Sermão Nº 2566
Sermão programado
para ser lido no Dia do Senhor, 17 de abril de 1898. Pregado por C. H. Spurgeon
no Tabernáculo Metropolitano, em Newington, na noite de quinta-feira de 15 de
fevereiro de 1883.
“Perguntarão pelo
caminho de Sião, de rostos voltados para lá.”
Jeremias 50:5
Esta foi uma profecia de Jeremias a respeito da
destruição da Babilônia. Israel e Judá tinham sido levados para o cativeiro
pelo poder dominante da época. Os cativos viviam na distante Babilônia e
choravam ao se lembrar de Sião. O profeta anuncia que, no dia em que Deus
quebrasse o poder da Babilônia e derrubasse seus falsos deuses, chegaria o
tempo da volta dos cativos à sua terra natal. Parece uma simples observação,
mas, quando nos lembramos do seu significado simbólico, vemos como é cheia de
consolo. Por natureza, somos todos cativos do poder de Satanás, do pecado e da
morte. Esta é a grande Babilônia que tem mantido cativos até mesmo os eleitos
de Deus! E existem multidões, redimidas pelo precioso sangue de Cristo, que
ainda estão em cativeiro, sob o poder das trevas. Ora, assim como Israel
encontrou consolo e esperança, e tinha expectativa de voltar à terra prometida
quando o poder da Babilônia fosse quebrado, também há conforto para todo
pecador que deseja escapar do poder do pecado e de Satanás no fato de Cristo
ter quebrado o poder do antigo dragão. Eles entraram em combate mortal. Todas
as hostes do inferno foram reunidas na terrível e tenebrosa hora em que nosso
Campeão, sozinho, O qual foi ungido por Deus para lutar as nossas batalhas,
opôs-Se a todos elas e as derrotou! Elas feriram Seu calcanhar, pois Ele deixou
Seu corpo sangrando na cruz, mas Ele esmagou a cabeça do Seu arqui-inimigo.
Quando bradou “está consumado”, Ele anulou os poderes que se levantaram contra
Ele — e a Babilônia foi imediatamente subjugada! Eis a nossa esperança.
Ouça, você que está nas garras de Satanás, você ainda
pode vencê-lo pelo sangue do Cordeiro, pois o próprio Cordeiro já o venceu e,
todo aquele que confia no Seu grande sacrifício, será mais que vencedor! Ele
levou cativo o cativeiro! Ele é o senhor da situação e Seus adversários já
foram totalmente derrotados. Adversários Dele, eu disse, mas eles também são seus adversários — portanto, todo
pecador que deseja escapar da escravidão de Satanás, crie coragem na esperança
das boas novas de que, na Pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo, Yaweh já
triunfou sobre o nosso grande inimigo! Ele quebrou o jugo de ferro, para Seus
redimidos poderem ir em liberdade! Assim, a destruição da Babilônia está na
salvação de Israel.
Observe a seguir as palavras do versículo quatro:
“Naqueles dias, naquele tempo, diz o SENHOR, voltarão os filhos de Israel, eles
e os filhos de Judá juntamente” — das quais concluo que, quando o coração dos
homens se dispõe a buscar ao Senhor, é maravilhoso como eles se tornam
amigáveis! Sabemos que os filhos de Israel e os filhos de Judá há muito estavam
separados. Cada qual tinha seu próprio rei e quase sempre estavam em guerra.
Eles tinham inveja um ao outro, embora devessem ser irmãos. Mas agora, quando
Deus começa a lidar com eles e eles começam a buscar a Deus novamente, eles se
tornam amigos! Que nós também possamos esquecer as nossas inimizades quando
começarmos a nos arrepender da nossa inimizade contra Deus! O momento de
perdoar um irmão é quando, nós mesmos, pedimos ao Senhor: “Perdoa as minhas
transgressões”. E isso precisa ser feito! Será um grande empecilho para
qualquer um que busque a Deus, tentar encontrar o Senhor mas, em seu coração,
nutrir ressentimento contra quem o tenha ofendido. Creio haver muitas pessoas
que anelam pela paz com Deus; mas elas nunca a encontrarão se antes não fizerem
as pazes com seus semelhantes. Lembre-se das palavras de nosso Senhor: “Se,
pois, ao trazeres ao altar a tua oferta, ali te lembrares de que teu irmão tem
alguma coisa contra ti, deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiro
reconciliar-te com teu irmão; e, então, voltando, faze a tua oferta” (Mt.
5:23-24).
Será que você pediria ao grande Rei para perdoar sua
dívida colossal quando você mesmo está prestes a pegar seu irmão pelo pescoço
só porque ele lhe deve alguns trocados? Bom, certamente você não pensa que Deus
ouvirá sua súplica! Não, mas, quando o Senhor atrai as pessoas para Si, é
incrível como elas se aproximam umas das outras! Israel e Judá, então, estarão
orando e chorando juntos — e buscando o mesmo Senhor. Isso é muito comum em
época de avivamento. Alguém se levanta pedindo oração e fica espantado ao
descobrir que um irmão, com quem tinha brigado alguns meses antes, também está
suplicando por misericórdia! Vizinhos que haviam se desentendido vêm ao
Tabernáculo e encontram, juntos, o Salvador, e a partir daí se tornam bons
amigos — pois é certo que o Deus que nos reconcilia Consigo mesmo também nos
tornará afetuosos uns para com os outros! Atente para isto, então, você que
busca o Salvador! Você que é encorajado pelo fato de o poder de Satanás ter
sido quebrado: cuide para resolver todas as suas diferenças e ponha um fim a toda
inveja e disputa, pois só assim você terá socorro ao buscar o Senhor.
Veja, pois, que o jeito certo de um pecador voltar é
buscando ao Senhor em primeiro lugar; e depois, buscando a Sião — ou seja, a
igreja, ou o céu, ou o que quer que você entenda por Sião. O versículo quatro
diz: “virão e buscarão ao SENHOR, seu Deus”. O livro O Peregrino, de João Bunyan, mostra o caminho para o céu, mas
devemos sempre nos lembrar de que ele não escreveu para mostrar aos pecadores o caminho para Cristo, e sim para mostrar o caminho
para o céu. Mesmo sendo coisas
diferentes, em alguns aspectos são semelhantes, apesar dessa diferença. O
caminho para Cristo é: “creia e viva”. O caminho para o céu é, primeiro “creia no Senhor Jesus Cristo”,
e então, depois disso, pela Sua graça, continue a conhecer o Senhor, indo de
força em força, de graça em graça, até, finalmente, estar preparado para a
felicidade eterna. Há uma diferença entre buscar a Cristo e buscar o povo de
Cristo que sempre deve ser observada: não se pode buscar o povo de Cristo para
se unir a ele, sem, antes de qualquer outra coisa, ter encontrado a Cristo!
Quando você crê no Senhor Jesus Cristo, então Cristo é seu e você é salvo! Só depois, vá e una-se à igreja
militante aqui embaixo; e, no devido tempo, você se unirá à igreja triunfante
lá de cima. No entanto, lembre-se sempre: a primeira coisa que um pecador deve
fazer não é buscar o céu, nem unir-se à igreja, mas buscar ao Senhor. Você tem
de se reconciliar com o Deus que o fez — você tem de experimentar o poder do
único Deus que pode recriá-lo e torná-lo nova criatura em Cristo — você tem de
buscar ao Senhor.
“Mas”, diz alguém, “Deus é fogo consumidor”. Sei que é.
Portanto, vá Àquele que tudo pode consumir, para que Ele consuma tudo o que em
você pode ser consumido e lhe dê uma vida inconsumível, a qual continuará a
existir mesmo em meio ao fogo, sem ser consumida! Não há céu sem Deus, não há
consciência em paz sem Deus, não há purificação dos pecados sem Deus. O Senhor
diz: “Buscai a Minha face”. No entanto, muitos cometem o erro de ir e se unir
aos cristãos. Não, não! Voltem — não se pode ir a Deus desse jeito! Primeiro, se
entregue ao Senhor e, só depois, “a nós, pela vontade de Deus” (2 Co. 8:5).
Antes de qualquer outra coisa, você precisa se unir ao Cabeça; depois aos
membros! Em primeiro lugar, Cristo; depois, a Sua igreja. Coloque as coisas na
ordem certa — comece e continue como Deus quer que você faça. “Quem crer e for
batizado será salvo” (Mc. 16:16). Que isso fique em sua memória, se você está
buscando o Senhor.
Outra observação que se levanta do contexto é: quem
busca ao Senhor O busca chorando. “Voltarão os filhos de Israel, eles e os
filhos de Judá juntamente; andando e chorando”. Repare na combinação “andando e
chorando”. Alguns estão chorando, mas não andando; outros estão andando, mas
não chorando. É uma bênção quando temos as duas coisas juntas — aproximando-se
de Deus de forma ativa e sentindo profunda tristeza pelo pecado de forma
passiva. Existem dois tipos de lágrimas, e creio que quem busca realmente ao
Senhor derrama os dois tipos: uma é a lágrima de tristeza por causa do pecado,
a outra é a lágrima de alegria por causa do perdão. Gostaria de ter meus olhos
cheios de ambas; que, com minha alegria pelo pecado perdoado, eu chore por ter
transpassado o Senhor, lamente por ter transgredido a lei de Deus, e ainda
assim me regozije por ter sido perdoado! Que vocês também, caros amigos, tenham
essas lágrimas em seus olhos! Elas não cegam, pois são como uma lupa reluzente
por meio da qual podemos enxergar com mais clareza a misericórdia de Deus.
Alguém aqui já começou a se voltar para o Senhor e
sentiu-se mais triste do que nunca? Bem, se isso aconteceu, não fico triste por
você, pois é assim que muitas pessoas chegam a Cristo — “andando e chorando”.
Os antigos Puritanos costumavam dizer que “o caminho para o céu é uma Cruz de
Lágrimas” — com isso eles queriam dizer que o arrependimento é necessário à
salvação — e é mesmo! Quem nunca se entristeceu por causa do seu pecado nunca
se regozijará no Salvador! E, quanto mais nos alegramos em Cristo, mais
tristeza sentimos por causa do pecado. Talvez o derradeiro arrependimento de um
homem seja o mais profundo que ele jamais sentiu. Quero dizer, seu ódio pelo
pecado será muito maior quando ele estiver às portas do céu do que quando ele
viu pela primeira vez o caminho do perdão pelo sacrifício expiatório de Cristo.
O arrependimento não é algo manifestado apenas uma vez, cujo efeito é para
sempre — arrependimento e fé seguem de mãos dadas durante todo o caminho para o
céu! O bom e velho Sir Rowland Hill (professor e reformista britânico,
idealizador do selo postal) disse que havia apenas uma coisa sobre o céu que
ele lamentava: lá ele não poderia derramar lágrimas de arrependimento, pois
Deus enxugará dos olhos toda lágrima. Mas, de qualquer forma, até chegarmos ao
céu, que sempre nos arrependamos do pecado, lamentando por sempre cair nele e,
ao mesmo tempo, regozijando-nos por sempre sermos perdoados! —
Meus pecados, meus pecados, Salvador!
Quão triste é terem caído sobre Ti,
Vistos por meio da Tua doce paciência
Sinto dez vezes cada um deles.
Sei que todos foram perdoados,
Mas ainda experimento em mim a dor
De toda a angústia e tristeza
Causadas em Ti, meu Senhor.
Bem, com todas estas considerações como preliminar, embora,
de fato, façam parte do sermão, chego à porção da Escritura que realmente forma
o meu texto — “Perguntarão pelo caminho de Sião, de rostos voltados para lá”.
Esta passagem pode ser usada como um teste para quem verdadeiramente busca ao
Senhor. Vou apresentar-lhes quatro ou cinco tipos de pessoas que O buscam e
algumas que não O buscam de forma alguma.
1. Em primeiro lugar, algumas PESSOAS NÃO PERGUNTAM O
CAMINHO DE SIÃO NEM VOLTAM SEUS ROSTOS PARA LÁ.
Talvez haja alguém assim entre aqueles a quem me
dirijo agora. Seu relacionamento com
Cristo é de total indiferença. Há milhões de pessoas ao nosso redor nessa
triste condição. Elas não se opõem abertamente — não pensam o suficiente nas
coisas de Cristo para assumir essa posição. Elas se referem às questões eternas
como se fossem coisas banais e veem as questões temporais como se fossem muito
importantes. Elas chamam a isso de “agarrar a oportunidade” e “buscar o que é
mais importante”. No entanto, quanto à sua alma, a Deus, ao céu e à eternidade,
elas são totalmente indiferentes.
Vamos pensar, por um minuto ou dois, em relação a que elas são indiferentes.
Elas são totalmente indiferentes a Deus. Ele as fez, mas mesmo assim elas acham
que não devem nada ao Criador. A cada minuto que vivem, o ar em suas narinas é
dom Dele; contudo elas não Lhe dão nenhum retorno — Ele nem sequer está em seus
pensamentos. Você sabe que há muitas pessoas vivendo como se Deus não
existisse. Isso é terrível, pois Deus irá requerer tudo isso de suas mãos. Tão
certo quanto elas vivem, se quebram Suas leis, elas serão punidas. Se
negligenciam Sua grande salvação, Ele as castigará. Ele conhece toda a sua
indiferença e Se entristece com isso. Ouça, como Ele próprio coloca isso:
“Ouvi, ó céus, e dá ouvidos, ó terra, porque o SENHOR é quem fala: Criei filhos
e os engrandeci, mas eles estão revoltados contra mim. O boi conhece o seu
possuidor, e o jumento, o dono da sua manjedoura; mas Israel não tem
conhecimento, o meu povo não entende” (Isaías 1:2-3). Não é coisa de somenos
ser totalmente indiferente a Cristo, Aquele que amou tanto ao mundo que teve de
deixar o céu para não deixá-los perecer; e teve de vir à terra para ser um
Homem humilhado, sofredor, desprezado e crucificado, a fim de redimir os
homens. Contudo, apesar de tudo o que Ele fez, que deve ter surpreendido os
anjos do céu e cativado o coração de todos os homens bons da terra, essas
pessoas não se importam —
Nada é para ti, que tudo ignoras?
Nada é para ti que Jesus devesse morrer?
Elas também são totalmente indiferentes com relação a
si mesmas. Elas esperam ter problemas na vida, mas, quanto àquilo que nos
consola quando passamos por provações, elas não querem nem saber. Elas veem
muitas pessoas do povo de Deus passarem por sofrimento, privação e tristeza com
calma e tranquilidade, e às vezes ficam curiosas para saber qual é o segredo —
mas sua curiosidade não é grande o suficiente para tirá-las da sua indiferença.
Muita gente nunca entrou num lugar onde Cristo é pregado. Alguns vizinhos
sabem, pelo badalar dos sinos, que é domingo, mas isso é tudo o que o domingo
significa para eles. Ah, como isso é triste! Deve ser um peso enorme para cada
coração sensível que existam multidões que não perguntam o caminho de Sião, nem
se voltam para ele. Como é triste tanta gente ser tão indiferente à sua própria
condição eterna! Elas sabem que um dia irão morrer — é raro encontrar alguém
que não saiba — e alguns acreditam que, ao morrer, haverá outro estado e um
julgamento final e terão de prestar contas diante do tribunal de Deus. No
entanto, ainda assim continuam no seu dia a dia “como gado mudo conduzido”.
Como o boi vai para o matadouro e como o cordeiro vai para o mercado, do mesmo
modo tais pessoas descem à sepultura sem ansiedade e sem pensar.
Infelizmente elas não pensam no despertamento que é
tão certo quanto a própria morte, na ressurreição que é um fato indubitável e
na temível manifestação diante do trono de Deus, onde os olhos de fogo lerão
seus corações e a língua de trovão proclamará suas obras registradas no
memorial de Deus. Ah, não, elas não se importam com tudo isso; para elas, tudo
é insignificante! E como há gente assim. Tenham compaixão delas, caros amigos,
e orem por elas — e façam tudo o que for possível, pois “tais fostes alguns de
vós”. Ontem, conversei com uma porção de trabalhadores que, segundo creio,
tinham realmente colocado sua fé em Cristo, e fiquei encantado pela forma como
foram levados ao Salvador por seus colegas. No entanto, alguns deles, os quais
contavam com pelo menos quarenta anos de idade, me disseram não ter orado ou
elevado o pensamento a Deus até que o tivesse Se encontrado com eles. E Aquele
que pode Se encontrar com alguns, pode Se encontrar com outros também; por
isso, sejam as nossas orações para que Ele faça assim para o louvor da glória
da Sua graça!
Muitas vezes, quando alguém é indiferente às coisas
divinas, é porque em vão imagina ser
sábio. Não acho que você e eu devamos nos meter em tudo. Existem coisas que
podemos muito bem deixar de lado, mas não em relação a Deus e a eternidade!
Posso ser indiferente a Deus, mas Ele não é indiferente a mim. Posso
esquecê-lO, mas Ele nunca Se esquece do que eu faço, penso e digo. Tão certo
quanto vivo, terei de me apresentar diante do Seu tribunal de justiça. Posso desdenhar
de Cristo, mas terei de vê-lO assentado no Seu grande trono branco. E se não O
tiver como meu Salvador, então, terei de aparecer diante Dele como meu Juiz — de modo que a minha indiferença
seja vã!
Outro pensamento que deveria ocorrer às pessoas é que essa indiferença é uma grande tolice.
Quando alguém é indiferente à sua própria felicidade, é realmente um tolo! Se
uma pessoa está doente e há um medicamento que pode curá-la, mas ela não liga
para isso, ficaríamos muito preocupados e lhe diríamos que ela é muito
imprudente. Se uma pessoa extremamente pobre pudesse ficar rica, mas não desse
importância a isso, pensaríamos que ela é louca. Ora, não há alegria como a
alegria da salvação em Cristo. Não há felicidade debaixo do céu como a
felicidade do homem que se coloca nas mãos de Cristo e descansa nEle! Contudo,
essas pessoas não se importam com isso. Pobres almas, elas não conhecem o valor
de Cristo. Bem disse o poeta —
Se todas as nações conhecessem o Seu valor,
Com certeza o mundo todo O amaria.
E, se conhecessem o prazer da religião, também
gostariam de desfrutá-lo. Dizem que somos um povo pobre, melancólico,
deprimido. Não acho que pareçamos assim! Parecemos? De qualquer forma, não nos
sentimos assim —
Os homens da graça encontraram
Glória mesmo aqui embaixo.
Nossa religião é vibrante, nossa fé é alegre e nos
ajuda a superar as tribulações de cada momento. Ah, que essas pessoas não sejam
indiferentes a isso, mas comecem a perguntar o caminho de Sião com os rostos
voltados para lá!
2. Agora, em segundo lugar, há um grupo de pessoas que
PERGUNTA O CAMINHO DE SIÃO COM OS ROSTOS VOLTADOS PARA O OUTRO LADO.
De vez em quando, encontramos algumas pessoas —
algumas aqui mesmo — com o rosto voltado para o outro lado, para longe de Deus,
mas elas vêm e gostam de ouvir sobre o evangelho. Não consigo compreendê-las —
elas se dão ao trabalho de sair no domingo para ouvir o caminho para o céu,
contudo andam deliberadamente na direção oposta! Não vou dizer novamente o que
disse uma vez, que quase desejava que quem ouve o evangelho durante anos e
nunca o aceita deveria ficar longe daqui se não fosse para recebê-lo — a fim de
dar lugar a quem quisesse. Sempre lamento ter dito isso, pois, desde então,
existe alguém que se afastou — e por cuja conversão sempre oro — o qual me
disse haver bom senso em minha observação e, como ele não pretendia receber a
salvação, não viria mais ouvir sobre ela. E, até onde sei, ele não veio mesmo.
Às vezes tenho a esperança de que sua própria franqueza o ajude a pensar —
pois, embora não venha mais, ele ama este lugar e a mim — e peço a Deus que,
mesmo o que pareceu uma consequência tão triste do que eu disse, no final das
contas, possa resultar em uma coisa boa. Mas não direi aquilo outra vez.
Ainda assim, é muito estranho alguém dizer “fale-me
sobre o caminho para o céu”, e quando lhe falamos, a pessoa começa a andar para
o outro lado. “Vá para leste”, você diz. Mas ela vai direto para oeste. Qual
será a razão disso? Algumas pessoas têm o vício secreto da bebida, ou são
lascivas, ou têm vida dupla, mas sempre são vistas ouvindo o evangelho. Por
quê? Será que desejam aumentar sua
própria condenação? Será que pretendem deliberadamente que o evangelho, o
qual não permitirá ser para eles aroma de vida, seja cheiro de morte? Será que
realmente preferem isso? Não posso acreditar!
Espero que vocês não venham aqui para ouvir coisas para dar início a uma discussão e criticar o que
ouviram. Não se pergunta o caminho de Sião para reclamar dele, ou para
encontrar defeitos na resposta de quem tenta responder a pergunta — longe de
vocês tal coisa! No entanto, existem alguns que, sem dúvida, são culpados desse
pecado. Bem, deixe-me lhes dizer uma coisa: mesmo se vierem para ouvir o sermão
e zombar dele, venham e ouçam! Lembro-me de alguém que, posteriormente,
tornou-se um cristão muito conhecido, mas quando foi ouvir George Whitefield
pela primeira vez foi por ser um grande imitador. Essa pessoa queria ouvir
Whitefield para depois imitá-lo num clube que chamavam de “Clube do Fogo do
Inferno”. “E agora, companheiros”, disse ele, “vou lhes apresentar um sermão
que ouvi ontem de George Whitefield”. E o homem começou a repetir o sermão; no
entanto, ele mesmo foi convertido enquanto pregava — e o mesmo aconteceu com
vários de seus colegas, os quais tinham se reunido por blasfêmia! Portanto,
venha, mesmo que seja por um objetivo tão vil quanto esse! Ainda assim, é muito
triste que as pessoas perguntem o caminho de Sião e voltem seus rostos para a
direção oposta. Muda-os, ó Deus, e eles serão mudados!
3. Há ainda uma terceira classe de pessoas que
PERGUNTA O CAMINHO DE SIÃO, MAS NÃO VOLTA O ROSTO PARA LÁ.
Tais pessoas não são contra a religião, mas seus
rostos não estão voltados para ela. Eu não as entendo — estão sempre querendo
saber como podem ser salvas e outras coisas relativas à salvação, mas não
parecem querer recebê-la — seus rostos não estão nessa direção.
Qual é o significado da sua conduta? Apenas curiosidade? Será que elas querem
entender teologia como outras pessoas desejam entender astronomia ou botânica?
Isso é quase como tomar um gole de vinho dos cálices sagrados, como fez
Belsazar — e todos sabem como naquela mesma noite ele foi morto. Quando alguém,
que não tem parte nem interesse neste ministério, discute doutrina e coisas
assim, é como se estivesse brincando com o pão dos filhos de Deus, ou
deixando-o em migalhas.
Qual é a razão dessas pessoas perguntarem sobre
salvação? Será por pensarem que um
simples conhecimento do assunto as salvará? Há alguém aqui pensando que um
credo ortodoxo pode salvá-lo? Sinto muito, mas creio não haver ninguém mais
ortodoxo que o diabo; contudo, com certeza, ninguém está mais perdido do que
ele! Você pode ter uma mente brilhante, mas se não tiver um coração puro, ela
lhe será de nenhuma valia no final. Você pode conhecer os Catecismos de
Westminster de cor e salteado e, com todo entusiasmo, confrontar quem se desvia
da sã doutrina; no entanto, se não nascer de novo, isso de nada lhe adiantará.
Você diz crer nos 39 artigos da Religião (da Igreja Anglicana)? Um deles é indispensável
— “é preciso nascer de novo” — e ai do homem que não passou por essa mudança
importantíssima!
Pode ser, no entanto, que alguns que perguntam o
caminho de Sião, mas não voltam seus rostos para lá, estejam perguntando apenas para aquietar sua consciência.
Isso os faz se sentir melhor ao ouvir um sermão. Mas que gente estranha! Eis um
homem faminto — será que seu apetite é saciado quando ele sente o cheiro da
comida, quando vê os pratos serem colocados na mesa e quando ouve o tinir dos
talheres? Será que se alguém for extremamente pobre, ficará rico só de andar
pelos corredores do Banco da Inglaterra e saber que há ali grande quantidade de
dinheiro? É muito estranho pensar desse modo, pois isso pode aumentar, não
diminuir, a sensação de pobreza — saber que há tanta riqueza e não ter parte
nela.
Será que você
está tentando acumular um pouco de conhecimento para ir usando aos poucos? Você está perguntando pelo caminho de Sião para andar
por ele quando lhe for conveniente? Ah, meu caro, está tentando se aproveitar
de Deus? Está pretendendo deixá-lO em stand-by
enquanto você cuida de coisas mais importantes? O que por vir antes de Deus?
Conheci um homem que, em diversos aspectos, era muito religioso; no entanto,
havia uma meretriz entre ele e Deus. Conheci outro que pensava muito em Deus,
mas, no seu caso, era um copo de vinho e a companhia de certos amigos que se
interpunham entre ele e Deus. Ah, tantas coisas são terrenas, sensuais e
malignas — mas, ainda assim, as pessoas dizem que Deus precisa esperar até que
tenham aproveitado todas elas! Cavalheiro, Deus não lhe servirá de lacaio! E
pode até acontecer o que aconteceu com Félix (Atos 24) — você nunca terá uma
hora conveniente para Deus — e Deus nunca terá uma hora conveniente para você!
Oh! Não deixe ser assim! Se perguntar o caminho de Sião, volte seu rosto para
lá.
4. Há também um quarto grupo de pessoas que VOLTAM
SEUS ROSTOS PARA SIÃO, MAS NÃO PERGUNTAM O CAMINHO.
Talvez nesta categoria não haja tantas pessoas quanto
nas anteriores, mas há algumas. Elas estão decididas a ser salvas. Estão
ansiosas para ter um encontro com Cristo. Querem se unir à igreja. Desejam,
acima de tudo, alcançar o céu… mas não perguntam o caminho para lá. Será que
imaginam haver tantos assim? Quantos caminhos levam ao céu? Este Livro declara
que há um só! Ele diz: “Porque ninguém pode lançar outro fundamento, além do
que foi posto, o qual é Jesus Cristo” (1 Co. 3:11). E o próprio Cristo afirma:
“Eu sou o caminho”. Ele não diz “Eu sou um dos caminhos”, mas “Eu sou O caminho”. Acabei de citar uma das
últimas declarações de Cristo: “quem crer e for batizado será salvo” (Mc.
16:16). Bem, suponha que a pessoa não creia, o que vem então? “Quem, porém, não
crer será condenado”. Veja, portanto, que o ensino de Jesus não tolera qualquer
tipo de concessão! Ele não admite haver outros caminhos para o céu e outros
meios de salvação. “Crê no Senhor Jesus e serás salvo” (Atos 16:31). “Quem nele
crê não é julgado; o que não crê já está julgado, porquanto não crê no nome do
unigênito Filho de Deus” (João 3:18). Muitas pessoas, se forem filhos de pais
crentes, seguirão o pai e a mãe no bom caminho. Mas, se forem filhos de pais
ímpios, elas os imitam. Se meu pai fosse cego, não vejo razão pela qual deveria
arrancar meus olhos. E, se alguém tem pais extremamente pobres, será que diria:
“Bem, nem vou tentar melhorar minha condição. Vou ser tão pobre quanto eles e
ser feliz desse jeito”? É óbvio que não! Então, por que você deveria seguir
seus pais em pecar contra Deus? Se o pai está errado, quanto maior razão para o
filho ser determinado a fazer o que é certo! Já existe muita gente perdida na
sua família — por que não ser o primeiro a ser salvo, se não houver outros?
Pense nisto, é importante. Pergunte o caminho de Sião.
Então, você diz: “Onde devo perguntar”? Bem, em
primeiro lugar, pergunte ao Livro —
Eis o árbitro que põe fim à discussão,
Onde faltam a lógica e a razão,
Nosso guia para a eterna vida
Pelo vale escuro desta lida.
Após consultar o Livro, ajoelhe-se e consulte o Espírito bendito que inspirou
o Livro! Se você não consegue entender a Bíblia, peça ao Seu Autor para
explicá-la a você. Ele dá sabedoria, por isso, peça orientação ao Espírito
Santo. Peça ao Senhor Jesus Cristo
para Se manifestar a você como Ele não Se manifesta ao mundo, e para guiá-lo em
Seu caminho. Também posso lhe dizer, mas isso é totalmente secundário, consulte os Seus servos. Vá e ouça o
evangelho! Não vá aonde a pregação é legal e inteligente — a menos que o
verdadeiro evangelho esteja sendo pregado lá. O povo da Inglaterra conseguiu
junto ao Parlamento a aprovação de leis contra a venda de produtos adulterados
— e, em Londres, as pessoas tentam comprar leite que contenha pelo menos um pouco de leite — mas, mesmo assim,
elas vão ao culto e dizem: “Esse pregador é inteligente”. Sim, ele é, mas e o
evangelho pregado por ele? “O órgão daqui é muito bom!” E o evangelho, é
proclamado na íntegra? “Podemos ver as cores do arco-íris nas costas dos irmãos
que ministram no altar”. Sim, mas o evangelho é pregado nesse altar? Tudo
depende disso — o resto pouco importa. Eles podem tentar nos vender o que
quiserem, mas se não for um artigo genuíno, nós não compraremos — se não for o
evangelho, o que podemos querer com ele? Queremos aquilo que realmente irá nos
salvar, agora e por toda a eternidade; é isso que pedimos a quem prega o evangelho, que pregue nada além do evangelho.
Também posso acrescentar que você fará muito bem em perguntar sobre o caminho para pessoas que
fazem parte do povo de Deus. Embora não sejam pregadoras, de bom grado
poderão lhe dizer o que sabem e, muitos homens e mulheres piedosas podem lhe
explicar justamente o que você precisa saber. Gosto de ver as pessoas quando
elas, sinceramente, procuram algum amigo cristão e dizem: “Você pode me dizer
como posso ter um encontro com Cristo”? É muito bom ouvir uma jovem perguntar à
professora da sua classe ou a alguma crente mais madura: “Irmã, você pode tirar
minhas dúvidas? A senhora tem uma boa carreira a caminho do céu — pode me dizer
o que tenho de fazer”? É uma coisa boa, portanto, fazer perguntas àqueles que
já estão na estrada. Muitas vezes, desta forma, você pode ter suas concepções
erradas corrigidas, e antes de se desviar muito, pode ser dirigido para o
caminho certo.
5. Agora, para encerrar, os melhores indagadores são
aqueles que VOLTAM SEUS ROSTOS PARA SIÃO E TAMBÉM ESTÃO DISPOSTOS A PERGUNTAR O
CAMINHO.
É esta a sua condição,
caro amigo? Já voltou seu rosto para Cristo, para a uma vida de santidade e
para o céu, e está perguntando o caminho para lá? Bem, então, deixe-me lhe
dizer duas ou três coisas para encorajá-lo. A primeira é: agradeça a Deus por seu rosto estar voltado para lá e por você estar
perguntando o caminho —
Minha busca pela Sua face
É somente pela Sua graça,
disse alguém. E é exatamente isso. Agradeça a Deus
pela graça que o faz sentir-se inquieto ao pecar, pela graça que o faz desejar
mais graça, pela graça que o faz almejar ser cristão! Dê muito valor a essa
pequena graça, pois, de forma alguma, ela é pequena; e, quando pensar nela,
bendiga a Deus por ela!
Lembre-se, em seguida, de que você deve agir como sabe que deve agir. Se o Senhor lhe mostrou o
caminho certo, siga por ele. Talvez você diga: “Mas é muito difícil”. As
dificuldades não importam — cruze cada ponte quando chegar nela. “Mas há muitas
coisas que não entendo”! Sem dúvida que há! E há muitas coisas que eu também
não entendo. E algumas delas, em particular, nem quero entender! Se eu
compreender aquilo que diz respeito ao meu bem-estar eterno, ao bem dos meus
amigos e à glória Deus, para mim isso é suficiente. Até aqui, posso dizer, com
Jack, o vendedor ambulante[1]
—
Sou um pobre pecador, nada mais,
Cristo, porém, é meu Tudo em Tudo.
O mapa da estrada me trouxe até aqui e eu gostaria de
lhe dizer para segui-lo, pelo menos por enquanto. “Mas eu quero conhecer tudo
sobre a doutrina da eleição e outras coisas mais”. Quer mesmo? Bem, um dia você
conhecerá, mas, neste momento, não é preciso pensar tanto nessa gloriosa
verdade de Deus quanto no fato de que Deus enviou Seu Filho ao mundo para que
os homens pudessem viver por meio Dele! Siga essa linha da Verdade por
enquanto. Você tem o rosto voltado para Sião, portanto, siga em frente! Você me
perguntou o caminho e eu lhe ensinei o suficiente para saber que Cristo é o
caminho — então, deixe-O ser o seu caminho. E, se houver algo mais a aprender —
e há — Deus há de lhe mostrar.
De algumas das grandes doutrinas do evangelho, nosso
Senhor poderia lhe falar como falou a Seus discípulos: “Tenho ainda muito que
vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora” (João 16:12). Você irá
suportá-las, mas aos poucos. Quando seu filho ganha sua primeira cartilha, ele
começa a choramingar e dizer: “Não quero aprender o alfabeto, mamãe; meu irmão
já está aprendendo outra língua, por que eu também não posso?” E aí, você diz:
“Querido, aprenda o alfabeto agora e, com o tempo, se for necessário, aprenderá
outra língua”. Por isso, caro amigo, guarde apenas textos como estes: “Cristo
Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores” (1 Tm. 1:15); “quem crê no Filho
tem a vida eterna” (João 3:36). Se você está perguntando o caminho de Sião com
o rosto voltado para lá, lembre-se de que o Senhor já preparou o caminho. Ele
sabia que pés trôpegos passariam por ele, por isso, removeu todas as pedras.
Ele sabia que haveria alguns viajantes de olhos embotados, por isso Ele pôs no
alto um lampião reluzente e Ele, Ele mesmo, é a sua Lâmpada! Ele sabia que você
teria de suportar um fardo pesado até começar a trilhar o caminho estreito, por
isso, Ele tinha um sepulcro aberto perto da cruz, para que quem quer que
olhasse para Ele lá no Calvário pudesse sentir o fardo sendo tirado das suas
costas e enterrado naquele sepulcro, para nunca mais ser encontrado! Ah, caro
amigo, corra pelo caminho que Jesus preparou! Creia, creia, CREIA, CREIA! Este
é o caminho — CREIA! Creia em Deus como seu Pai! Creia em Cristo como seu
Redentor! Creia no Espírito Santo como seu Renovador! Isso tem a ver com você!
Isso tem a ver com seu Deus, seu Salvador, seu Consolador! Creia em Jesus
Cristo e você encontrou o caminho! Você está salvo, seus pecados estão
perdoados, você é “aceito no Amado”. Você ainda não foi para o céu, mas irá, no
tempo de Deus. Você ainda não se uniu à igreja visível de Cristo, mas será
bem-vindo nela — não deixe para depois. Você ainda não se uniu à igreja
triunfante, mas um dia se unirá. Portanto, tenha bom ânimo, e que o Senhor o abençoe!
Amém e amém.
Tradução e Revisão: Mariza Regina de Souza
[1]
Famoso bêbado blasfemo que vendia
quinquilharias de porta-em-porta, o qual ouviu uma mulher cantando esse refrão
e, quando chegou em casa, começou a repeti-lo, sendo convertido a Cristo. Essa
história era sempre repetida por Spurgeon em seus sermões (fonte: http://www.sermonaudio.com/new_details3.asp?ID=25463)
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