Sermão nº 03
Ministrado na manhã do domingo de 4
de janeiro de 1855, pelo
Rev. C. H. Spurgeon, na Capela da
New Park Street, Southwark, Londres,
Inglaterra
“Aquele capitão
respondera ao homem de Deus: Ainda que o SENHOR fizesse janelas no céu, poderia
suceder isso, segundo essa palavra? Dissera o profeta: Eis que tu o verás com
os teus olhos, porém disso não comerás”. ━ 2 Reis 7:19
Um sábio pode livrar uma cidade
inteira; um justo pode ser segurança para milhares de outras. Os santos são “o
sal da terra”, o meio de preservação dos perversos. Sem aqueles que temem a
Deus para conservá-la, a raça humana seria totalmente destruída. Na cidade de
Samaria havia um homem temente a Deus — Eliseu, o servo do Senhor. Toda piedade
fora extinta da corte. O rei era um pecador da pior espécie, sua iniquidade era
flagrante e infame. Jeorão andava nos caminhos de seu pai, Acabe, e tinha feito
para si falsos deuses. O povo de Samaria estava caído como seu monarca: eles
tinham se afastado de Jeová; tinham abandonado o Deus de Israel; não mais se
lembravam do lema de Jacó: “o Senhor teu Deus é o único Deus”; e, em vil
idolatria, tinham se dobrado aos deuses dos ímpios; por isso, o Senhor dos
Exércitos os entregou à opressão de seus inimigos até a maldição de Ebal se
cumprir nas ruas de Samaria, pois “a mais mimosa das mulheres e a mais delicada
do teu meio, que de mimo e delicadeza não tentaria pôr a planta do pé sobre a
terra”, olhava com maldade para seus próprios filhos e devorava sua descendência
por causa da fome extrema (Dt. 28:56-58). Nessa situação terrível, aquele único
santo foi o meio de salvação. Aquele único grão de sal preservou toda uma
cidade; aquele único guerreiro de Deus foi o meio para livrar todo um povo
sitiado. Por amor a Eliseu, o Senhor prometeu que, no dia seguinte, o alimento
que não poderia ser comprado por qualquer preço seria adquirido por preço
insignificante — à porta de Samaria. Podemos imaginar a alegria daquela
multidão quando ouviu o vidente fazendo esta predição. Eles sabiam que ele era
profeta do Senhor; ele tinha as credenciais divinas; todas as suas profecias
anteriores tinham se cumprido. Eles sabiam que ele era um homem enviado por
Deus e que proclamava a mensagem de Jeová. Com certeza, os olhos do monarca
brilhavam de prazer, e a multidão esfomeada dava pulos de alegria ante a
perspectiva de se ver livre da fome com tanta rapidez. “Amanhã”, gritavam,
“amanhã nossa fome será saciada e faremos uma grande festa”.
No entanto, o capitão em cujo braço o rei se apoiava,
manifestou sua incredulidade. O texto não diz que foi uma pessoa do povo, um
plebeu, que não acreditou, mas sim um aristocrata. Pode parecer estranho, mas
Deus raramente escolhe os grandes homens deste mundo. Cargos elevados e a fé em
Cristo raramente combinam. Aquele homem importante disse: “Impossível!” e, com
um insulto ao servo de Deus, acrescentou: “Ainda que o SENHOR fizesse janelas
no céu, poderia suceder isso, segundo essa palavra”? Seu pecado reside no fato
de que, mesmo após repetidos sinais no ministério de Eliseu, ele ainda não
acreditava na garantia dada pelo profeta em nome do Senhor. Sem dúvida, ele
tinha visto a maravilhosa derrota de Moabe; tinha ficado perplexo diante da
notícia da ressurreição do filho da sunamita; ele sabia que Eliseu tinha
revelado os segredos de Ben-Hadade e ferido seu exército de cegueira; ele tinha
visto o bando de sírios atraídos para o meio de Samaria; e, provavelmente,
conhecia a história da viúva, cujo azeite encheu todas as vasilhas e resgatou
seus filhos. Além do mais, a cura de Naamã devia ser a conversa mais
corriqueira da corte. Ainda assim, mesmo com todas essas evidências, e com
todas as credenciais do profeta, aquele homem duvidou e, de forma ofensiva,
disse-lhe que os céus precisavam se tornar janelas abertas antes da promessa
poder se cumprir. Por isso, Deus pronunciou sua sentença pela boca do mesmo
homem que tinha acabado de declarar a promessa: “Eis que tu o verás com os teus
olhos, porém disso não comerás”. E a Providência, que sempre cumpre a profecia,
assim como o papel sempre leva a marca do tipo impresso — destruiu o homem. Um
tropel desceu pelas ruas de Samaria e ele morreu às suas portas, vendo toda a
fartura, mas sem poder prová-la. Talvez sua carruagem tenha sido imponente
demais e tenha insultado o povo; ou talvez ele tenha tentado impedir o tumulto;
ou ainda, como diríamos, talvez tenha sido apenas um acidente, mas o certo é
que ele foi pisoteado até a morte, para que visse a profecia cumprida mas não
pudesse desfrutá-la. No seu caso, ver foi crer, mas não desfrutar.
Nesta manhã, quero chamar sua atenção para duas coisas —
o pecado do homem e seu castigo.
Talvez eu fale um pouco sobre este homem, já que tenho os detalhes das
circunstâncias, mas o foco será o pecado da incredulidade e sua punição.
I. Em primeiro lugar, o PECADO
O pecado daquele homem foi a incredulidade. Ele duvidou da promessa
de Deus. No seu caso específico, a incredulidade assumiu a forma de dúvida
quanto à veracidade divina, ou desconfiança sobre o poder de Deus. Ou ele não
acreditou que Deus queria dizer realmente o que disse, ou achou que a promessa
estava dentro de uma série de possibilidades. A incredulidade tem mais fases
que a lua e mais cores que um camaleão. O povo costuma dizer que às vezes vê o
diabo de uma forma, outras de outra. Estou certo de que isso é verdade quanto à
primogênita de Satanás — a incredulidade, pois suas formas são legião. Às
vezes, eu a vejo disfarçada de anjo de luz. Ela chama a si mesma de humildade,
e diz: “Seria presunção da minha parte. Não ouso pensar que Deus possa me
perdoar. Tenho pecados demais”. Chamamos a isso de humildade e agradecemos a
Deus por nosso amigo estar em tão boas condições. Eu não agradeço a Deus por
esse tipo de ilusão. É o mal disfarçado de anjo de luz. No fim das contas, é
pura incredulidade. Outras vezes, detectamos a incredulidade na forma de uma
dúvida sobre a imutabilidade de Deus. “O Senhor me ama, mas talvez amanhã me
abandone. Ele me ajudou ontem e, debaixo de Suas asas, posso confiar; mas
talvez eu não receba Seu auxílio da próxima vez. Talvez Ele me abandone ou não
se lembre da Sua aliança, e Se esqueça de ser gracioso”. Às vezes, esse tipo de
infidelidade está embutido na dúvida sobre o poder de Deus. Todos os dias
enfrentamos novos problemas e nos envolvemos com uma série de dificuldades, e
pensamos: “Com certeza, Ele não pode nos ajudar”. Nós lutamos para nos livrar
dos nossos fardos e descobrimos que nada podemos fazer, aí, então, pensamos que
o braço de Deus é tão curto quanto o nosso, e Seu poder tão fraco quanto o
nosso. Uma forma assustadora de incredulidade é a dúvida que impede as pessoas
de virem a Cristo, que leva o pecador a desconfiar da capacidade de Deus de
salvá-lo, a duvidar da disposição de Jesus de aceitar tamanho pecador. Mas, a forma
mais abominável de todas é a do traidor em suas verdadeiras cores, blasfemando
contra Deus e negando insanamente Sua existência. A infidelidade, o deísmo e o
ateísmo são os frutos maduros dessa árvore perniciosa; são as erupções mais
terríveis do vulcão da incredulidade. A incredulidade atinge sua estatura
completa quando abandona a máscara e deixa de lado o disfarce, percorrendo de
modo profano a terra, gritando em alta voz a sua rebelião: “Não há Deus”,
lutando em vão para sacudir o trono da divindade, levantando o braço contra
Jeová e, em sua arrogância
“arrebatando da Sua mão a balança e a vara
revertendo a Sua justiça —
sendo o deus de Deus”
E então, finalmente, a
incredulidade atinge a perfeição, e vemos como ela realmente é, pois sua menor
forma é da mesma natureza da maior.
Fico surpreso e, com certeza vocês também ficarão, quando
lhes disser que há algumas pessoas esquisitas neste mundo que não acreditam que
incredulidade é pecado. Eu as chamo de esquisitas porque são sadias na fé em
todos os outros aspectos, mas, para tornar consistentes os artigos da sua
confissão de fé, como imaginam, negam a pecaminosidade da incredulidade.
Lembro-me de um jovem que entrou numa roda de amigos e ministros que discutiam
sobre se quem não acredita no evangelho tem pecado. Enquanto debatiam, o rapaz
lhes disse: “Cavalheiros, estou na presença de cristãos? Vocês acreditam na
Bíblia, ou não”? Eles responderam: “Sim, somos cristãos, é claro”. “Então”,
disse ele, “a Escritura não diz do pecado: ‘porque não creram em mim’? E o
pecado não condena os pecadores porque não acreditam em Cristo”? É difícil
acreditar que haja pessoas tão tolas a ponto de dizer que “não é pecado um
pecador não crer em Cristo”. Por mais que queiram valorizar seus sentimentos,
não dá para imaginar que possam dizer uma mentira para sustentar uma verdade e,
em minha opinião, é exatamente isso o
que elas estão fazendo. A verdade é uma torre poderosa e jamais terá
necessidade de ser apoiada pelo erro. A Palavra de Deus se opõe a todo
artifício humano. Eu nunca inventaria um
sofisma para provar que não é pecado o ímpio não crer, pois tenho certeza de
que é, quando as Escrituras me ensinam: “O julgamento é este: que a luz veio ao
mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz; porque as suas obras
eram más” (Jo. 3:19), e quando leio: “o que não crê já está julgado, porquanto
não crê no nome do unigênito Filho de Deus”. Eu afirmo, e a Palavra de Deus
declara: a incredulidade é pecado, sim!
Certamente, para pessoas racionais e imparciais, não é preciso uma discussão
para provar esse ponto. Por ventura, não é pecado uma criatura duvidar da
palavra de quem o fez? Não é um crime e insulto à Divindade que eu, um átomo,
um grãozinho de pó, ouse negar Suas palavras? Não é o cúmulo da arrogância e do
orgulho um filho de Adão dizer, mesmo no seu íntimo: “Deus, duvido da tua
graça; duvido do teu amor; duvido do teu poder”? Ah, cavalheiros, creiam-me,
mesmo que todos os pecados — assassinato, blasfêmia, luxúria, adultério,
fornicação, e tudo o que há de mais abjeto — sejam unidos numa única e vasta
bola negra de corrupção, ainda assim isso não é igual ao pecado da
incredulidade. A incredulidade é a rainha de todos os pecados, a quintessência
da culpa, a mistura do veneno de todos os crimes, a borra do vinho de Gomorra,
o pecado acima de todos os outros pecados, a obra-prima de Satanás, o trabalho
de mestre do diabo.
Nesta manhã, portanto, tentarei mostrar por alguns
momentos a terrível natureza do pecado da incredulidade.
1. Em primeiro lugar, o pecado da incredulidade
irá parecer extremamente hediondo quando nos lembrarmos de que ele é a origem de todas as outras iniquidades.
Não há crime que não seja gerado por ele. A queda do homem, em grande parte,
creio ter sido devido a ele. Foi exatamente onde o diabo tentou Eva. Ele lhe
disse: “É assim que Deus disse: Não
comereis de toda árvore do jardim”? Ele sussurrou e lançou a dúvida: “É assim
que Deus disse”? Isso equivale a
dizer: “Tem certeza de que foi isso mesmo”?
Foi pela incredulidade — uma brechinha de nada — que vieram todos os outros
pecados; a curiosidade e tudo o mais; Eva tocou o fruto e a destruição entrou
no mundo. Desde aquela época, a incredulidade tem sido a origem prolífica de
toda culpa. Um incrédulo é capaz dos crimes mais hediondos já cometidos.
Incredulidade, cavalheiros! Este foi o motivo do coração endurecido de faraó; a
incredulidade deu licença à língua blasfema de Rabsaqué; sim, e se tornou
deicida e assassinou Jesus. Incredulidade! Ela afia a faca do suicida! Prepara
taças de veneno; leva milhares à forca; e muitos chegam a uma sepultura
vergonhosa por matarem a si mesmos e se apresentarem diante do tribunal do
Criador com as mãos sujas de sangue; tudo por causa da incredulidade. Mostre-me
um incrédulo — diga-me que ele duvida da Palavra de Deus — que não acredita nas
Suas promessas e nas Suas ameaças e, com esta premissa, chegarei à conclusão de
que ele se tornará, pouco a pouco, culpado dos crimes mais vis e hediondos, a
menos que haja um incrível poder restritivo sobre ele. Ah, sim, esse também é
um pecado de Belzebu; como Belzebu, ele é o líder de todos os espíritos
malignos. Está escrito que Jeroboão pecou e fez pecar a Israel; e também se
pode dizer que a incredulidade não somente peca por si mesma, mas gera outros
pecados. Ela é a origem de todos os crimes, a semente de todas as
transgressões. Na verdade, tudo que é vil e maligno se encontra numa só palavra
— incredulidade.
Deixem-me
dizer ainda que a incredulidade no cristão tem a mesma natureza da
incredulidade no pecador. Ela não é a mesma no resultado final, pois, no
cristão, será perdoada; sim, perdoada: ela foi colocada sobre a cabeça do
antigo bode emissário, expulsa e apedrejada; mas é da mesma natureza
pecaminosa. Na verdade, se há um pecado ainda mais abominável que a incredulidade
de um pecador é a incredulidade de um santo, pois um santo duvidar da palavra
de Deus — não confiar nEle — depois de tantas demonstrações do Seu amor, depois
de milhares de provas da Sua misericórdia, é pior que qualquer outra coisa. Num
santo, além do mais, a incredulidade é a raiz de outros pecados. Quando sou
perfeito na fé, serei perfeito em tudo mais; sempre cumprirei os preceitos se
sempre acreditar na promessa. No entanto, porque minha fé é fraca, eu peco.
Quando estou com problemas, se abro os braços e digo: “Jeová-Jiré, o Senhor
proverá”, ninguém me encontrará usando meios espúrios para fugir deles. Mas, se
estou com dificuldades e aflições passageiras, e não confio em Deus, o que vem
depois? Talvez eu venha a roubar ou fazer algo desonesto para me livrar das
garras dos credores; ou, se não fizer esse tipo de coisa, talvez mergulhe em
excessos para afogar minha ansiedade. Quando a fé se vai, as rédeas ficam
soltas, e quem pode controlar um cavalo desgovernado sem rédeas ou freios? Como
o carro do sol, com Fáeton como condutor, é assim que somos sem fé[1].
A incredulidade é a mãe do vício; é a fonte do pecado; e, por isso, digo que é
um mal mortífero — é o pecado dos pecados.
2. Mas, em
segundo lugar, a incredulidade não apenas
gera o pecado, ela também o fomenta. Como podem os homens continuar em seus
pecados sob o trovejar do pregador do Sinai? Como, quando um Boanerges está
atrás do púlpito e, pela graça de Deus, vocifera: “maldito todo aquele que não
permanece em todas as coisas escritas no Livro da lei” — como, ao ouvir as
terríveis ameaças da justiça de Deus, pode o pecador continuar endurecido e
andando em seus maus caminhos? Vou lhes dizer: é por causa da incredulidade,
que impede as ameaças de surtirem efeito sobre ele. Quando nossos sapadores
(soldados que abrem trincheiras) e mineiros vão para Sebastopol, não podem
trabalhar defronte os muros se não tiverem alguma coisa para protegê-los dos
tiros; por isso, eles levantam trincheiras, atrás das quais podem fazer o que
quiserem. Com os ímpios acontece a mesma coisa. O diabo lhes dá incredulidade e
eles a usam como trincheira para se esconder atrás dela. Ah, pecadores, quando
o Espírito Santo derrubar sua incredulidade — quando Ele trouxer à tona a
verdade, em demonstração e poder, como a lei irá fustigar a sua alma! Se pelo
menos o homem cresse que a lei é santa, e os mandamentos santos, justos e bons,
seria sacudido sobre a boca do inferno e não haveria tanta gente esquentando
banco e dormindo na casa de Deus; não haveria ouvintes desatentos; nem pessoas
indo embora e logo se esquecendo de como é a natureza humana. Ah, uma vez
expulsa a incredulidade, os canhões de artilharia da lei atacariam o pecador e
seriam muitos os mortos da parte do Senhor. Além do mais, como os homens podem
ouvir o convite da cruz do Calvário e não vir a Cristo? Como é que, quando
falamos sobre os sofrimentos de Jesus e concluímos dizendo: “ainda há tempo”;
quando falamos sobre a cruz e a paixão de Cristo, não há quebrantamento no
coração das pessoas? Dizem que
A lei e os terrores só fazem endurecer
Em todo o tempo trabalham sozinhos
A sensação do perdão comprado pelo sangue
Até o coração de pedra pode
dissolver
Creio que a história do
Calvário é suficiente para arrebentar uma rocha. As pedras realmente se
partiram ao ver a morte de Jesus. Creio que a tragédia do Gólgota é suficiente
para fazer até uma pedreira romper em lágrimas e o mais duro pecador chorar de arrependimento;
no entanto, mesmo falando e repetindo isso muitas e muitas vezes, quem se
preocupa? Quem se importa? Cavalheiros, vós vos sentais aí despreocupados, como
se isso não tivesse nenhum significado para vós. Ora, olhai e vede tudo que
tendes ignorado. A morte de Jesus não vos diz nada? Vós pareceis dizer: “Não,
nada”. Por quê? É porque há incredulidade entre vós e a cruz. Se não houvesse
esse espesso véu entre vós e os olhos do Salvador, seríeis derretidos pelo Seu
olhar de amor. A incredulidade é o pecado que impede o poder do evangelho de
trabalhar na vida do pecador: só quando o Espírito Santo quebra essa
incredulidade — só quando o Espírito Santo acaba com essa infidelidade e coloca
tudo abaixo — é que podemos ver o pecador se aproximar e depositar sua
confiança em Jesus.
3. Há, ainda,
um terceiro ponto. A incredulidade
incapacita o homem de realizar qualquer boa obra. “Tudo o que não provém de
fé é pecado” é uma grande verdade em mais de um sentido. “Sem fé é impossível
agradar a Deus”. Vocês nunca me ouvirão dizer uma palavra contra a moral; nem
me ouvirão afirmar que a honestidade não é boa; nem que sobriedade também não
é; pelo contrário, eu diria que tudo isso é muito louvável; contudo, vou lhes
contar o que direi mais adiante: essas coisas são exatamente como as conchas
coloridas e brilhantes do Industão: talvez sirvam como dinheiro nas regiões da
Índia, mas não na Inglaterra; estas virtudes podem servir aqui embaixo, não lá
em cima. Se não temos nada melhor que a nossa própria bondade, jamais
entraremos no céu. Algumas tribos hindus usam tirinhas de tecido em lugar de
moedas, e eu não teria problema com isso se vivesse por lá; mas, quando venho à
Inglaterra, tiras de tecido não são suficientes. Por isso, honestidade,
sobriedade e coisas assim, podem ser muito boas entre os homens — e quanto
mais, melhor. E vou lhes dizer, tudo que é amável e puro, e de boa reputação,
nós devemos ter — mas nada disso nos levará para cima. Tudo isso junto, sem fé,
não agrada a Deus. As virtudes, sem fé, são pecados caiados. A obediência, sem
fé, se é que é possível, é desobediência disfarçada. Não crer anula tudo. É a
mosca no unguento; o veneno na panela. Sem fé, mesmo com todas as virtudes da
pureza, toda a benevolência da filantropia, toda a bondade da compaixão
altruísta, todos os talentos espetaculares, toda a bravura do patriotismo, e
todas as decisões tomadas com convicção — “sem fé é impossível agradar a Deus”.
Percebem, então, como a incredulidade é ruim, como ela impede as pessoas de
praticar boas obras? Sim, a incredulidade incapacita até os próprios cristãos.
Vou lhes contar uma história — uma história da vida de Cristo. Certo homem
tinha um filho atormentado, possuído por um espírito maligno. Jesus estava no
monte Tabor, transfigurado; por isso, o pai levou o filho aos discípulos do
Mestre. O que os discípulos fizeram? Eles disseram: “Vamos expulsá-lo”.
Colocaram as mãos sobre o rapaz e tentaram; mas sussurraram entre si: “Será que
vamos conseguir”? Logo o jovem perturbado começou a espumar, a rilhar os dentes
e se jogar por terra, prisioneiro do seu ataque. O espírito demoníaco dentro
dele estava vivo. O diabo estava lá. Em vão eles repetiram o exorcismo, o
espírito maligno continuava como um leão na cova, e todas as tentativas feitas
não conseguiram tirá-lo de lá. “Saia!”, disseram, mas ele não saiu. “Fora
daí!”, gritaram, mas ele continuou imóvel. Os lábios da incredulidade não podem
assustar o Maligno, que talvez tenha dito: “A fé eu conheço, Jesus eu conheço,
mas vós, quem sois? Vós não tendes fé”. Se eles tivessem fé, como um grão de
mostarda, talvez tivessem expulsado o diabo; mas sua fé se fora, por isso, nada
puderam fazer. Vejamos também o caso de Pedro. Enquanto teve fé, Ele andou por
sobre as ondas do mar. Aquela foi uma caminhada esplêndida; quase o invejo
andando por sobre as águas, pois, se ele tivesse continuado, poderia ter
cruzado o Atlântico até chegar à América. No entanto, em dado momento, um
vagalhão chegou por trás dele, e ele disse: “vou cair”; depois, veio outro e
mais outro e ele gritou: “vou afundar”, e pensou — “como posso ser tão
presunçoso a ponto de andar por sobre as ondas”? E lá se foi Pedro água abaixo.
A fé era seu salva-vidas — seu talismã — ela o sustentava; mas a incredulidade
o puxou para baixo. Sabiam que vocês e eu teremos de andar por sobre as águas
durante toda a vida? A vida do cristão é um contínuo andar por sobre as águas —
a minha, pelo menos, é — e ele seria tragado e devorado por cada onda, não
fosse a fé para mantê-lo de pé. No momento em que deixamos de crer, vem a
tribulação e nos leva para baixo. Então, por que duvidar?
A fé alimenta cada virtude; a incredulidade mata todas
elas. Milhares de orações são estranguladas ainda no embrião pela
incredulidade. A incredulidade é culpada de infanticídio; ela tem aniquilado
muitas súplicas infantes; muitas canções de louvor, que teriam embelezado o
coro dos céus, têm sido sufocadas por um murmúrio incrédulo; muitas nobres
iniciativas, concebidas no coração, têm sido destruídas pela incredulidade
antes mesmo de nascer. Muitas pessoas teriam sido missionárias, teriam
resistido e pregado com ousadia o evangelho do Mestre, não fosse sua
incredulidade. Uma vez que um gigante perde a fé, ele se torna um anão. A fé é
o cabelo de Sansão do cristão; quando cortado, seus olhos podem ser vazados — e
ele não pode fazer nada.
4. Nosso
próximo ponto é — a incredulidade é
punida com rigor. Vamos olhar as Escrituras! Vejo um mundo belo e
encantador; os montes sorriem ao sol e os campos se regozijam na luz dourada.
Vejo donzelas dançando e jovens cantando. Que linda visão! Mas, vejam, um
senhor sério e reverente levanta as mãos e apregoa: “Um dilúvio está vindo para
inundar a terra; as fontes do grande abismo se romperão e tudo será coberto.
Vejam aquela arca! Há cento e vinte anos venho trabalhando com estas mãos para
construí-la; entrem nela e ficarão a salvo”. “Ora, velho, fora com suas profecias
malucas! Queremos ser felizes enquanto podemos! Se vier um dilúvio, nós construímos
a arca; só que não virá nada; vá dizer isso aos tolos; nós não acreditamos”.
Vejam os incrédulos dançando alegremente. Ouvi, incrédulos! Não estais
escutando esse barulho estrondoso? As entranhas da terra já começaram a se
mover, suas costelas rochosas estão tensas pelas horríveis convulsões em seu
interior; vede, elas se rompem sob a enorme pressão e por entre elas jorram
torrentes desconhecidas, pois Deus as ocultou no centro da terra. As comportas
dos céus se abrem! E chove. Não apenas alguns pingos, mas o céu desaba. Uma
verdadeira catarata, como a velha Niágara, rola dos céus com forte estrondo.
Ambos — abismo e firmamento — abaixo e acima — juntam as mãos. Incrédulos, onde
estais agora? Eis um último remanescente. Um homem — com a esposa agarrada à
sua cintura — está no último cume acima d’água. Vocês o veem? A água já está em
seus quadris. Ouçam seu último grito de pavor! Ele está flutuando — está se
afogando. E, quando Noé olha da arca, não vê mais nada. Nada! É um vazio
profundo. “Monstros marinhos procriam e se alojam nos palácios dos reis”. Tudo
está destruído, coberto e submerso. O que provocou isso? O que trouxe o dilúvio
sobre a terra? A incredulidade. Pela fé Noé escapou do dilúvio. Pela
incredulidade o resto do mundo ficou submerso.
Sabiam
também que a incredulidade deixou Moisés e Arão fora de Canaã? Eles não deram
glória a Deus; bateram na rocha quando deveriam ter falado com ela. Eles não
acreditaram: por isso, o castigo caiu sobre eles, eles não herdaram aquela boa
terra, pela qual tanto tinham lutado e trabalhado.
Deixem-me levá-los até onde Moisés e Arão estavam — no
vasto e árido deserto. Vamos caminhar por lá durante algum tempo; filhos de pés
cansados, seremos como os beduínos errantes e andaremos pelo deserto por alguns
momentos. Eis uma ossada embranquecida pelo sol; outra ali e mais outra acolá.
O que significam esses ossos secos? Que corpos são esses — de um homem, de uma
mulher? E todos aqueles outros? Como vieram parar aqui? Com certeza, algum
magnífico acampamento esteve aqui e foi varrido durante a noite por uma
ventania, ou por um derramamento de sangue. Ah, não! Não pode ser! Esses ossos
são do povo de Israel; são os esqueletos das antigas tribos de Jacó. Eles não
puderam entrar em Canaã por causa da sua incredulidade. Não confiaram em Deus.
Os espias disseram que eles não podiam conquistar a terra. A incredulidade foi
a causa da sua morte. Não foram os anaquins que destruíram Israel; não foi a
aridez do deserto que os consumiu; não foi o Jordão que se tornou uma barreira;
muito menos os heveus ou jebuseus; foi única e exclusivamente a incredulidade
que os manteve do lado de fora de Canaã. Que sentença foi pronunciada sobre
Israel, depois de quarenta anos andando pelo deserto: não puderam entrar por
causa da sua incredulidade!
Sem me deter
em muitos exemplos, vamos nos lembrar também de Zacarias. Ele duvidou e o anjo
o deixou mudo. Sua boca foi fechada porque ele não acreditou. Contudo, se
quiserem ter a pior imagem dos efeitos da incredulidade — se quiserem ver como
Deus a castiga, preciso levá-los ao cerco de Jerusalém, o pior massacre de
todos os tempos, quando os romanos derrubaram suas muralhas e mataram os
habitantes ao fio da espada, ou os venderam no mercado de escravos. Já ouviram
falar da destruição de Jerusalém pelo imperador Tito? Conhecem a tragédia de
Massada, quando os judeus mataram uns aos outros a facadas para não cair nas
mãos dos romanos? Sabiam que até hoje[2] eles andam errantes pela
terra, sem lar e sem pátria? Eles foram cortados, como um ramo é cortado da
videira; e por quê? Por causa da sua incredulidade. Quando virem um judeu de
semblante triste e sombrio — quando notarem que ele é natural de outro país,
andando como exilado em nossa pátria — quando o virem, parem e digam: “Ah, foi
a incredulidade que te fez matar a Cristo, e agora te leva a andar como
errante; e somente a fé — a fé no nazareno crucificado — pode te devolver à tua
pátria, e restaurá-la à sua antiga grandeza”. Vejam, a incredulidade tem na
testa a marca de Caim. Deus a odeia; Ele tem desferido duros golpes contra ela
e, um dia, vai acabar com ela de uma vez por todas. A incredulidade desonra a
Deus. Todos os outros crimes tocam nas coisas de Deus, mas a incredulidade
atinge a Sua divindade, contesta a Sua veracidade, nega a Sua bondade, blasfema
contra os Seus atributos, mancha o Seu caráter; por isso, de todas as coisas, a
que Deus mais odeia é a incredulidade, seja ela qual for.
5. Agora, para
encerrar a questão — pois já me estendi demais neste ponto — deixem-me dizer
onde se pode observar a natureza hedionda da incredulidade: ela é um pecado que traz condenação.
Existe um pecado pelo qual Cristo não morreu; é o pecado contra o Espírito
Santo. Mas há ainda outro pecado pelo qual Cristo nunca fez expiação. Citem
qualquer crime do catálogo do mal e vou lhes mostrar pessoas que podem
encontrar perdão para ele. Contudo, perguntem-me se quem morreu na
incredulidade pode ser salvo, e lhes direi que não há expiação para essa
pessoa. Há expiação para a incredulidade do cristão, pois ela é temporária;
mas, para a incredulidade final — aquela com a qual a pessoa morre — não há
expiação. Vocês podem procurar na Bíblia inteira e descobrirão que não há
expiação para quem morre na incredulidade; para essa pessoa não existe
misericórdia. Se ela fosse culpada de todos os outros pecados, se tivesse
cometido cada um deles, mas cresse, seria perdoada; no entanto, a exceção que
traz condenação é esta: ela não tinha fé. Que o diabo a carregue! Ó espíritos
malignos, levem-na para baixo! Ela não tem fé, é incrédula; é para tais pessoas
que o inferno foi construído. O inferno é a sua
porção, a sua prisão; essas pessoas
são suas principais prisioneiras, os grilhões estão gravados com seus nomes, e
para sempre elas saberão que “quem não crer será condenado”.
II. Isto nos leva a
concluir com o CASTIGO.
“Eis que tu o verás com os teus
olhos, porém disso não comerás” (2 Reis 7:2). Ouve, ó incrédulo! Já viste o teu
pecado esta manhã; agora ouve a tua sentença: “Eis que tu o verás com os teus
olhos, porém disso não comerás”. Isso é muito comum entre os próprios santos de
Deus. Quando não têm fé, eles veem a misericórdia com seus próprios olhos, mas
não a comem. Ora, há cereal nesta terra do Egito, mas alguns santos de Deus vêm
aqui aos domingos e dizem: “Não sei se o Senhor será comigo ou não”. Outros
falam: “Bem, o evangelho foi anunciado, mas não sei se fará alguma diferença”.
Eles estão sempre com dúvidas e com medo. Ouça-os quando saem da capela: “Você
foi bem alimentado esta manhã?” “Não, eu não”. É claro que não. Tu vês, mas não
comes, porque não tens fé. Se tivesses vindo com fé, teríeis recebido pelo
menos um bocado. Conheço cristãos que se tornaram tão críticos que, se a porção
de alimento que devem receber, na época certa, não estiver cortada em pedaços
exatamente iguais, e não for colocada no seu prato de porcelana favorito, eles
não a comem. Por isso, saem sem nada, e vão sair até ficarem anêmicos. Eles
passarão por aflições, as quais agirão como remédio amargo, e serão obrigados a
comer com um gosto horrível na boca; ficarão na prisão por um dia ou dois até
seu apetite voltar e, então, quando voltarem a comer, se satisfarão até com o
alimento mais comum, servido no prato mais simples, ou até mesmo sem prato. No
entanto, a verdadeira razão pela qual o povo de Deus não se alimenta com o
ministério do evangelho é porque eles não têm fé. Quando se crê, mesmo não
havendo promessa alguma, isso é suficiente; quando se ouve apenas uma coisa boa
vinda do púlpito, isso se torna alimento para a alma, pois não é o quanto se
ouve, mas o quanto se crê que faz bem para nós — é o que recebemos em nosso
coração com fé viva e verdadeira, este é o nosso benefício.
Contudo, deixem-me aplicar estas coisas principalmente
aos não convertidos. Quase sempre eles veem as grandes obras de Deus com os
olhos, mas não as comem. Uma porção de gente veio aqui nesta manhã para ver com
os olhos, mas duvido muito que todas elas comam. As pessoas não podem comer com
os olhos, pois, se pudessem, a maioria estaria bem alimentada. E,
espiritualmente, também não podem se alimentar só com os ouvidos ou
simplesmente olhando para o pregador; por isso, descobrimos que a maior parte
das nossas congregações vem só para ver: “Ah, vamos ouvir o que este tagarela
tem a dizer, este caniço agitado pelo vento”. Só que essa gente não tem fé;
eles chegam, veem, veem, veem e nunca comem. Tem alguém lá na frente que é
convertido; e ali ao lado outro que é chamado pela graça soberana; acolá tem um
pobre pecador que chora por estar convicto da sua culpa; outro clama pela
misericórdia de Deus, e ainda outro diz: “Sê propício a mim, pecador”. Uma
grande obra está sendo realizada nesta capela, mas algumas pessoas não têm a
mínima noção do que está acontecendo; pois não há uma obra sendo realizada no
seu coração; e por quê? Porque vós pensais que isso é impossível; pensais que
Deus não está agindo. Ele não prometeu agir em quem não O honra. A
incredulidade vos faz sentar aqui em tempos de reavivamento e derramamento da
graça de Deus, impassíveis, sem chamado e sem salvação.
No entanto, cavalheiros, o pior ainda está por vir! O
grande George Whitefield às vezes costumava levantar as mãos e bradar, como eu
poderia fazer, mas me falta voz: “A ira vindoura! A ira vindoura!” Não é a ira
de agora que vocês devem temer, mas a ira vindoura; e haverá destruição quando
“vires com os teus olhos, porém disso não comereis”. Posso até ver aquele
último grande dia. A hora da última badalada. Ouço o sino tocando sua melodia
fúnebre — o tempo acabou, a eternidade chegou; o mar está agitado, as ondas se
elevam com esplendor sobrenatural. Vejo um arco-íris — uma nuvem passando, e
nela há um trono, e no trono está assentado um semelhante ao Filho do Homem. Eu
o conheço. Ele tem uma balança na mão; bem diante dele estão os livros — o
livro da vida, o livro da morte, o livro da lembrança. Vejo Seu esplendor e me
regozijo nEle; olho Sua aparência majestosa e sorrio cheio de júbilo, pois Ele
vem para ser “admirado por todos os santos”. Mas, eis ali uma multidão de
miseráveis, encolhendo-se repulsivamente, tentando se esconder, e ainda assim
olhando para Ele, pois seus olhos não conseguem se desviar dAquele a quem
traspassaram; mas quando olham, eles gritam “Esconde-nos da face”. Que face?
“Rochas, escondam-nos da face”. Que face? A face de Jesus, o homem que morreu,
mas que agora vem para julgar. Contudo, não podeis vos esconder da Sua face;
precisais ver com os vossos olhos: porém não vos assentareis à Sua direita,
vestidos com vestiduras magníficas; e quando o cortejo triunfal de Jesus vier
por entre as nuvens, não marchareis com Ele; vós o vereis, mas não estareis lá.
Oh, agora me parece que vejo o poderoso Salvador em Sua carruagem, cruzando o
firmamento num arco-íris. Vejam como o trotar de seus corcéis faz estremecer o
céu, enquanto Ele os dirige por suas colinas. Uma comitiva cingida de branco
segue após Ele, e sob as rodas da Sua carruagem Ele arrasta o diabo, a morte e
o inferno. Ouçam como aplaudem. Ouçam como proclamam em alta voz: “Quando ele
subiu às alturas, levou cativo o cativeiro” (Efésios 4:8). Ouçam como cantam
com solenidade: “Aleluia! Pois reina o Senhor, nosso Deus, o Todo-Poderoso”
(Apocalipse 19:6). Vejam o esplendor da sua aparência; atentem para a coroa nas
suas frontes; observem suas vestes alvas como a neve; reparem no êxtase do seu
semblante, ouçam como seus cânticos sobem ao céu enquanto o Eterno Se une a
eles, dizendo a cada um: “Deleitar-Me-ei em ti com alegria; regozijar-Me-ei em
ti com júbilo; desposar-te-ei comigo para sempre com benignidade eterna”. E
onde estais vós esse tempo todo? Podeis vê-los lá em cima, mas onde estais vós?
Vendo com vossos olhos, mas sem poder comer de tudo aquilo. O banquete de
casamento é imenso; as garrafas dos bons vinhos envelhecidos da eternidade são
abertas; todos se assentam para festejar com o rei; mas lá estais vós,
miseráveis e famintos, sem poder comer. Ah, como torceis as mãos em desespero.
Se pelo menos tivésseis uma migalha — seríeis como os cachorrinhos debaixo da
mesa de seus donos. No entanto, vós sereis cães no inferno, nunca no céu.
Para concluir. Parece-me ver-te em algum lugar do
inferno, preso a uma rocha, e o abutre do remorso consumindo teu coração; e lá
em cima, Lázaro no seio de Abraão. Tu levantas os olhos e vês quem é: “É aquele
pobre que ficava no meu monte de lixo e os cães vinham lamber-lhe as feridas;
ei-lo lá no céu, enquanto eu estou aqui aflito. É Lázaro, sim, é ele; e eu, que
era rico em vida, agora estou aqui no inferno. Pai Abraão, ‘manda a Lázaro que
molhe em água a ponta do dedo e me refresque a língua’”. Só que não é assim!
Não pode ser assim, não pode! Se existir no inferno alguma coisa pior que todas
as outras será a visão dos santos no céu. Dói só de pensar em ver minha mãe no
céu enquanto sou banido! Ó, pecador, pensa bem, ver teu irmão no céu — aquele
que foi embalado no mesmo berço que tu e que brincava sob a mesma copa das
árvores — enquanto tu és banido. Marido, lá está tua esposa no céu, e tu entre
os condenados ao inferno. Vês, pai, o teu filho diante do trono? E tu? Maldito
de Deus e maldito dos homens, estás no inferno. Ah, o inferno dos infernos será
ver nossos amigos no céu e nós mesmos perdidos. Rogo-vos, meus ouvintes, pela
morte de Cristo — pela Sua agonia e pelo Seu sangue — pela Sua cruz e pela Sua
paixão — por tudo que é santo — por tudo que é sagrado no céu e na terra — por
tudo que é solene no tempo e na eternidade — por tudo que é horrível no
inferno, ou glorioso no céu — por aquele terrível pensamento, “para sempre” —
rogo-vos que guardeis estas coisas no vosso coração, e vos lembreis, se fordes
condenados, de que foi a incredulidade que vos condenou. Se vos perderdes, será
por não terdes crido em Cristo; e se perecerdes, esta será a gota mais amarga
de fel: não crestes no Salvador.
Tradução: Mariza Regina de
Souza
[1]
Phaeton era filho de Hélios [deus do sol] e da ninfa Climene. Um dia o pai lhe
entregou as rédeas do carro do sol e ele aproximou-se tanto da Terra que criou
um enorme incêndio, dando o fogo ao homem. Zeus fulminou-o com um raio, e
Phaeton precipitou-se sobre o rio Eridano [rio Pó].
[2]
Século XIX, época em que Spurgeon pregou este sermão. O estado de Israel foi
criado em 1948.
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