder de Deus e sabedoria de Deus”.
Vejam, portanto, nosso glorioso campeão indo para o combate com as armas da sua escolha, desprezando aquelas usadas pela sabedoria humana, pois não pareciam adequadas ao seu trabalho. No entanto, ele foi com grande força e poder, pois foi em nome de Deus. “Tu vens contra mim”, disse Davi, “com espada, e com lança, e com escudo; eu, porém, vou contra ti em nome do SENHOR dos Exércitos” (1Sm 17.45). Tal é também a influência poderosa que torna o evangelho onipotente. Cristo é a propiciação de Deus. “A quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação” (Rm 3.25). Cristo é designado por Deus, ungido de Deus, enviado de Deus. E o evangelho é a mensagem de Deus, assistida pelo Espírito de Deus. Se assim não for, então, é fraco como a água — e vai falhar. No entanto, uma vez que o Senhor o enviou, e prometeu abençoá-lo, podemos ter certeza de que ele cumprirá aquilo para o que foi ordenado. “Vou contra ti em nome do SENHOR dos Exércitos”! Estas palavras poderiam servir de moto a todos que são enviados de Cristo e O representam na terrível batalha pelas almas preciosas. Este foi o lema de Cristo, quando, por amor a nós e em nosso favor, Ele veio lutar contra o pecado, suportar a ira de Deus e vencer a morte e o inferno! Ele veio em nome de Deus.
Observem também que Davi feriu Golias, e o feriu pra valer, não no quadril, na mão ou no pé, mas numa parte vital. Ele o feriu na testa da sua presunção, na fronte do seu orgulho. Suponho que Golias tenha levantado o visor do capacete para dar uma olhada em seu ridículo oponente, quando a pedra, que levou para sempre sua alma infame, o acertou em cheio. Da mesma forma, quando nosso Senhor Se apresentou para lutar contra o pecado, Ele lançou Seu sacrifício expiatório como uma pedra que o feriu, e a todos os seus poderes malignos, bem na testa. Portanto, glória seja a Deus, pois o pecado está morto. Não está simplesmente machucado, está morto pelo poder de Jesus Cristo.
Lembrem-se ainda que Davi cortou a cabeça de Golias com sua própria espada. Agostinho, em seu comentário desta passagem, relembra muito bem que o triunfo de nosso Salvador Jesus Cristo é demonstrado na história de Davi.  Ele, “por sua morte, destruiu aquele que tem o poder da morte, a saber, o diabo” (Hb 2.14). “E a morte, morrendo, foi morta” — a cabeça do gigante foi decepada com sua própria espada. A cruz, que devia significar a morte do Salvador, foi a morte do pecado. A crucificação de Jesus, que era a consumação da vitória de Satanás, foi a consumação da vitória sobre Satanás. Eis que hoje vemos, na mão triunfante do nosso Herói, a cabeça macilenta do monstro pecado, pingando gotas de sangue. Vejam o monstro, vocês que já estiveram sob a sua tirania. Vejam as terríveis feições do gigantesco e hediondo tirano. Seu Senhor destruiu o inimigo. Seus pecados estão mortos; Ele os destruiu. O Seu próprio braço, sozinho e sem ajuda, destruiu o inimigo gigantesco. “O aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei. Graças a Deus, que nos dá a vitória por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo” (1Co 15.56-57). Bendito e engrandecido seja o Seu santo nome. E quando Davi conquistou a vitória sobre Golias, foi recebido pelas donzelas de Israel, que saíram e cantaram em versos responsivos, junto com a música de seus tambores: “Saul feriu os seus milhares, porém Davi, os seus dez milhares”. Assim, ele teve seu triunfo. Enquanto isso, as hostes de Israel, vendo que o gigante filisteu estava morto, tomaram coragem e se precipitaram contra o adversário. Os filisteus ficaram apavorados e fugiram, e todos os israelitas naquele dia se tornaram vencedores pela vitória de Davi. Eles foram mais que vencedores, por meio daquele que os amou e lhes deu a vitória (Rm 8.37). Agora, então, vamos pensar em nós mesmos como vencedores. Nosso Senhor conquistou a vitória. Ele foi para a Sua glória. Os anjos O encontraram no caminho. Eles disseram: “Levantai, ó portas, as vossas cabeças; levantai-vos, ó portais eternos, para que entre o Rei da Glória”. E aqueles que estavam com Ele responderam è pergunta: “Quem é o Rei da Glória?”, dizendo: “O SENHOR, forte e poderoso, o SENHOR, poderoso nas batalhas. O SENHOR dos Exércitos, ele é o Rei da Glória” (Sl 24). E, nesse dia, até o crente mais fraco triunfa em Cristo. Embora devêssemos ter sido abatidos e não tivéssemos esperança de vitória — ainda assim, agora, por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor, perseguimos nossos inimigos; calcamos aos pés o pecado e vamos de força em força por meio da Sua vitória. Temos muita coisa a considerar sobre este ponto. Vocês irão refletir sobre isso? É melhor em não dizer tudo. Vocês mesmos poderão encontrar muitas analogias. Eu lhes dei apenas um rabisco — um esboço. Pensem com cuidado e verão que é um ótimo estudo e uma meditação valiosa.
2.   Brevemente, vamos agora nos voltar para Davi como UM EXEMPLO PARA TODOS OS CRENTES EM CRISTO.
Acima de tudo, caros irmãos e irmãs, é necessário considerar que, se formos fazer qualquer coisa para Deus e para Sua igreja, precisamos ser ungidos com óleo santo. Ah, quanta vaidade seria se fôssemos crescer em zelo com algum tipo de fanatismo carnal, tentando grandes coisas por mera presunção; seria um tremendo fracasso! A menos que o Espírito de Deus esteja sobre nós, não temos força interna nem meios externos nos quais confiar. Esperem no Senhor, amados, e busquem força somente nEle. Não pode sair de nós aquilo que não nos foi colocado. Precisamos receber para dar. Lembrem-se do que disse nosso Senhor: “a água que eu lhe der será nele uma fonte a jorrar para a vida eterna” (Jo 4.14). E novamente, em outro lugar: “Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva” (Jo 7.38).
Não podemos fazer o trabalho de Davi se não tivermos a unção de Davi. Quando nos lembramos de que o Mestre Divino esperou pela unção celestial, não podemos esperar fazer qualquer coisa sem ela. Não sejamos tolos. Cristo não deu início às suas ministrações públicas até o Espírito de Deus repousar sobre Ele. Os apóstolos esperaram em Jerusalém e não saíram para pregar até que do alto lhes foi concedido poder. O ponto principal, o pré-requisito, a condição sine qua non é ter esse poder. Ah! Pregar nesse poder; orar nesse poder; buscar as almas perdidas nesse poder. O trabalho da Escola Dominical, o trabalho missionário em casa, a forma de ministrar à noite para Cristo, tudo precisa ser feito nesse poder. Ajoelhai-vos. Chegai-vos à cruz. Colocai-vos aos pés do Mestre. Sentai-vos e aguardai com fé e esperança até que Ele vos dê a força que vos qualificará para fazer o trabalho do Mestre, do jeito do Mestre, para o louvor do Mestre.
Davi também se apresenta para nós como um exemplo do fato de que a oportunidade virá, se nos for concedida capacidade, sem que tenhamos de correr atrás dela. Davi foi ao campo. O lugar que ele devia ocupar estava preparado, e ele foi providencialmente chamado para preenchê-lo como um grande homem de Israel. Quando foi levar o pão, o milho e o queijo, ele mal imaginava que logo seria o homem mais importante da Palestina. Sim, foi assim mesmo. Amados, não tenham pressa em buscar um lugar ao sol. Estejam prontos para ele e ele irá até vocês. Falo a muitos jovens queridos que estão estudando para o ministério. Estejam preparados para qualquer trabalho em vez de procurar algum trabalho específico. Deus tem um cantinho para vocês. Dobrem seus joelhos: dependam disso. Estejam prontos, essa é a sua parte. Afiem suas ferramentas e saibam como manejá-las. O lugar irá até vocês, o melhor lugar, se não estiverem ocupados com coisas que lhes agradem; depois vocês verão que são vasos adequados para o uso do Mestre. Davi encontrou sua oportunidade. Primeiro ele recebeu o Espírito, que é o principal, depois encontrou a oportunidade que apelava para suas credenciais.
De acordo com o exemplo de Davi, concluo que, quando sentimos o chamado para fazer alguma coisa para Deus, e para Sua igreja, não precisamos esperar até que aqueles a quem estamos subordinados concordem conosco quanto à conveniência de começar ou não o serviço. Se Davi tivesse dito: “Bem, vou esperar até Eliabe, Abinadabe e Samá, meus irmãos mais velhos, concordarem totalmente quanto a eu ser o homem certo para enfrentar Golias”, tenho a impressão de que ele nunca o teria enfrentado. É preciso ter muito apreço pela opinião dos mais velhos, mas é preciso ter ainda mais respeito pela ação do Espírito de Deus em nosso coração. Gostaria que os cristãos demonstrassem mais consideração pelas admoestações de Deus do que temos visto nestes últimos tempos. Se há algum intento no teu coração, ou algum dever te pesa na consciência, homem, obedece-o; age, embora ninguém mais o perceba ou te encoraje a fazê-lo. Mas Deus te mostrou o Seu desígnio e, por tua conta, ocultaste o pressentimento ou deixaste de fazê-lo. O quê? Com temor de Deus no nosso coração e Sua comissão em nossas mãos, vamos parar, hesitar e nos tornar servos dos homens? Prefiro morrer a subir neste púlpito e pedir permissão a vocês, ou consentimento a qualquer pessoa, quanto ao que devo pregar. Deus fala, pelo Seu Espírito, o que Ele tem a me dizer; e, com o auxílio do Seu bom Espírito, eu digo a vocês aquilo que ouvi Dele mesmo. Que esta língua se cale se ela se tornar serva de homens! Davi tinha isso em mente. Ele sentia que alguma coisa tinha de ser feita e, embora ouvisse o que os outros tinham a dizer, eles não eram seus mentores. Ele servia ao Deus vivo e ia cuidar daquilo que lhe tinha sido confiado, sem ser intimidado pela opinião dos outros a seu respeito. Aquele que fala por Deus deve falar honestamente. Que os outros o critiquem e separem o joio do trigo. Ele deve esperar por isso. No entanto, quanto a si mesmo, ele deve lhes entregar o puro trigo da forma como crê, sem temer qualquer pessoa, a menos que queira estar sob a condenação do Deus do céu. Vai, meu irmão, e cuida do que tens a fazer, se Deus te deu para fazer. Se te critico, qual o problema? Sou apenas um homem. Ou, se todos aqueles, com quem queres ficar bem, se voltam contra ti com suspeitas e críticas mordazes, que são eles? São apenas homens, tua única lealdade é para com Deus. Vai e cuida do trabalho do Mestre, como fez Davi, com intrepidez e coragem, mas com modéstia. No entanto, o servo mau, depois de receber as ordens do Mestre, deixa-as por fazer e se justifica, dizendo: “Encontrei um dos meus amigos e ele me disse que achava que eu estava sendo ousado demais, por isso, achei melhor não fazer”. Para o teu próprio Mestre ficarás em pé ou cairás. Cuida para que estejas bem com Ele.
Aprenda, ainda, com Davi a responder com calma àqueles que rudemente o afastam do seu trabalho. Normalmente é melhor nem responder. Creio que Davi não respondeu tão bem por palavras quanto o fez por obras. Sua conduta foi mais eloquente que suas palavras. Quando ele voltou do confronto, trazendo a cabeça do gigante, espero que Eliabe o tenha visto; e que Abinadabe e Samá tenham saído ao seu encontro. Se eles o fizeram, Davi poderia simplesmente ter levantado o troféu e deixado que aquele rosto assustador falasse por ele. Se não, é porque pensaram que, no final das contas, Davi foi por causa do seu orgulho ou da maldade de coração, ou por curiosidade infantil em ver a batalha. Mas eles devem ter percebido que ele foi para fazer o trabalho de Deus à sua maneira: que Deus o ajudou a obter a vitória, derrotar o inimigo e aliviar os temores de Israel; e que, por meio do homem a quem eles desprezaram, o Senhor tornou o Seu próprio nome glorioso.
Vamos aprender, mais uma vez, com o exemplo de Davi, sobre a prudência de usar armas já testadas. Muitas vezes ouço falar da improbabilidade de Davi matar o gigante com uma pedra. Creio que quem fala isso não sabe do que está falando. Que projétil poderia ser mais útil ou mais adequado àquela ocasião? Se o sujeito era alto, só uma funda poderia lançar uma pedra alto o suficiente para atingi-lo; e se ele era forte, muito forte, a funda daria tal impulso à pedra que Davi poderia investir contra ele sem ficar ao seu alcance. A funda era a melhor arma que ele poderia ter usado. Se os antigos pastores do Oriente eram iguais aos da nossa época, deviam ter muita prática, sendo peritos em lançar pedras. Esses pastores passam muito tempo a sós, ou com seus companheiros, praticando com a funda. Em geral, essa é a melhor arma para proteger as ovelhas em lugares ermos. Não duvido que Davi tenha aprendido a lançar uma pedra com a funda contra um alvo da espessura de um fio de cabelo, sem errá-lo. Quanto à espada, ele nunca teve uma em toda a sua vida; pois “não se achava nem espada, nem lança na mão de nenhum do povo que estava com Saul e com Jônatas; porém se achavam com Saul e com Jônatas, seu filho” (1Sm 13.22). Isso está escrito no capítulo treze. Os filisteus tinham desarmado de tal modo a população de Israel, que ninguém tinha esse tipo de arma. Por isso, Davi não poderia estar familiarizado com seu uso. E quanto à couraça, era um equipamento pesado, desconfortável e incômodo — e o que me fascina é como os antigos cavaleiros faziam alguma coisa com aquilo. Não é de admirar que Davi a tenha tirado de si. Ele se sentia mais confortável com suas vestes de pastor. É óbvio que não estamos sugerindo o uso de instrumentos inadequados. Não ensinamos nada tão romântico ou absurdo. Bom é usarmos as armas mais adequadas que pudermos encontrar. Quanto às pedrinhas tiradas do ribeiro, Davi não as pegou a esmo, ele as escolheu cuidadosamente, selecionando as mais lisas para que se ajustassem perfeitamente à sua funda — o tipo de pedra que ele achou mais conveniente ao seu propósito. Ele também não confiou na sua funda. Ele nos diz que confiou em Deus, mas quando saiu para a luta, sentiu como se a responsabilidade fosse sua. Errar o alvo provaria sua falta de jeito; acertá-lo, seria pela habilidade dada por Deus. Irmãos, essa é a verdadeira filosofia na vida cristã. Devemos fazer boas obras com tanto zelo como se fosse para sermos salvos por elas, e devemos confiar nos méritos de Cristo como se não tivéssemos feito absolutamente nada. Por isso, no serviço de Deus, embora trabalhemos como se o cumprimento da nossa missão dependesse de nós mesmos, precisamos entender claramente e acreditar firmemente que, no final das contas, todo o trabalho, do início ao fim, é de Deus. Sem Ele, tudo o que planejamos ou fazemos é inútil. Essa também foi a filosofia de Maomé quando alguém lhe disse: “Soltei meu camelo e confiei na providência”. Não, respondeu ele, “prenda seu camelo e, então, confie na providência”. Faça o melhor que puder e confie em Deus. Deus nunca disse que ter fé nEle seria sinônimo de preguiça. Ora, se a questão é essa, se tudo é obra de Deus, e se essa deve ser a nossa única consideração, Davi não tinha necessidade de uma funda. Sim, ele não precisava de nada. Ele podia voltar, deitar-se no meio do campo e dizer: “Deus, fará o Seu trabalho. Ele não precisa de mim”. É assim que os fatalistas falam, mas não é assim que os crentes em Deus devem agir. Os crentes dizem: “Deus quer, então vou fazer”, não o contrário, “Deus faz, por isso não tenho nada pra fazer”. Não, muito pelo contrário, “Porque Deus trabalha por mim, então vou trabalhar pela Sua boa mão sobre mim. É Ele quem dá força a este pobre servo, e faz uso de mim como Seu instrumento, pois, sem Ele, não sirvo para nada. Agora vou entrar na batalha com entusiasmo e vou usar minha funda da melhor forma possível, mirando com calma e tranquilidade a testa do monstro, pois creio que Deus vai guiar a pedra e realizar o Seu propósito”. Quando nos dispomos ao serviço de Deus, devemos fazer o melhor possível; dedicando ao nosso trabalho toda a nossa força e energia, com toda habilidade e discernimento. Nunca diga: “Serve qualquer coisa. Deus pode abençoar minha incapacidade, assim como minha competência”. É claro que pode, mas, com certeza, não vai. Cuide para fazer o melhor possível. David, quando já era velho e mais experiente, não quis oferecer a Deus o que não lhe custaria nada. Não tente prestar a Deus um serviço desleixado, dizendo a si mesmo que Ele vai abençoá-lo. Ele até pode abençoar, mas não é assim que Ele costuma agir. Embora muitas vezes Ele empregue ferramentas rudimentares, Ele costuma moldá-las e poli-las antes de usá-las. No Novo Testamento, Ele converteu homens brutos em ministros capazes. Não pense, no entanto, que Sua graça seja desculpa para sua imprudência. Por isso, vá com instrumentos que você já experimentou. Quando algum de vocês, trabalhadores da obra, tentar pregar o evangelho de Jesus Cristo, não tente usar os argumentos sutis que se costuma usar no combate aos infiéis. Com certeza, você vai se complicar. Eles irão se tornar um empecilho para você. Simplesmente diga a seus vizinhos e amigos o que sente e compreende da Palavra da Vida. Conte a eles as coisas que estão escritas nas Escrituras. Esses textos são pedras lisas que se ajustam à sua funda. Guardes estas coisas. Ora, hoje em dia, dizem que devemos pegar os argumentos criados pelos filósofos modernos, examiná-los, estudá-los e, no domingo de manhã e em outras ocasiões, contestá-los; que devemos usar a pesquisa histórica e o raciocínio lógico para refutar as calúnias dos infiéis. Ah! A armadura de Saul não serve para nós. Quem gosta dela que a use; mas, no final das contas, pregar a Cristo, e Ele crucificado — contar a velha história de amor eterno e do sangue que a selou, o caminho da redenção, a verdade da imutável graça de Deus — é para isso que servem aquelas pedras, e a funda que, com certeza, atingirá a cabeça do inimigo.
A seguir, observem que, uma vez começado o trabalho, Davi não parou até terminá-lo. Ele já tinha derrubado o gigante, mas não se deu por satisfeito até decepar sua cabeça. Gostaria que algumas pessoas a serviço de Cristo fossem tão eficientes quanto esse jovem voluntário. Você está ensinando o caminho da salvação a uma criança? Não pare até que ela seja arrolada no rol de membros. Está pregando fielmente o evangelho a um grupo de pessoas? Continue ensinando, aconselhando e encorajando até perceber que eles estão firmes na fé. Está refutando alguma heresia ou apontando algum vício, persiga o mal até que ele seja exterminado. Não basta matar o gigante, corte fora sua cabeça! Nunca faça o trabalho do Senhor pela metade! Nunca poupe, por piedade, qualquer instrumento do diabo. Maus hábitos e pecados renitentes devem ser destruídos com um golpe fatal. Mas não se contente só com isso. Não permita que recobrem suas forças. Com humilde e sincera determinação, com confiança em Deus e ódio pelo inimigo, cuide para que a cabeça do pecado seja decepada do mesmo modo que a pedra se encravou na sua testa. Fazendo assim, você pode encontrar uma ajuda com a qual não contava. Você não tem uma espada: não quer que ela o atrapalhe, assim como Davi não tinha espada, pois Golias portava uma com ele, a qual serviu muito bem para a sua própria execução. Sempre que você serve o Senhor, você luta contra o erro: lembre-se que cada erro carrega a espada com a qual será destruído. Para defender a causa da verdade, não precisamos nos surpreender se a luta for longa, mas sempre podemos contar com o orgulho do adversário para se voltar contra ele e destruí-lo. O conflito será encurtado por si mesmo. Quando as nações invasoras de Israel dependiam principalmente das alianças que haviam formado, muitas vezes acontecia de Israel ganhar o dia devido às desavenças entre moabitas e assírios. Com frequência fazia parte do plano de Deus que os adversários brigassem entre si e acabassem com a luta para o bem dos Seus servos. Vejam, a cabeça do gigante foi decepada com a espada dele mesmo. Que isso sirva de sinal para nós. Meus irmãos, não importa que sejamos minoria em algumas questões importantes, como sem dúvida somos. A pergunta é: você está certo? Está? O que é certo com certeza vencerá! A verdade está do seu lado? A Bíblia está do seu lado? Cristo está do seu lado? Bem, é possível que você faça parte de uma comunidade desprezada; talvez haja bem poucas pessoas ao seu lado. Mas não desista — não deixe que seu coração desanime. Se você não tem força para vencer o adversário, exceto aquela que é prometida por Deus, você tem mais que o suficiente. Bem ali, no campo do adversário, há uma armadilha que prestará socorro e auxílio à verdade, na qual talvez você não tenha pensado. O velho dragão aguilhoa a si mesmo até a morte. Como um vício consome as partes vitais de uma pessoa, o erro, com o passar do tempo, se torna o seu próprio destruidor. Muitas vezes, a verdade brilha mais intensamente pelo fato de um erro ter obscurecido o mundo com suas densas trevas. Então, siga em frente! Lute com frieza e coragem! Não se intimide com um rosto bonito, uma figura principesca ou o número de batalhas do seu oponente! Não deixe que suas palavras arrogantes o detenham. Clame a Yahweh, o Senhor dos Exércitos, e use, mesmo nas batalhas de Deus, as armas que você já testou e provou. No entanto, tome cuidado com o trabalho de Deus; faça-o direito, olhando para Jesus, o Autor e Consumador da nossa fé; e assim, amado, você pode esperar ir de força em força e dar glória a Deus.
Eu gostaria que todos aqui estivessem do lado Senhor, que todos fossem soldados de Cristo. Alguém aqui não está? Alguém está sentindo a pressão do pecado, mas gostaria de estar em paz com Deus, em comunhão com Jesus? Amado, Jesus nunca rejeitou aquele que se achega a Ele. Ninguém nunca disse que Seu sangue não seria capaz de limpar a alma mais imunda! Achegue-se a Ele. Você não pode Lhe dar maior alegria do que ir até Ele, confessando seus pecados e buscando Sua misericórdia. Ele quer ser gracioso. Ele derrota o pecado mas tem piedade dos pecadores. Ele está pronto a perdoá-lo. Ele é o inimigo de Golias, mas Se assenta no monte Sião, feliz em receber o mais vil pecador que se achega a Ele. Se você é o pior pecador que já existiu, ainda assim Ele é capaz de salvá-lo completamente. Se você não tem esperança, nem fé — se você sente como se uma sentença de morte pairasse sobre sua cabeça, seus temores não são um problema para os desígnios de Deus. Ele não fala as coisas amargas que você imaginou contra si mesmo. Preste atenção ao que Ele diz: “Deixe o perverso o seu caminho, o iníquo, os seus pensamentos; converta-se ao SENHOR, que se compadecerá dele, e volte-se para o nosso Deus, porque é rico em perdoar” (Is 55.7). Ah, estar ao lado de Cristo mantém o coração calmo e inflama a alma de alegria, apesar da dor que tortura os nervos e a vergonha que cora o nosso rosto! No entanto, estar do outro lado — ser inimigo de Jesus — é uma aflição que acaba com a alegria, um sentimento que pressagia a perdição futura. O futuro, o futuro, o futuro! Isso é o que mais se deve temer. "Beijai o Filho para que se não irrite, e não pereçais no caminho; porque dentro em pouco se lhe inflamará a ira. Bem-aventurados todos os que nele se refugiam” (Sl 2.12). Que o Senhor permita, a cada um de vocês, ser sábio no tempo oportuno, por amor do Seu nome! Amém.

Tradução e revisão: Mariza Regina de Souza

sexta-feira, 19 de maio de 2017

O Tabernáculo do Altíssimo




Sermão nº 267
Ministrado na manhã de domingo, 14 de agosto de 1859
pelo Rev. C. H. Spurgeon
no Music Hall, Royal Surrey Gardens



“No qual também vós juntamente estais sendo edificados para habitação de Deus no Espírito”. Efésios 2:22



Sob a VELHA dispensação mosaica, Deus tinha um lugar de habitação visível entre os homens. A brilhante shekinah era vista por entre as asas dos querubins que cobriam o propiciatório; e, durante a peregrinação de Israel no deserto e, tempos depois, no templo, quando eles já estavam estabelecidos em sua própria terra, havia uma manifestação visível da presença de Jeová no lugar dedicado ao Seu serviço. Ora, tudo o que estava sob a dispensação mosaica era apenas um tipo, uma figura, um símbolo de algo mais elevado e mais nobre. Aquela forma de adoração era, por assim dizer, uma série de sombras, das quais o evangelho é a essência. É muito triste, no entanto, que ainda hoje haja tanto judaísmo em nosso coração, que voltemos com tanta frequência aos pobres elementos da lei ao invés de seguir em frente, vendo neles tipos das coisas espirituais e celestiais às quais devemos aspirar. É deplorável que ainda ouçamos algumas pessoas falando assim. Seria melhor que elas abraçassem o credo judaico de uma vez por todas. Quero dizer, é lamentável ouvir o que algumas pessoas falam sobre os prédios onde prestamos culto. Lembro-me de certa vez ter ouvido um sermão sobre o seguinte texto: “Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá” (1 Coríntios 3:17). A primeira parte do sermão foi gasta com um anátema infantil contra qualquer um que se atrevesse a realizar um ato mundano dentro das dependências da igreja ou que, durante a feira da semana seguinte, apoiasse a trave da barraca nalguma parte do prédio, o qual, me pareceu, ser o deus do homem que ocupava o púlpito. Será que existe algum lugar como o Santo Lugar? Será que existe um local onde hoje Deus habite em particular? Não sei. Ouçam as palavras de Jesus: “podes crer-me que a hora vem, quando nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai… Mas vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores” (João 4:21, 23). Lembrem-se também das palavras do apóstolo em Atenas: “O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo ele Senhor do céu e da terra, não habita em santuários feitos por mãos humanas” (Atos 17:24).

       Quando as pessoas falam sobre lugares santos, parecem não saber como se expressar. Será que a santidade pode habitar em tijolos e cimento? Será que existe uma coisa como um campanário sagrado? Seria possível existir em algum lugar algo como uma janela moral ou um batente religioso? Fico espantado, realmente espantado, quando penso no quanto a mente de homens que imputam virtudes morais a tijolos e cimento, pedras e vitrais, está enganada. Digam-me, como esse tipo de consagração pode ser profunda, como pode ser sublime? Será que cada corvo acima deste prédio está voando em ar sagrado? Com certeza, tão irracional quanto isso é imaginar que os vermes que estão comendo o corpo de um anglicano no cemitério sejam vermes consagrados e que, devido a isso, uma parede de tijolos ou um caminho de pedras seja necessário para proteger os corpos dos santos dos vermes profanos que possam vir do lado dos dissidentes. Vou dizer novamente, esse tipo de infantilidade, tal como o papado ou o judaísmo, é uma vergonha para este século. No entanto, ainda assim, todos nós nos encontramos de tempos em tempos fazendo a mesma coisa. Sorrir diante disso nada mais é do que empurrar o problema com a barriga, um erro no qual podemos incorrer facilmente. Uma insensatez em que todos podemos cair. Nós sentimos certa reverência pelas capelas singelas, sem muita pompa; sentimos uma espécie de conforto quando estamos sentados num lugar que, de alguma forma, acreditamos ser sagrado. 
          Agora, se possível, e talvez seja preciso muita firmeza e mente aberta para isso — abandonemos de uma vez por todas qualquer ideia de santidade ligada a algo que não seja um agente ativo consciente; livremo-nos de todas as superstições que dizem respeito a lugares. Dependendo do que for, um local é tão santo quanto outro e, onde quer que encontremos corações sinceros cultuando reverentemente a Deus, naquele momento, o lugar se torna a casa de Deus. No entanto, mesmo gozando de grande conceito religioso, se o lugar não tiver um único coração consagrado, ali não é a casa de Deus; pode ser a casa de alguma religião, mas não a casa de Deus. “Mas, mesmo assim”, alguém pode dizer, “segundo o que senhor disse, Deus tem uma habitação, não é”? Sim, e é sobre essa casa de Deus que vou falar nesta manhã. Existe, sim, uma casa de Deus, mas não é uma estrutura inanimada, é um templo vivo e espiritual. “No qual”, Cristo, “também vós juntamente estais sendo edificados para habitação de Deus no Espírito” (Efésios 2:22). A casa de Deus é edificada com homens e mulheres convertidos, e a igreja de Deus, que Cristo comprou com Seu sangue, é o edifício divino, a estrutura onde Deus habita até o dia de hoje. No entanto, gostaria de observar outra coisa com relação aos lugares de culto. Creio que, embora isso não seja nenhuma sacralização das superstições ligadas a eles, ao mesmo tempo há uma espécie de santidade associada a esses locais. Onde quer que Deus abençoe a minha alma, sinto que ali é a casa de Deus, e a própria porta do céu. Não porque as pedras sejam sagradas, mas porque é onde me encontro com Deus e as recordações que tenho do lugar o tornam santo para mim. O lugar em que Jacó se deitou para dormir, e onde depois erigiu um altar, durante algum tempo foi apenas seu quarto, mas seu quarto não era outra coisa senão a casa de Deus. Em vossas casas, tendes salas, espero, e aposentados mais santificados na verdade do que as mais belas catedrais já construídas, cujas torres se elevam ao céu. No lugar onde nos encontramos com Deus há santificação, não no lugar em si, mas naquilo que está associado a ele. Ali, onde mantemos comunhão com Deus e onde Deus descobre o Seu braço, mesmo sendo um celeiro, uma sebe, um pântano ou o lado de uma montanha, é a casa de Deus para nós e, naquele momento, se torna santo. No entanto, não tão santo a ponto de o venerarmos com temor supersticioso, mas apenas santo, pelas recordações das benditas horas passadas em santa comunhão com Deus. E, assim, deixando essa questão de lado, vou lhes apresentar a casa que Deus edificou para Sua habitação.
         Nesta manhã, portanto, vamos falar sobre a igreja — primeiro, como edifício; depois, como habitação; e por último, como aquilo em que ela em breve ela tornará, ou seja — um glorioso templo.

        1. Primeiramente, então, falaremos sobre a igreja como EDIFÍCIO. E, aqui, antes de qualquer outra coisa, faremos uma pausa para perguntar o que é a igreja — o que é a igreja de Deus? Certo grupo reclama para si o título de a igreja, enquanto outras denominações o disputam calorosamente. A igreja não pertence a nenhum de nós. A igreja de Deus não se resume a alguma denominação de homens em particular; a igreja de Deus é constituída por aqueles cujos nomes estão escritos no livro da escolha eterna de Deus; aqueles que foram comprados por Cristo no madeiro, que são chamados por Deus pelo Seu Santo Espírito e que, vivificados por esse mesmo Espírito, participam da vida de Cristo e se tornam membros de Seu corpo, de Sua carne e de Seus ossos. Essas pessoas são encontradas em qualquer denominação, entre todos os tipos de cristãos; alguns estão vagando por onde nem imaginamos; um ou outro está escondido no meio das trevas da maldita igreja romana; às vezes, como se por acaso, há alguém ligado a alguma seita, distante de seus irmãos, mal tendo ouvido falar deles, mas mesmo assim conhecendo a Cristo, pois a vida de Cristo está nele. Ora, esta igreja de Cristo, o povo de Deus, no mundo inteiro, seja porque nome for conhecida, é aquela que nosso texto compara a um edifício no qual Deus habita.

          Bom, agora, preciso fazer uma pequena alegoria a respeito deste edifício. A igreja não é um amontoado de pedras, é um edifício. Seu Arquiteto a projetou na eternidade. Parece até que O vejo, lá nos tempos eternos, fazendo o primeiro esboço da Sua igreja. “Aqui”, diz Ele em Sua sabedoria eterna, será a pedra angular, e ali o pináculo”. Eu O vejo determinando o seu comprimento, a sua largura; designando os lugares das portas e dos portões com incomparável habilidade, planejando cada detalhe, sem deixar nada de fora. Também vejo esse poderoso Arquiteto escolhendo para Si cada pedra do edifício, ordenando seu tamanho e sua forma; estabelecendo em Seu grandioso plano a posição de cada uma delas: se brilhará na frente, se ficará escondida na parte detrás ou se ficará incrustada bem no meio da parede. Eu O vejo fazendo não apenas o esboço, mas todo o seu conteúdo; tudo sendo ordenado, decretado e estabelecido no pacto eterno, o plano divino do poderoso Arquiteto no qual a igreja deve ser edificada. Olhando com atenção, vejo o Arquiteto escolhendo uma pedra angular. Ele olha para o céu e lá estão os anjos, aquelas pedras brilhantes; Ele olha para cada um deles, de Gabriel para baixo, e diz, “Nenhum de vocês servirá. Preciso de uma pedra angular que suporte todo o peso do edifício, pois todas as outras deverão se apoiar nela. Gabriel, não servirás! Rafael, serás posto de lado; não posso edificar contigo”. Contudo, era preciso achar uma pedra, uma que fosse tirada da mesma pedreira que as demais. Onde poderia ser encontrada? Será que alguém serviria como pedra angular desse poderoso edifício? Ah, não! Nem os apóstolos, nem os profetas, nem os mestres serviriam. Mesmo com todos juntos, seria como fazer o alicerce em areia movediça, a casa logo ruiria. Mas, vejam como a mente divina resolveu o problema: “Deus se tornará homem, totalmente homem, e assim será da mesma substância que as demais pedras do templo, mas ainda será Deus e, por isso, será forte o suficiente para sustentar todo o peso dessa poderosa estrutura, cujo topo chegará ao céu”. Vejo o lançamento dessa pedra fundamental. Ouve-se alguma canção nesse momento? Não. Ali só há pranto. Os anjos reunidos olham tristes para os homens e choram; as harpas do céu estão vestidas de pano de saco e delas não sai nenhum som. Os anjos cantaram de júbilo na criação do mundo, por que não cantam agora? Olho para cá e vejo a razão. Aquela pedra está assentada em sangue, aquela pedra angular não podia estar em outro lugar senão no seu próprio sangue. Ela devia ser assentada com cimento vermelho drenado das suas próprias veias sagradas. E ali Ele jaz, a primeira pedra do edifício divino. Anjos, cantai novamente, já acabou! A pedra fundamental está lançada; a terrível cerimônia já terminou. Agora, de onde serão tiradas as outras pedras para a construção do templo? A primeira está assentada, onde estão as demais? Vamos retirá-las das bandas do Líbano? Podemos encontrar essas pedras preciosas nas jazidas do rei? Não. Para onde voais, trabalhadores de Deus? Aonde vais? Onde estão as pedreiras? E eles respondem: “Vamos cavar nas pedreiras de Sodoma e Gomorra, nas profundezas do pecado de Jerusalém e no meio do pecado de Samaria”. Vejo-os revirando o lixo. Observo-os enquanto escavam a terra e, finalmente, voltam com as pedras. Mas como elas são ásperas, como são duras, como são brutas! Sim, mas essas pedras são exatamente aquelas que foram ordenadas na eternidade, no decreto, e devem ser essas, não outras. No entanto, é preciso haver uma transformação. Elas precisam ser trabalhadas e moldadas, lapidadas e polidas, e colocadas em seus lugares. Vejo os operários na obra. A grande serra da lei corta a pedra, depois vem o cinzel do evangelho para lapidá-la. Vejo as pedras assentadas em seus lugares e a igreja se levantando. Os ministros, como mestres de obras, correm ao longo das paredes, colocando cada pedra espiritual em seu lugar; e cada pedra está apoiada naquela imensa pedra angular, e cada uma delas confia no sangue de Jesus Cristo e encontra segurança e força nEle, a pedra angular, eleita e preciosa. Conseguem ver o edifício em pé, com cada escolhido de Deus sendo admitido nele, chamado pela graça e vivificado? Veem as pedras vivas unidas pelo amor sagrado e pelo santo amor fraternal? Já entraram nesse edifício e viram como essas pedras se apoiam umas nas outras, carregando os fardos umas das outras, cumprindo assim a lei de Cristo? Percebem como a igreja ama a Cristo e como seus membros amam uns aos outros? Como, em primeiro lugar, a igreja está unida à pedra angular e depois cada pedra está ligada à seguinte, a seguinte à subsequente e assim por diante, até que todo o edifício seja um? Vejam! A estrutura se levanta, é concluída e, finalmente, é um edifício. Agora, pois, abram bem os olhos e vejam como esse edifício é glorioso — a igreja de Deus. As pessoas falam do glamour da sua estrutura arquitetônica — de fato, é uma estrutura arquitetônica; não segundo os modelos gregos ou góticos, mas segundo o modelo do santuário visto por Moisés no santo monte. Conseguem vê-la? Já viram uma estrutura tão graciosa como essa — impregnada de vida em cada parte? Sobre aquela pedra única estão sete olhos, e cada pedra cheia de olhos e de corações. Já tiveram um pensamento tão grandioso como este — um edifício construído de almas — uma estrutura feita de corações? Não há lugar como o coração para alguém descansar. Ali uma pessoa pode encontrar paz com seu irmão; mas, aqui é a casa onde Deus Se deleita em habitar — construída de corações vivos, todos pulsando com santo amor — construída de almas redimidas, os escolhidos do Pai, comprados pelo sangue de Cristo. Seu topo está no céu. Parte deles está acima das nuvens. Muitas das pedras vivas estão agora no pináculo do paraíso. Nós estamos aqui embaixo, o edifício se ergue, o prédio sagrado está subindo e, assim como a pedra angular sobe, todos nós precisamos subir até que, finalmente, toda a estrutura, desde a fundação até o pináculo, seja elevada ao céu, permanecendo lá para sempre — a nova Jerusalém — o templo da majestade de Deus.

         Ainda com relação a este edifício, tenho mais uma ou duas observações a fazer antes de passar para o próximo ponto. Toda vez que os arquitetos planejam uma construção, eles cometem erros no projeto. Até o mais cuidadoso se esquecerá de alguma coisa; até o mais inteligente descobrirá algo errado. Contudo, observem a igreja de Deus; ela é edificada com precisão e, no final, nenhum erro será encontrado. Talvez você, meu querido irmão, seja apenas uma pedrinha do templo, mas pode pensar que deveria ter sido uma pedra maior. No entanto, não existe engano algum. Você tem apenas um talento; e isso é suficiente para você. Se tivesse dois, poderia comprometer o edifício. Talvez você tenha sido colocado numa posição obscura e esteja dizendo: “Ah, se eu tivesse alguma importância na igreja!” Se você tivesse alguma importância, talvez estivesse no lugar errado; e só uma pedrinha fora do lugar, numa arquitetura tão delicada quanto essa, poderia estragar tudo. Você está onde deveria estar; fique aí. Confiando nisso, não haverá erro. Quando, afinal, estivermos ao redor do edifício, observando suas paredes e contando seus baluartes, cada um de nós dirá: “Quão gloriosa é Sião”! Quando nossos olhos forem iluminados e nossos corações instruídos, cada parte do edifício chamará nossa atenção. A pedra do topo não é a base, nem a base está no topo. Cada pedra tem a forma certa; o material todo é como deveria ser e a estrutura é adequada para o grande fim, a glória de Deus, o templo do Altíssimo. Portanto, podemos ver neste edifício de Deus Sua infinita sabedoria.

       Outra coisa ainda deve ser observada, qual seja, sua força inexpugnável. Esta habitação de Deus, esta casa que não é feita por mãos humanas mas é edifício de Deus, muitas vezes é atacada, contudo, nunca foi tomada. Quantos inimigos têm batido contra suas velhas muralhas! No entanto, sempre batem em vão. “Levantaram-se os reis da terra, e as autoridades ajuntaram-se à uma” (Atos 4:26), e o que aconteceu? Eles vieram contra ela, cada qual com seus valentes, e cada um com a espada desembainhada, e o que lhes aconteceu? O Todo Poderoso os dispersou no Hermon como neve em Zalmom. Como a neve é dispersa da montanha pelo sopro da tempestade, assim também, ó Deus, Tu os dispersa e eles são consumidos pelo sopro das Tuas narinas.

E então, Sião será para nossas almas habitação

Pois nem a ira de Roma ou do inferno temerão

A igreja não está em perigo, e nunca poderá estar. Que venham os inimigos, ela pode resistir. Em sua impassível majestade, em seu silêncio forte como uma rocha, ela lhes oferece resistência. Que venham e sejam feitos em pedaços, que se lancem contra ela e conheçam o caminho certo da sua própria destruição. Ela está segura, e continuará assim até o final. Portanto, muito pode ser dito sobre a sua estrutura; ela é edificada pela sabedoria infinita e está totalmente segura.

          E também podemos acrescentar que ela é gloriosa pela sua beleza. Jamais houve uma estrutura como esta. Ela é um banquete diário para os olhos desde o amanhecer até a madrugada. O próprio Senhor Jesus Se deleita nela. A arquitetura da Sua igreja é tão agradável a Deus que Ele Se regozija nela como nunca o fez com o mundo. Quando Deus fez o mundo, Ele ergueu as montanhas, aprofundou os mares e cobriu os vales de relva; fez todas as aves dos céus e todas as feras do campo; sim, e fez o homem à Sua própria imagem; e, quando viram tudo isso, os anjos cantaram e se regozijaram. Mas Deus não cantou; para Ele, não havia razão suficiente para um cântico dizer: “Santo, Santo, Santo”. Ele podia dizer que tudo era bom; havia uma bondade intrínseca naquilo tudo; mas não a bondade moral da santidade. No entanto, quando edificou Sua igreja, Deus cantou; e, às vezes, penso que esta é a passagem mais extraordinária de toda a Palavra de Deus, onde Ele é representado cantando: “O SENHOR, teu Deus, está no meio de ti, poderoso para salvar-te; ele se deleitará em ti com alegria; renovar-te-á no seu amor, regozijar-se-á em ti com júbilo” (Sofonias 3:17). Pensem, meus irmãos, no próprio Deus contemplando Sua igreja: sua estrutura é tão justa e tão bela que Ele Se regozija em Sua obra e, enquanto cada pedra é colocada no seu devido lugar, a Divindade canta. Será que já houve uma canção como essa? Sim, venham, cantemos e exaltamos o nome do Senhor; louvem Aquele que louva a Sua igreja — Aquele que fez dela o Seu lugar especial de habitação.

          Assim sendo, em primeiro lugar, vimos a igreja como um edifício.

          2. No entanto, a verdadeira glória da igreja de Deus consiste no fato de que ela não é apenas um edifício, ela é também uma HABITAÇÃO. Talvez haja muita beleza em uma construção vazia, mas há sempre um pensamento melancólico associado a ela. Viajando pela nossa pátria, com frequência nos depararmos com uma torre ou um castelo em ruínas; são construções bonitas, mas não são alegres. Há certa tristeza associada a elas. Quem gosta de palácios abandonados? Quem quer que a nação lance fora seus filhos e que suas casas fiquem desabitadas? Contudo, há sempre alegria numa casa iluminada e mobiliada, onde há o som de pessoas. Amados, a igreja tem isto para sua glória especial: ela é uma casa habitada, e é a habitação de Deus por intermédio do Espírito. Quantas igrejas há que são apenas casas, não habitações! Posso descrever-lhes uma igreja que se diz igreja de Deus: é um edifício de tijolos que tem como base alguma antiga tradição, mas não a Palavra de Deus. Sua disciplina é exercida de acordo com suas próprias regras e suas práticas religiosas têm a sua própria liturgia. Você entra nessa igreja e a cerimônia é imponente; talvez, durante algum tempo, o culto inteiro o atraia; mas você sai de lá consciente de que não encontrou vida com Deus naquele lugar — aquela é uma casa, mas uma casa sem moradores. Talvez seja uma igreja na aparência, mas não é uma igreja onde o Santo habite; é uma casa vazia que logo estará arruinada e cairá. Receio que isso seja verdade em relação a muitas das nossas igrejas, estabelecidas e protestantes, assim como em relação à igreja de Roma. Existem muitas igrejas que são apenas uma porção de formalidades enfadonhas e sem sentido, onde não há vida com Deus. Poderíamos prestar culto junto com seus membros, dia após dia, mas nosso coração nunca bateria mais forte, nosso sangue nunca saltaria nas veias, nossa alma nunca seria revigorada, pois a igreja é uma casa vazia. Sua arquitetura pode ser bonita, mas seu depósito está vazio, não há mesa posta, não há regozijo, não há o abate de um bezerro cevado, não há dança, não há canto de alegria. Amados, precisamos ter cuidado para que nossas igrejas não se tornem assim, para que não sejamos uma associação de pessoas sem vida espiritual e, consequentemente, casas vazias, pois Deus não está lá. No entanto, a verdadeira igreja, aquela que é visitada pelo Espírito de Deus, onde há conversão, instrução, devoção e outras coisas semelhantes, é conduzida pela influência viva do próprio Espírito — essa igreja tem Deus como seu habitante.

          E, agora, vamos justamente gastar algum tempo com esse doce pensamento. Uma igreja edificada de almas vivas é a própria casa de Deus. O que isso significa? Vou lhes dizer. Uma casa é um lugar onde a pessoa se consola e se anima. Fora dela, lutamos contra o mundo e ficamos tão tensos que podemos nos meter num mar de confusões, as quais podem não ser levadas pela correnteza. Lá fora, entre os homens, encontramos pessoas cuja linguagem nos é estranha e que, com frequência, nos machucam profundamente e nos deixam arrasados. Lá, sentimos que precisamos estar sempre em guarda. Muitas vezes poderíamos dizer: “A minha alma está entre leões, e eu estou entre aqueles que estão abrasados com o fogo do inferno” (Salmo 57:4). No mundo, encontramos pouco descanso para um dia de trabalho, mas, quando chegamos em casa, somos consolados. Nosso corpo exaurido é revigorado. Tiramos a armadura que estávamos usando e não lutamos mais. Não vemos mais a face do estranho, só olhos radiantes de amor por nós. Não ouvimos palavras dissonantes aos nossos ouvidos. O amor fala e nós reagimos. Nossa casa é o nosso lugar de alívio, consolo e descanso. Ora, Deus chama Sua igreja de habitação — Seu lar. Vejam-nO quando Ele está do lado de fora: Ele troveja e eleva Sua voz sobre as águas. Ouçam-nO, Sua voz quebra os cedros do Líbano e faz a corça dar cria. Observem-nO enquanto guerreia, conduzindo Sua carruagem de poder, levando os anjos rebeldes sobre as ameias do céu até as profundezas do inferno. Contemplem-nO enquanto Ele Se levanta na majestade da Sua força. Quem é este que é tão glorioso? Ele é Deus, altíssimo e tremendo. Mas, vejam, Ele deixou de lado Sua espada reluzente; não está mais segurando Sua lança. Ele voltou para casa. Seus filhos O cercam. Ele Se anima e descansa. Sim, não acho que estou indo longe demais — Ele realmente descansará na Sua amada. Ele descansa em Sua igreja. Ele não é mais chama, terror e fogo consumidor. Agora, Ele é amor, bondade e doçura, pronto para ouvir a tagarelice de Seus filhos e as notas desafinadas de seus cânticos. Ah, como é belo o retrato da igreja como a casa de Deus, o lugar onde Ele Se alegra! “Pois o SENHOR escolheu a Sião, preferiu-a por sua morada” (Salmo 132:13).

          Além disso, o lar de uma pessoa é onde ela mostra o seu íntimo. Quando você encontra uma pessoa no supermercado, ela é seca ao tratar com você. Ela conhece as pessoas e age como alguém do mundo. Mas se encontrá-la em sua casa, conversando com seus filhos, você dirá: “Nossa, que diferença! Nem acredito que seja a mesma pessoa”. Observe também um professor na sala de aula; ele está ensinando ciências aos seus alunos. Repare como ele é sério ao falar sobre assuntos difíceis. Você acredita que esse mesmo homem, à noite, estará com um bebê no colo, contando historinhas infantis e cantando canções de ninar? Mas ele estará. Veja um rei enquanto desfila pelas ruas cheio de pompa; milhares de pessoas estão à sua volta, aclamando-o. Que porte majestoso! Ele é todo rei, monarca dos pés à cabeça, quando se ergue no meio da multidão. Mas você já o viu quando ele está em casa? Ele é exatamente como qualquer outra pessoa; seus filhinhos o cercam e ele se senta no chão para brincar com eles. Será que é mesmo o rei? Sim, claro que é. Mas, por que ele não age assim no palácio? Ou nas ruas? Ah, não, lá não é a sua casa. É em casa que as pessoas se soltam. O mesmo acontece com o nosso glorioso Deus: é na Sua igreja que Ele Se manifesta como não o faz no mundo. Uma pessoa do mundo olha para o céu com seu telescópio, vê a glória de Deus nas estrelas e diz: “Oh, Deus, como és grandioso”! Ela olha séria para o mar, observando-o ser açoitado pela tempestade, e diz: “Vejam o poder e a majestade de Deus”! O estudante de anatomia disseca um inseto e descobre em cada parte dele a sabedoria divina e diz: “Como Deus é sábio”! No entanto, é somente aquele que crê em Deus que, de joelhos em seu quarto, diz: “Meu Pai fez todas as coisas” e, por isso, pode também dizer: “Pai nosso que estás nos céus, santificado seja o Teu nome”. Existem revelações inefáveis que Deus só faz em Sua igreja, nunca em outro lugar. Na igreja é onde Ele pega Seus filhos no colo; onde Ele abre o coração e deixa Seu povo conhecer os mananciais da Sua alma grandiosa e o poder do Seu amor infinito. Não é maravilhoso pensar em Deus no Seu lar, com Sua família, feliz na casa da Sua igreja?

          Outro pensamento também me vem à mente neste momento. O lar de um homem é o centro de tudo o que ele faz. Lá longe, há uma grande propriedade rural. Bem, ela tem várias dependências, montes de feno, celeiros e outras coisas assim; no entanto, bem no meio de tudo tem uma casa que é o centro de toda a sua economia. Não importa quanto trigo seja recolhido, é para essa casa que o produto vai. É para a manutenção da sua família que o marido administra a fazenda. Você pode ouvir o gado mugindo ao longe ou ver as ovelhas nas colinas, mas a lã vai para a casa e todo o leite das vacas vai para os filhos da casa, pois a casa é o centro de tudo. Todos os rios de atividade correm em direção ao doce lago interior da casa. E a igreja, ela não está no centro da atividade de Deus? Ele está lá fora, no mundo, ocupado aqui e ali e em todo lugar, mas para onde é direcionada toda a Sua atividade? Para Sua igreja. Por que Deus reveste as colinas com tanta abundância? Para alimentar o Seu povo! Por que a providência se renova? Por que guerras e tempestades, depois paz e calmaria? É pela Sua igreja. Nenhum anjo atravessa o éter sem uma missão para a igreja. Pode ser indiretamente, mas ainda assim é verdade. Não há arcanjo que cumpra as ordens do Altíssimo que não leve a igreja sobre suas grandes asas e não segure seus filhos quando eles tropeçam nalguma pedra. Os armazéns de Deus são para a Sua igreja. Os tesouros escondidos nas profundas riquezas inexprimíveis de Deus — são todos para o Seu povo. Não há nada que Ele tenha, desde a Sua coroa reluzente até as trevas sob o Seu trono, que não seja para os Seus remidos. Todas as coisas devem contribuir e cooperar para o bem da igreja eleita de Deus, a qual é a Sua casa — a Sua habitação diária. Creio que quanto mais se pensa nisso, quando se está longe, mais se vê a beleza do fato de que, assim como a casa está no centro, assim também a igreja está no centro de tudo para Deus.

          Mais um pensamento e termino este ponto. Ultimamente (em 1859), temos ouvido falar muito sobre uma possível invasão francesa. No entanto, só vou me preocupar com isso quando realmente acontecer, não antes. Contudo, há uma coisa que posso dizer com muita segurança. Muitos de nós são homens de paz e não gostariam de empunhar uma espada; a primeira visão de sangue nos deixaria enjoados; somos seres pacíficos; não fomos feitos para lutar e guerrear. Contudo, se mesmo a pessoa mais pacífica do mundo pensar que invasores estão desembarcando em nossas praias, que as nossas casas estão correndo perigo e os nossos lares estão prestes a serem saqueados pelo inimigo, receio que nossa cautela nos abandone e, apesar do que pensamos sobre as guerras, eu me pergunto se qualquer um dentre nós não pegaria a primeira arma à sua mão para rechaçar o inimigo. Com um grito de guerra: “Pela nossa família e pelo nosso lar”, nós iríamos investir contra o invasor, fosse ele quem fosse. Não haveria poder forte o bastante para paralisar o nosso braço; nós iríamos lutar até a morte pela nossa casa; nenhuma ordem, por mais dura que fosse, poderia nos acalmar; abriríamos caminho por cada grupo, cada companhia do inimigo e, mesmo os mais fracos seriam gigantes e, nossas mulheres, heroínas no dia da dificuldade. Cada mão encontraria uma arma para atacar o inimigo. Amamos nossos lares, e precisamos, e iremos, defendê-los. Agora, vamos pensar mais alto — a igreja é o lar de Deus, será que Ele não a defenderá? Ele permitirá que a sua própria casa seja atacada e saqueada? Sua casa será manchada pelo sangue de Seus filhos? A igreja será derrotada, suas muralhas atacadas, suas habitações pacíficas entregues ao fogo e à espada? Nunca, jamais, não enquanto Deus tiver um coração de amor e enquanto Ele chamar Seu povo de Sua casa e Sua habitação. Venham, regozijemo-nos nessa segurança; mesmo se toda a terra estiver em guerra lá fora, nós continuamos em perfeita paz, pois nosso Pai está em casa e Ele é o Deus Todo Poderoso. Que os inimigos venham contra nós, não precisamos ter medo, Seu braço os fará cair, o sopro de Suas narinas os consumirá, uma só palavra Sua os destruirá, e eles se derreterão como a gordura de carneiros, como a gordura de cordeiros serão consumidos e na fumaça serão dissipados. Para mim, todos esses pensamentos parecem surgir naturalmente pelo fato de a igreja ser a habitação de Deus.

          3. Gostaria de lhes falar, em terceiro lugar, que a igreja, em breve, será o GLORIOSO TEMPLO DE DEUS. Neste momento, ainda não a vemos como ela deve ser. No entanto, já mencionei esse fato precioso. Hoje, a igreja está sendo erigida, e continuará sendo até que o monte da casa do Senhor seja estabelecido no cume das montanhas e, então, quando todas as nações a chamarem feliz, e Ele também — quando todos disserem: “Vinde, e subamos à casa do nosso Deus para O adorarmos”, aí a glória da igreja terá início. Quando esta terra tiver passado, quando os monumentos de todos os impérios forem dissolvidos e engolidos pela lava da chama dos últimos tempos, então a igreja será arrebatada entre as nuvens e exaltada no céu, para se tornar um templo jamais visto por olhos humanos.

         E, agora, irmãos e irmãs, para concluir, faço algumas observações. Se a igreja de Deus é a casa de Deus, o que eu e você devemos fazer? Ora, como parte desse templo, precisamos, sinceramente, procurar sempre conservar seu mais digno habitante! Não entristeçamos Seu Espírito para que Ele não se ausente da Sua igreja; e, acima de tudo, não sejamos hipócritas, para que Ele não deixe de entrar em nosso coração. E, se a igreja deve ser o templo e a casa de Deus, que ela não seja desonrada por nós. Quando você desonra a si mesmo, você desonra a igreja, pois seu pecado, se você é membro da igreja, é pecado da igreja. A sujeira de uma pedra na reconstrução praticamente destrói sua perfeição. Cuida para seres santo como Ele é santo. Não permitas que o teu coração se torne casa de Belial. Não penses que Deus e o diabo podem habitar no mesmo lugar. Entrega-te totalmente ao Senhor. Busca mais do Seu Espírito, para que, como pedra viva, sejas totalmente consagrado; e não te contentes até sentires em ti mesmo a perpétua presença dO habitante divino que habita Sua igreja. Que Deus agora abençoe a cada pedra viva do Seu templo. E quanto a vós, que ainda não fostes retirados das pedreiras do pecado, oro para que a graça divina vos encontre, para que sejais renovados e convertidos e, enfim, se tornem participantes da herança dos santos na luz.



Tradução e revisão: Mariza Regina de Souza