quinta-feira, 2 de agosto de 2012

O estatuto de Davi para a divisão dos despojos


Sermão nº 2208

Ministrado na manhã do Dia do Senhor, 7 de junho de 1891, pelo
Rev. C. H. Spurgeon
no Tabernáculo Metropolitano, Newington

Este é o último sermão de Charles Spurgeon no Tabernáculo Metropolitano, em Londres, Inglaterra. Ele lutou contra a enfermidade na maior parte do ano de 1891. Finalmente, foi para Mentone, na Riviera francesa, para tentar descansar e se recuperar, mas sucumbiu em janeiro de 1892, sem ter voltado ao púlpito.

Chegando Davi aos duzentos homens que, de cansados que estavam, não o puderam seguir e ficaram no ribeiro de Besor, estes saíram ao encontro de Davi e do povo que com ele vinha; Davi, aproximando-se destes, os saudou cordialmente. Então, todos os maus e filhos de Belial, dentre os homens que tinham ido com Davi, responderam e disseram: Visto que não foram conosco, não lhes daremos do despojo que salvamos; cada um, porém, leve sua mulher e seus filhos e se vá embora. Porém Davi disse: Não fareis assim, irmãos meus, com o que nos deu o SENHOR, que nos guardou e entregou às nossas mãos o bando que contra nós vinha. Quem vos daria ouvidos nisso? Porque qual é a parte dos que desceram à peleja, tal será a parte dos que ficaram com a bagagem; receberão partes iguais. E assim, desde aquele dia em diante, foi isso estabelecido por estatuto e direito em Israel, até ao dia de hoje. Chegando Davi a Ziclague, enviou do despojo aos anciãos de Judá, seus amigos, dizendo: Eis para vós outros um presente do despojo dos inimigos do SENHOR.” ━ I Samuel 30:21-26

AQUELE QUE SE ASSOCIAM a um líder devem participar do seu destino. Seiscentos homens haviam deixado seus lares na Judeia. Incapazes de enfrentar a tirania de Saul, eles se uniram a Davi e o fizeram seu comandante. Alguns deles eram da melhor qualidade, outros, da pior: nesse sentido, assemelhavam-se aos crentes das nossas congregações. Alguns tinham excelente caráter, os quais Davi teria procurado; outros, no entanto, eram pessoas indesejáveis, das quais ele teria, de bom grado, se livrado. Contudo, fossem o que fossem, eles iriam ascender ou cair com seu líder e comandante. Quando Davi recebeu a cidade de Ziclague para morar, lá eles tinham uma casa e um lar; e quando Ziclague foi destruída pelo fogo, suas casas não escaparam. Quando Davi ficou em meio às ruínas fumegantes, sem um centavo e sem esposa, eles ficaram nas mesmas condições. Essa regra é válida para todos nós, que nos juntamos a Cristo e sua causa; devemos ser participantes com Ele. Espero que estejamos prontos a defender esse preceito hoje. Se o evangelho de Cristo for ridicularizado e injuriado, que estejamos dispostos a ser ridicularizados e injuriados por amor dEle. Participemos com prazer da Sua humilhação e jamais pensemos em recuar. Isso é um grande privilégio, pois, aqueles que estiverem com Ele em Sua humilhação também estarão com Ele em Sua glória. Se partilharmos o Seu opróbrio no meio de uma geração perversa, também nos assentaremos no Seu trono e partilharemos Sua glória no dia da Sua revelação. Irmãos, espero que a maioria de nós esteja disposta a isso, a perder ou vencer com Jesus. Na vida ou na morte, onde Ele estiver, lá estaremos nós, Seus servos. Nós aceitamos com alegria tanto a cruz como a coroa que acompanham nosso Senhor Jesus Cristo: estamos ansiosos para confessar plenamente a nossa culpa, a fim de participarmos da Sua alegria. 

Quando um grupo de homens é vítima de um grande desastre, com frequência, o que se segue é um motim. Por menor que seja a responsabilidade do líder, a derrota sempre lança a culpa sobre ele. Quando a batalha é vencida, “é vencida pelos soldados”; cada homem do exército reivindica seu quinhão nos louros da vitória. Contudo, quando a batalha é perdida, abaixo o comandante! A culpa é toda dele; se fosse um general melhor, teria vencido. É assim que o povo fala: justiça está fora de questão. Aconteceu o mesmo no desastre de Ziclague, quando a cidade foi queimada e as mulheres e crianças levadas cativas; por isso lemos que aqueles homens falaram em apedrejar Davi. Mas, por que Davi? Porque ele mais do que os outros é difícil de entender, pois nem ele, nem qualquer um deles, estava lá. Eles estavam tão aflitos que seria um alívio apedrejar alguém; e por que não Davi? Irmãos, às vezes acontece, mesmo com os servos de Cristo, quando são vítimas de perseguição e perdas por amor do Senhor, de o tentador vir lhes sussurrar que abandonem sua fé. ━ “Desde que se tornou cristão, você só tem problemas. Parece que os cães do inferno estão mordendo ainda mais seus calcanhares desde que aceitou a Cristo. Por isso, desista e deixe isso para lá.” ━ Mas que sugestão maligna! Motim contra o Senhor Jesus? Você ousaria? Alguns de nós não, pois quando Ele nos pergunta: “quereis também vós outros retirar-vos?”, só podemos responder: “Senhor, para quem iremos? Tu tens as palavras da vida eterna.” Nenhum outro líder é digno de ser seguido. Precisamos seguir o Filho de Davi. Motim contra Ele está fora de questão.

“Se pelas águas, se pelo fogo Jesus nos guiar
Nós seguiremos por onde Ele andar”

Quando um cachorro segue uma pessoa, podemos saber se ela é sua dona observando o que acontece quando eles chegam a um cruzamento. Se o animal continuar perto dela todas as vezes em que ela dobrar uma esquina, ele lhe pertence. Às vezes, você e eu também chegamos a um cruzamento e, muitos de nós, pela graça de Deus, já estamos preparados para provar nossa lealdade a Jesus, seguindo-O mesmo quando o caminho é mais difícil. Ainda que haja lágrimas nos olhos Dele e nos nossos, e ainda que choremos juntos até não termos mais forças, nós nos agarraremos a Ele quando a multidão Lhe der as costas, e testemunharemos que só Ele tem a Palavra viva e mais ninguém neste mundo. Que Deus nos conceda graça para sermos fiéis até a morte!

Se assim seguirmos nosso líder, e suportarmos o seu opróbrio, nosso fim será uma gloriosa vitória. Foi um triste espetáculo ver Davi deixando duzentos homens para trás, marchando com forças reduzidas e indo atrás de um inimigo que ele mal sabia para onde ia, o qual talvez fosse bem mais forte que o seu pequeno bando e pudesse destruí-lo. Foi um espetáculo melancólico, para os que ficaram para trás, ver seu líder enfraquecido, exausto e abatido como eles mesmos, indo atrás dos terríveis amalequitas. Quão diferente foi a cena, quando Davi voltou ao ribeiro de Besor mais que vencedor! Não estão ouvindo a algazarra da comemoração? Um bando vem na frente conduzindo vastas manadas de gado e rebanhos de ovelhas, marchando e cantando “Este é o despojo de Davi!” A seguir, vêm os homens armados, com Davi entre eles, todos carregados de despojos, cantando outra canção; os que formam a retaguarda bradam exultantes: “Davi recuperou tudo! Davi recuperou tudo!” Eles, os exaustos que ficaram no ribeiro de Besor, ouvem aquela mistura de sons e se juntam primeiro aos que bradam, depois aos outros, cantando: “Este é despojo de Davi! Ele recuperou tudo!”

Sim, não temos dúvida quanto ao resultado da nossa luta. Os fieis a Cristo serão glorificados com Ele. Que Ele dividirá os despojos com os fortes nunca foi problema. “E a vontade do SENHOR prosperará nas suas mãos.”

A antiga verdade que nos mantém de pé jamais será apagada.

Gravada como em bronze eterno
Brilha a poderosa promessa;
Nem os poderes do inferno
Apagarão tais linhas eternas

Tão certo como vivemos, a verdade banida voltará em triunfo. A fé que uma vez por todas foi entregue aos santos pode ser oprimida durante algum tempo; mas não se regozijem sobre nós, ó adversários: ainda que caiamos, nós nos levantaremos de novo! Pois esperamos com paciência, aguardamos com serenidade e cremos em silêncio. No caminho, bebemos do ribeiro de Besor e nos recobramos.

Nesta manhã, quero falar sobre as palavras de consolo dadas pelo Senhor aos fracos e abatidos do Seu exército. Que elas sejam usadas pelo divino Consolador!

1. Começarei dizendo, primeiramente, que HÁ FRACOS E ABATIDOS ATÉ MESMO NO EXÉRCITO DO NOSSO REI. Entre os próprios escolhidos do exército de Davi ━ heróis de guerra desde a sua juventude ━ havia mãos frouxas e joelhos trôpegos que precisavam ser fortalecidos. O mesmo ocorre no exército de Cristo na maior parte do tempo. Temos entre nós soldados cuja fé é verdadeira e cujo amor é ardente; mas, ainda assim, neste momento sua fé está enfraquecida, e eles estão tão deprimidos que são forçados a ficar para trás com as bagagens.

Provavelmente alguns ficaram abatidos por se sentirem muito desorientados. Davi tinha se envolvido tão perigosamente com Aquis, o rei filisteu, que se viu forçado a ir com ele para a batalha contra Israel. Atrevo-me a dizer que aqueles homens devem ter dito para si mesmos: “Como será que isso vai terminar? Será que Davi vai mesmo nos levar para lutar contra Saul? Quando teve ocasião de matá-lo, lá na caverna, ele não o fez, e ainda disse que não levantaria a mão contra o ungido do Senhor! Será que agora vai nos levar para lutar contra esse ungido? Esse Davi, antes um inimigo tão grande dos filisteus, que derrotou seu campeão, vai agora passar para o lado deles?” Eles ficaram confusos diante da atitude do seu líder. Não sei se concordam comigo, mas acho que meia hora de perplexidade deixa um homem mais cansado do que um mês inteiro de trabalho. Quando não se consegue ver o que está a frente, e não se sabe o que fazer, é ainda mais difícil. Quando, para sermos fiéis a Deus, parece que temos de romper as relações com os homens, e quando fazer um acordo infeliz com o mal nos torna infiéis à nossa confissão de fé, as coisas ficam confusas. Se não andarmos com cuidado, poderemos facilmente cair numa armadilha. Se os cristãos andarem em linha reta, é bem mais fácil, pois não é difícil encontrar o caminho em uma estrada sem curvas; mas, quando bons homens pegam atalhos desconhecidos, trilhas que cruzam as campinas, geralmente caem em valas que não estão no mapa, e entram em matagais e pântanos que não conhecem. É nesse ponto que caem em profunda depressão. Aqueles guerreiros podiam muito bem ter ficado desorientados; e talvez receassem que Deus estivesse contra eles ━ e sua causa agora fosse motivo de vergonha; quando chegaram a Ziclague e a encontraram destruída pelo fogo, sua confusão acrescentou intensa amargura ao seu sofrimento e eles se sentiram completamente derrotados. Eles não estavam fingindo, estavam realmente cansados, pois a mente pode rapidamente agir sobre o corpo, e o corpo falha lamentavelmente quando o espírito é afligido por perguntas e temores. Essa é uma das razões pelas quais alguns fiéis estão no rol dos doentes e precisam ficar nas trincheiras por uns tempos.

Pode ser, também, que o ritmo estivesse matando aqueles homens. Eles marcharam em passo acelerado durante três dias desde a cidade de Aquis até Ziclague. Eles podiam fazer um bom dia de marcha como qualquer um, mas não podiam caminhar em ritmo acelerado o dia inteiro. Há um grande número de cristãos desse tipo ━ homens bons, firmes, que conseguem avançar sob condições normais, desempenhando bem suas tarefas diárias e resistindo corajosamente às tentações comuns; mas, quando pressionados, eles falham miseravelmente: e quem não falha? Talvez tenhamos muitas labutas e desfaleçamos porque nossa força é pequena.

Mas o pior de tudo foi que a dor daqueles homens veio logo em seguida. Suas esposas tinham desaparecido. Muito embora, como se verificou depois, elas não tenham sido mortas ou feridas, como eles ainda não sabiam disso, temeram pelo pior. Para um homem, saber que sua esposa está nas mãos de salteadores e que talvez ele não a seja de novo, não é um problema assim tão simples. Seus filhos e filhas também tinham desaparecido: não haveria mais nenhum garotinho tagarela subindo em seus joelhos, nem uma garotinha doce dizendo “papai, você voltou!” Suas casas ainda queimavam e seus bens tinham sido consumidos pelo fogo; eles elevaram a voz e choraram: será que é tão estranho alguns deles terem desfalecido depois de entoar um triste miserere (lamento profundo)? Onde você estaria se, ao voltar para casa nesta manhã, encontrasse tudo queimado e sua família levada, sem que você soubesse para onde? Conheço muitos cristãos que ficam arrasados quando os problemas são grandes demais. Não deveriam, mas ficam. Temos motivos para agradecer a Deus por não sofrermos grandes tentações, a não ser aquelas comuns a todos os homens, ainda que não pareçam. No entanto, é possível que sintamos como se estivéssemos sendo particularmente tentados, como Jó. Mensageiro após mensageiro trazendo más notícias, e nosso coração longe do Senhor. É para esses, que estão abatidos pela dor, que falo neste momento. Talvez você seja um deles, e ainda assim seja um verdadeiro seguidor do Cordeiro ━ e, como Deus prometeu livrá-lo das suas aflições, certamente Ele manterá a Sua palavra. Lembre-se, Ele nunca prometeu que você não teria aflições, mas sim que Ele o livraria de todas. Pergunte aos santos na glória. Peça para saírem da fila aqueles que chegaram lá sem tribulações. Será que algum dos líderes das hostes celestiais dirá para dar um à frente quem teve suas vestes lavadas e alvejadas no sangue do Cordeiro, mas não passou por aflições enquanto esteve aqui embaixo? Ninguém se mexe em toda aquela multidão? Ninguém dá um passo à frente? Teremos de esperar eternamente por uma resposta? Vejam! Em vez de alguém se mexer, ouço uma voz dizendo “São estes os que vêm da grande tribulação.” Todos eles tiveram não apenas tribulação, mas grande tribulação. Com certeza, uma promessa do Novo Testamento é cumprida diante dos nossos olhos ━ “No mundo, passais por aflições”. Quando os problemas oprimiram os homens de Davi, estes se sentiram fracos e tiveram de parar às margens do ribeiro.

Talvez, ainda, a força da corrente fosse demais para eles. Como já disse, com toda probabilidade, o ribeiro de Besor era apenas uma depressão um pouco mais funda do solo, a qual, em épocas normais, ficava quase seca. Contudo, na estação das grandes chuvas, ela se enchia repentinamente, formando uma corrente impetuosa e lamacenta, contra a qual apenas os mais fortes poderiam resistir. Aqueles homens poderiam ter continuado em solo seco, mas a corrente era forte demais e eles temeram que ela os fizesse perder o equilíbrio, e eles se afogassem. Por isso, Davi permitiu que ficassem lá e guardassem a bagagem. Há muitos servos do Senhor que param repentinamente de fazer certos trabalhos mais difíceis ━ eles não são chamados a fazer aquilo que seus colegas mais fortes realizam com alegria. Eles fazem algumas coisas ━ mas não conseguem fazer mais; eles também suportam certas adversidades, mas são incapazes de suportar mais ━ desfalecem porque ainda não chegaram à plenitude do crescimento na graça. Seu coração é reto diante de Deus, mas eles não estão em condições de superar algumas dificuldades especiais. Não devemos sobrecarregá-los, pois são a parte mais fraca do rebanho. Muitos ficam desanimados com as controvérsias importantes da igreja. Tenho conhecido muitas pessoas assim ultimamente ━ a Verdade de Deus é sobremodo importante, mas elas gostam de paz. É extremamente necessário que alguns de nós resistam, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos, mas eles ainda não estão preparados para isso. Não conseguem discordar de seus amigos e se calam em vez de lutar pela Verdade de Deus. Existem corações sinceros que, no entanto, não conseguem defender o evangelho! Eles desejam sorte aos que defendem, mas buscam a retaguarda para si. Há alguns, ainda, que não conseguem avançar no conhecimento ━ eles sabem o básico e sentem como se não pudessem assimilar mais nada. É uma grande bênção que conheçam o evangelho e sintam que ele os salvará, mas os mistérios gloriosos da Aliança eterna, da soberania de Deus, do Seu eterno amor e da Sua graça indizível, eles não conseguem entender ━ são estes os que ficam no ribeiro de Besor, o qual, por enquanto, não podem atravessar. Faria um bem enorme se eles se arriscassem, mas eles não são atraídos para essas profundezas abençoadas. Ouvir essas verdades deixa-os mais cansados que instruídos. Eles não possuem capacidade de raciocínio suficiente para um conhecimento mais profundo de Deus. Gostaria que todos os cristãos almejassem conhecer tudo o que é possível acerca da Verdade revelada de Deus. Dizem que as coisas encobertas não nos pertencem. Com certeza, se elas são encobertas nós nunca as conheceremos, mas, tudo o que é revelado nós devemos conhecer, pois pertence a nós e a nossos filhos! Cuide de saber aquilo que o Espírito Santo ensina. Não dê lugar à ignorância medrosa, para que você não seja encontrado entre os grandes perdedores. A comida própria para bebês não é suficiente para jovens e pais ━ precisamos comer alimento sólido e deixar o leite para os pequenos.

No entanto, apesar disso, os frascos e abatidos estavam no exército de Davi. Seus nomes estavam da lista do Capitão da mesma forma que o dos mais fortes. Eles não eram desertores! Eles tinham o mesmo capitão que os mais valentes do regimento; eles podiam chamar Davi de “Mestre” e “Senhor” com a mesma sinceridade dos mais corajosos. Eles estavam prestes a enfrentar os mesmos perigos, pois se os homens da vanguarda fossem abatidos ou retrocedessem, os inimigos cairiam sobre os que guardavam as bagagens. Se os amalequitas matassem os primeiros quatrocentos, logo matariam os outros duzentos. O trabalho deles era tão necessário quanto o dos outros. Embora não tivessem de lutar, tinham de tomar conta das bagagens, e isso era uma preocupação a menos para os outros. Estou certo de que foi uma grande provação para eles não poder ir junto com os outros para a batalha. Para um bravo, ver as tropas passando por ele e ouvir os últimos passos de seus companheiros, deve ser horrível. Quem diria com prazer: “Fiquei para trás. O glorioso dia está chegando e não estarei lá. Enquanto viver me sentirei humilhado por não ter ido, e um fraco por não ter lutado com meus camaradas”? Não é fácil para um guerreiro ficar confinado a um hospital, sem poder ir atrás do inimigo. Mesmo aquele que está cansado gostaria de estar na linha de frente, às vistas do Capitão. Seu desejo é acabar com o inimigo e trazer os despojos para seus companheiros.

Bom, isso é o suficiente. Vou repetir só o primeiro ponto: mesmo no exército do nosso Rei existem pessoas abatidas.

II. Em segundo lugar, OS FRACOS E ABATIDOS SE REGOZIJARAM AO VER O RETORNO DO SEU LÍDER. Vejam, quando Davi voltou, eles foram ao seu encontro, e do povo que estava com ele. O que sinto é muito parecido com isso. Aliás, essa foi uma das razões pelas quais escolhi este texto. Fiquei muito feliz, após minha enfermidade, em poder retornar e encontrar meu Senhor em público. Eu esperava que Ele estivesse aqui; e Ele está. Também fico feliz por reencontrá-los, meus amigos. Até aqui fomos poupados da morte. Apesar de um breve período de afastamento, estamos novamente entre os irmãos. Graças a Deus! É uma grande alegria poder vê-los. Lamento por muitos membros da nossa igreja estarem afastados por essa doença (gripe ━ ver a nota no Sermão nº 2207); mas é uma bênção maravilhosa reencontrar tantos irmãos em Cristo. Os melhores momentos são aqueles em que estamos em comunhão uns com os outros e com nosso Senhor.

David saudou os que haviam ficado. Oh, como seria bom se o Senhor pudesse saudar a cada um de nós nesta manhã, especialmente aqueles que estão afastados! A saudação do nosso Rei é maravilhosa por seu entusiasmo. Ele não usa lisonjas, nem palavras vãs. Cada sílada proferida por Seus lábios é uma bênção. Cada brilho do Seu olhar é uma inspiração. Quando o rei em pessoa Se aproxima, é sempre dia de festa! Ouvir a Sua voz, até para os mais cansados, é motivo de celebração. Por isso eles foram se encontrar com Davi, e ele foi ao encontro deles, e houve grande alegria. Sim, ouso emendar e dizer que hoje há grande alegria entre nós também. Glorificado seja o Seu santo nome, o Senhor está aqui! Nós O sentimos e nos regozijamos com indizível alegria.

A camaradagem de Davi era espontânea e verdadeira. É bem provável que aqueles que ficaram para trás estivessem meio receosos de que seu líder pudesse dizer “Vejam só, seus preguiçosos, o que fizemos por vocês!” Mas, não, ele os saudou em vez de censurá-los. Talvez eles tenham pensado: “Ele vai nos repreender por não termos nos arrastado até a batalha.” Mas, não, “... ele a todos dá liberalmente e nada lhes impropera”. Davi não diz uma palavra de reprovação, pois seu coração se compadece deles, e, por isso, ele os saúda: “Irmãos, Deus tem sido gracioso para conosco. Salve!” Davi queria que todos se regozijassem e louvassem o Altíssimo. Ele não brindaria com uma gota de fel. Oh, que o Senhor nos saúde nesta boa hora! Quando Cristo está em nossa companhia, Sua presença faz toda diferença. Já viram quando a congregação está prestando atenção ao orador, e todos estão imóveis e impassíveis? De repente, o Espírito Santo desce sobre o orador e o próprio Rei se manifesta visivelmente entre os ouvintes, e todos sentem como se pudessem pular e gritar “Aleluia, aleluia!” Então, os corações batem mais rápido e as almas pulam de alegria; pois onde Jesus está, Sua presença enche o lugar de deleite. Ora, aqueles que estão cansados, se estiverem aqui, quem quer que sejam, regozijem-se no encontro com seu Líder, e seu Líder se manifestará a vocês! Se ninguém mais tiver um soneto, eu tenho. Ele deve, e Ele será louvado. “Tu és o Rei da glória, ó Cristo! Céus e terra Te adorem. Tu reinarás para todo o sempre.”

III. Em terceiro lugar, OS FRACOS E ABATIDOS TÊM NO SEU LÍDER UM ADVOGADO. Ouçam os blasfemos filhos de Belial, aqueles homens vis, como insultam a quem Deus afligiu! Eles se aproximam de Davi e começam a gritar: “Os fracotes que não foram à luta não vão partilhar dos despojos. Que peguem suas mulheres e seus filhos e vão-se embora.” Eles gritaram com voz alta e cruel, e entristeceram grandemente os mais fracos. Quem falaria em defesa destes? Seu líder tornou-se o seu advogado.

Antes de mais nada, percebem que Davi pleiteou que todos fossem unidos? Os seguidores do filho de Jessé são um e são inseparáveis. Davi disse: “Não fareis assim, irmãos meus, com o que nos deu o SENHOR, que nos guardou.” “Somos todos um”, disse ele, “Deus nos deu os despojos; não são só para vocês, mas para todos. Somos um grupo de irmãos.” A unidade dos santos é o consolo dos fracos. Irmãos, nosso Senhor Jesus Cristo restaura os abatidos quando pensamos que nEle somos todos um. Talvez eu seja o pé, todo sujo e empoeirado, e você a mão, ostentando uma pedra preciosa; mas ainda estamos no mesmo corpo. Um irmão é a mente de pensamentos santos; outro é o lábio da persuasão; e um terceiro, o olho da vigilância; mas todos ainda somos um corpo em Cristo. Não podemos, nenhum de nós, sem o auxilio de um irmão, ministrar para o bem de todos. “Não podem os olhos dizer à mão: Não precisamos de ti.” Somos todos um em Jesus Cristo. Com certeza, isso deve confortar aqueles que, por motivo de fraqueza, sentem como se fossem membros inferiores do corpo: vocês ainda são membros vivos do corpo místico de Jesus Cristo, nosso Senhor, e que isso lhes seja suficiente. Uma só vida, um só amor e um só céu será nosso em nosso único Salvador.

Davi também pleiteou a livre graça, pois lhes disse: “Não fareis assim, irmãos meus, com o que nos deu o SENHOR.” Ele não disse: “Com o que vocês conquistaram e ganharam honestamente na batalha”, mas “com o que nos deu o SENHOR”. Considere cada bênção como um presente e você não pensará em excluir ninguém dela, nem você mesmo. O dom gratuito de Deus é a vida eterna; por que não tê-la? Não negue a qualquer um de seus irmãos o consolo da Aliança da graça. Não pense: “Ele não deve ter tanta alegria.” Tudo é pela livre graça, e se é pela graça, tanto o maior quanto o menor podem tê-lo. Se tudo provém da graça, então, meu pobre e esforçado irmão, que mal consegue ter certeza da sua própria salvação, você pode reivindicar cada bênção da Aliança de Deus. Deus dá a você gratuitamente as provisões do Seu amor da mesma forma que dá a mim; portanto, sejamos felizes e não julguemos a nós mesmos segundo a lei da condenação.

Davi, então, pleiteou a indispensabilidade de todos. Ele disse: “eles ficaram com a bagagem”. Nenhum exército luta bem quando seu acampamento está vulnerável. É muito bom a igreja saber que seus depósitos estão bem guardados por um grupo de oração. Enquanto alguns de nós estão ensinando nas escolas ou pregando nas ruas, é um grande conforto saber que nossos amigos estão orando por nós. Para mim, é um consolo sem par estar nas orações de milhares de irmãos. Não direi quem faz o melhor trabalho: se aquele que prega ou aquele que ora; mas de uma coisa eu sei, podemos trabalhar melhor com o coração que ora do que com a voz que prega. As súplicas de nossas irmãs acamadas são a saúde da igreja. O tipo de serviço que parece mais trivial aos homens, com frequência, é o mais precioso diante de Deus. Por isso, quanto aos que não podem ir para a frente de batalha, que não lhes seja negado lugar de honra, pois, no final das contas, talvez estejam prestando um serviço muito melhor. Lembrem-se do estatuto: “receberão partes iguais”.

Notem que Davi acrescenta um estatuto à sua argumentação. Gosto de pensar em nosso grande Comandante, o Senhor Jesus, criando estatutos. Para quem legisla o Senhor? Para os três primeiros valentes? Para os capitães de mil? Não. Ele cria estatutos para aqueles que são forçados a ficar para trás por estarem cansados demais. Bendito seja o nome do Senhor Jesus; Ele sempre zela pelos interesses dos que não têm ninguém mais olhando por eles! Se você pode cuidar da sua própria causa, talvez até o faça, mas se é feliz por ser fraco em si mesmo, você será forte em Cristo. Aqueles por quem Cristo zela estão em melhores condições do que se cuidassem de si mesmos. Quem confia suas preocupações a Jesus, deixa-as em boas mãos. Vão é o socorro em si mesmo, mas o amparo de Jesus é todo suficiente.

Resumindo: creio que o Senhor dará igual recompensa ao fraco e sofredor e ao forte e ativo, se ambos estiverem igualmente preocupados com a Sua glória. O Senhor também fará justa divisão entre o ignorado e desconhecido e o renomado e honrado, se ambos forem igualmente sinceros. Oh, não me diga que aquela que educa seu filho para Cristo não receberá seu galardão dAquele por quem o apóstolo é recompensado! Não me diga que a mulher que conduz sua casa de forma que seus servos venham a temer a Deus será esquecida quando os “Muito bem” forem distribuídos aos fiéis! Tão certo quanto o mundo gira, o serviço simples e despercebido também será honrado. 

Algumas pessoas do povo de Deus têm pouca instrução e quase nenhum talento natural. No entanto, se elas servirem ao Senhor da melhor forma possível, de todo coração, terão sua parte juntamente com os mais instruídos e talentosos. Quem é fiel no pouco receberá pleno galardão da graça divina. A obra “será aceita conforme o que o homem tem”. Talvez tenhamos apenas duas moedinhas, mas se as lançarmos no gazofilácio, elas serão bem recebidas pelo Senhor. 

Alguns amados servos de Deus parecem ser constantemente derrotados. Tem-se a impressão de que sempre são enviados a pessoas de coração duro e ouvidos surdos. Entretanto, se eles proclamam fielmente a Palavra do Senhor, sua recompensa não será de acordo com seu sucesso aparente, mas de acordo com sua fidelidade.

Alguns santos são, por natureza, tristes e depressivos; são como algumas adoráveis samambaias, que crescem melhor em lugares úmidos. Bem, bem, o Senhor colherá tanto as belas samambaias da sombra, como as rosas do sol; elas serão notadas por Ele tal como os girassóis fulgurantes, e os mais tristes se regozijarão com os mais alegres. Ó Homens de pequena fé, ó Desanimados, ó Amedrontados, ó Indecisos, vocês que suspiram mais do que cantam, que desejam mas não conseguem, que têm um grande coração voltado para a santidade, mas se sentem derrotados em suas lutas: o Senhor lhes dará o Seu amor, a Sua graça e o Seu favor, assim como Ele dá aos que fazem grandes coisas em Seu nome. Alguns de vocês só provaram um pouquinho das grandes alegrias e dos conhecimentos mais profundos do reino de Deus e, em parte, talvez por serem tão relutantes, mas, ainda assim, se são fiéis ao Senhor, suas enfermidades não serão tidas por iniquidades. Se estão legalmente afastados do trabalho ativo, o estatuto do Senhor é para sempre, tanto para vocês quanto para os outros: “qual é a parte dos que desceram à peleja, tal será a parte dos que ficaram com a bagagem; receberão partes iguais”.

IV. Em quarto lugar, OS FRACOS E ABATIDOS DESCOBREM QUE JESUS É O BOM SENHOR EM TODOS OS SENTIDOS. Não foi Jesus um bom Senhor quando, pela primeira vez, nos recebeu no exército da Sua salvação? Que bando singular engajou-se no exército de Davi! “Ajuntaram-se a ele todos os homens que se achavam em aperto, e todo homem endividado, e todos os amargurados de espírito, e ele se fez chefe deles”. Ele era capitão dos esfarrapados; e nosso Senhor também não tinha melhores seguidores. Eu era um pobre coitado quando vim a Cristo, e não me admiraria se isso também se aplicasse a vocês. Eu era um inútil, completamente imerso em pecado e sem um centavo para pagar minha dívida. Quando fui a Jesus eu era tão miserável, que ninguém mais teria me recebido. Ele poderia muito bem ter dito: “Não, não vim para isso ━ para marchar à frente de um bando de pobres coitados miseráveis como esses.” No entanto, Ele nos recebeu graciosamente, de acordo com a Sua promessa: “e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora”. Desde então, com que bondade Ele tem nos suportado! Não estamos entre os que louvam a si mesmos por grandes realizações cristãs; nós lamentamos as nossas faltas e transgressões; e mesmo assim Ele não rejeita o povo a quem de antemão conheceu. Quando nos lembramos da nossa condição como soldados de Cristo, nos sentimos envergonhados, mas maravilhados diante da graça de Deus. Se alguém nos tivesse dito que seríamos soldados tão miseráveis, não teríamos acreditado. Não estamos nos desculpando ━ estamos muito angustiados por sermos tão falhos. No entanto, nosso gracioso Senhor nunca nos tirou das fileiras. Ele poderia ter-nos expulso do regimento há muito tempo; mas ainda estamos engajados, firmes e agraciados. Que capitão nós temos! Ninguém há que se compare a Ele em bondade. Ele ainda nos recebe e diz: “Eles serão para mim particular tesouro, naquele dia que prepararei.”

Irmãos, exaltemos o nome do nosso Capitão. Ninguém há como Ele. Quando estivemos em perigo, Ele esteve em perigo junto conosco. Tal como nós, Ele também viu Ziclague fumegando. Em todo o tempo em que aqueles homens estiveram aflitos, Davi também esteve. Vocês não perceberam? Quando chegamos a um grande obstáculo como o ribeiro de Besor, Jesus gentilmente abranda Suas ordens e não exige aquilo que não somos capazes de fazer. Ele não chama muitos para pastores e mestres porque talvez eles não suportem o fardo. Ele derrama abundantemente a Sua graça sobre nós em toda sabedoria e prudência. Ele ajusta o ritmo da marcha de acordo com o passo, ou o passo de acordo com a marcha. Com que doçura Ele faz frutificar as nossas obras! Vocês não se admiram de como Ele aceita suas obras e suas orações? Não ficam perplexos por Ele realmente atender suas débeis petições? Quando falam em nome de Jesus, e Deus abençoa suas palavras, será que não pensam: “Com certeza há algum engano! Como uma mensagem tão medíocre pode ser uma bênção?” Amados, nós seguimos um nobre Príncipe. Jesus é mais do que milhares por Sua ternura, assim como por tudo o mais. Quão terno e atencioso Ele é! Quão meigo e bondoso! Desde que o conhecemos, Ele nunca nos feriu com Suas palavras. Ele é aquela riqueza que não vem acompanhada pela tristeza. Ele nos repreende, mas sua repreensão é como óleo precioso, o qual não é rejeitado pela nossa cabeça. Quando O abandonamos, Ele se volta para nós e nos olha com favor e, por isso, nos disciplina severamente; mas Ele nunca nos fere com espada, a não ser aquela que sai da Sua boca, cujo fio é o amor. Quando se afasta de nós, como Davi fez com aqueles duzentos que não puderam ir com ele, Ele sempre retorna com clemência e nos saúda com favor. Nós nos perguntamos por que não O detivemos ━ e prometemos nunca mais deixá-lO partir ━ mas nos surpreendemos sobremaneira ao vê-lO voltar tão depressa, com tanta disposição, saltando pelos montes, rápido como uma gazela, ou como um jovem gamo correndo pelas colinas da fronteira. Vejam! Ei-lO que vem. Sua vinda enche de alegria o nosso coração. Regozijemo-nos, pois, nesta manhã, ao tomarmos nossa parte nos preciosos despojos do Seu imensurável amor. Ele ama tanto o pequeno quanto o grande; regozijemo-nos com todos.

Há mais uma coisa especial que Ele fará, a qual tornará nosso amor por Ele ainda maior. Davi, depois de um certo tempo, subiu a Hebrom para ser feito rei sobre Judá. Vou ler o verso três do segundo capítulo de II Samuel: "Os homens que estavam com ele" (e entre eles os fracos que não conseguiram atravessar o ribeiro de Besor), "Fez Davi subir os homens que estavam com ele, cada um com sua família; e habitaram nas aldeias de Hebrom." Sim, ele me fará subir, até mesmo eu! Ele vos fará subir, ó fracos e abatidos! Há um Hebrom onde Jesus reina como Rei ungido, e Ele não estará lá sem que todos nós também estejamos! Não há reino de Jesus sem Seus irmãos, nem Céu sem Seus discípulos! Todos aqueles que estiveram com Ele em fraqueza e fadiga estarão com Ele em glória, e cada um com sua família. Tomem posse de mais essa bênção! Eu lhes peço, não a deixem escapar! Não deixem passar estas palavras "e cada um com sua família". Receio que muitas vezes sejamos privados de bênçãos para nossa família por não atentarmos para as promessas de Deus. Quando o carcereiro perguntou o que era necessário para ser salvo, qual foi a resposta? "Crê no Senhor Jesus e serás salvo". Provavelmente já ouvimos esse versículo uma cententa e vezes, não é? E quanto ao restante dele, será que já ouvimos? Por que será que os pregadores e oradores omitem parte das promessas do evangelho? A resposta continua, "tu e tua casa". Não deixem escapar esse bendito alcance da graça, "e tua casa". Por que deixar de fora as esposas e as crianças? Permitirão aos amalequitas ficar com elas? Não se deem por satisfeitos até que haja salvação em suas casas. Que esta seja a nossa súplica ao Senhor nesta manhã: "Ó bendito Davi, a quem quisemos seguir, que tão bondosamente nos ajudou até aqui, pela tua graça, lembra-te de nós quando entrares no teu reino; e que se diga a nosso respeito, "fez Davi subir os homens que estavam com ele (ninguém subiu por conta própria), cada um com sua família; e habitaram nas aldeias de Hebrom". Cada um com sua família. Atentem bem para essas palavras. Pais, seus filhos já são salvos? Mães, todas as suas filhas servem ao Senhor? Não cessem de orar até que isso aconteça, pois o que importa é "cada um com sua família."  


Finalmente, o que tenho a dizer é: como é grande o meu desejo de que aqueles que ainda não estão alistados no exército do Senhor venham e vejam o quanto Ele é bondoso e misericordioso! Jovens, se pudessem ver nosso Capitão, vocês se colocariam de joelhos, suplicando-Lhe para deixá-los entrar na fila de Seus seguidores. É sublime servir a Jesus. Sou um oficial de recrutamento e de bom grado admitiria alguns recrutas neste momento. Todo homem precisa servir a alguém, não temos escolha quanto a isso. Aqueles que não têm um senhor são escravos de si mesmos. Por isso, ou você servirá a Satanás ou a Cristo, a si mesmo ou ao Salvador. Você verá que o pecado, o ego, Satanás e o mundo são senhores bem cruéis; mas se vestir o uniforme de Cristo, verá que Ele é tão manso e humilde de coração que você achará descanso para sua alma. Ele é o mais magnânimo dos capitães. Mesmo entre os príncipes mais nobres, nunca houve um semelhante a Ele. Ele sempre será encontrado no calor da batalha. Quando sopra o vento frio, Ele sempre toma o lado exposto da colina. O lado mais pesado da cruz sempre recai sobre os Seus ombros. Quando nos dá um fardo para carregar, Ele sempre o carrega conosco. Se existe algo gracioso, generoso, bondoso e terno, sim abundante e superabundante em amor, você sempre o encontrará nEle. Eu O sirvo há mais de quarenta anos, bendito seja o Seu nome, e não sinto outra coisa por Ele senão amor. Eu ficaria muito contente em continuar por mais quarenta anos neste querido ofício aqui na terra, se isso O agradasse. O serviço do Senhor é vida, paz e alegria. Oh, entrem para exército do Senhor neste instante! Que Deus os ajude a se alistar sob o estandarte de Jesus ainda hoje! Amém.

Tradução: Mariza Regina de Souza

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Doutrina Suprema



Sermão nº 318
Ministrado na manhã de domingo, 3 de junho de 1860, pelo
Rev. C. H. Spurgeon
Em Exeter Hall, Strand.

AOS LEITORES DO PÚLPITO DA PARK STREET
QUERIDOS IRMÃOS

O trabalho incessante tem me enfraquecido a tal ponto que sou obrigado a me afastar por algumas semanas. O grande Mestre ordenou a seus discípulos “Vinde repousar um pouco, à parte, num lugar deserto”, por isso, sinto que estaria agindo de forma contrária às advertências da Providência sobre meu estado físico e mental se não procurasse repousar. Durante minha ausência, continuarei a ministrar por intermédio dos sermões vespertinos, os quais são mais ricos e cheios de verdades doutrinárias que os matutinos. Se os sermões ministrados nos encontros mistos de Exeter Hall já são proveitosos, tenho absoluta certeza de que os sermões vespertinos para a igreja do Senhor não deixarão, pela bênção de Deus, de edificá-la ainda mais.
Espero escrever-lhes algumas linhas, as quais serão anexadas ao meu sermão semanal, a fim de que os laços de comunhão não sejam quebrados e eu tenha oportunidade de suplicar suas incessantes orações. Que o Senhor os abençoe e os guarde até a Sua volta.
Seu irmão em Cristo,
Clapham, segunda-feira, 4 de junho de 1860     
C. H. Spurgeon.

“Ora, tudo provém de Deus” - II Coríntios 5:18
Gostaria que vocês considerassem este texto como um resumo de tudo o que tenho pregado durante estes anos. Tenho me empenhado, constante e continuamente, em sustentar que a salvação provém da vontade de Deus, não do livre-arbítrio do homem; que o homem não é nada, mas Jesus Cristo é o Alfa e o Ômega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim. E creio que posso dizer com toda a sinceridade “Ora, o essencial das coisas que temos dito é” — “tudo provém de Deus”. Que resumo abrangente, meus irmãos! Estas palavras compreendem a dimensão de tudo o que se passa na mente humana — “tudo!”; e proclamam a quem tudo pertence — a “Deus”. Compreenda esta dimensão, se for capaz: “Tudo!” O que falta? Certamente todas as coisas desejadas por um cristão estão contidas na palavra “tudo”. No entanto, mesmo não sendo suficientemente abrangente, nosso resumo possui uma expressão ainda melhor, superior a todas as outras, porquanto tudo provém de Deus e Ele continua o mesmo, tão rico como sempre. “Tudo provém de Deus”. Se estivermos com sede, eis as torrentes que nunca vão se exaurir. Se estivermos com fome, certamente haverá pão suficiente para comer e guardar. Se formos pobres, eis aqui tesouros e riquezas absolutamente inesgotáveis, pois temos tudo, e tudo em Deus.
Nesta manhã, espero fazer duas coisas: primeiro, estabelecer, de forma clara e distinta, a doutrina dessa sentença; e em seguida, demonstrar a excelência da sua aplicação prática.
1. Comecemos com A PRÓPRIA DOUTRINA: “Tudo provém de Deus”. Para que possamos compreendê-la melhor, terei de subdividi-la e analisá-la primeiramente pelo que ela é; depois pela sua forma e, em seguida, pelo seu significado.
“Tudo provém de Deus!” A que se refere o termo “tudo” aqui? A resposta se encontra no contexto — tudo na nova criação provém de Deus. Não é necessário relembrarmos disso com relação à antiga criação. Ninguém, exceto o incrédulo, jamais pôde afirmar que alguma coisa existisse à parte do Criador. Nós cremos que Ele derramou os raios de luz de Seus aposentos celestiais sobre as águas e estendeu o firmamento como uma tenda, para nele habitar; que as ilhas foram formadas por Suas mãos e os ventos estão, como sempre estiveram, sob Sua direção e controle; nada existe, e nada existirá, a menos que Deus ordene, estabeleça e lhe dê sustentação. Quanto à questão da nova criação, é admirável que sempre haja alguma controvérsia. Não chamamos de incrédulo ao que ensina que na antiga criação algumas coisas vieram do homem? Que nome daremos, então, a quem ousar dizer o mesmo da nova criação da graça? Se a primeira questão é uma heresia, a segunda é igualmente execrável, ou ainda pior; pois uma se refere às obras externas de Deus, mas a outra coloca sua mão sacrílega nas obras internas da Sua graça, arrancando as jóias mais brilhantes da Sua coroa e enterrando-as no pó. Nós defendemos, e sempre iremos defender, que tudo, sem exceção, na nova criação, provém de Deus, única e exclusivamente de Deus.
Mas você pergunta: “Que coisas?”. Nós respondemos — todas as coisas que se referem à nova natureza — tudo o que diz respeito aos nossos novos privilégios e às nossas novas atitudes - qualquer coisa concernente à nova natureza provém de Deus. O desejo pessoal por Cristo no coração contrito do pecador provém de Deus. A primeira centelha de esperança a brilhar na mente pobre e ignorante provém de Deus. O primeiro vislumbre da fé recém-adquirida, quando os olhos se voltam para o Salvador, provém de Deus. Os primeiros indícios do amor divino dentro da alma provêm de Deus. Sejam os homens deixados à sua própria mercê e sua natureza corrompida se deteriorará, apodrecerá e produzirá fungos da pior espécie. A vida que provém de Deus, no entanto, jamais brotou naturalmente de um coração morto. Qualquer coisa boa em sua origem, bem como em sua perfeição, “desce do Pai das luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mudança”. Alguns parecem ensinar que o homem deve dar o primeiro passo na salvação e Deus cuidará do resto. Não, cavalheiros, se o homem pode dar o primeiro passo, ele também pode dar o último, e todos os demais. Se o homem, morto em seus delitos e pecados, pode despertar a si mesmo, certamente ele poderá manter a vida da qual ele mesmo é o autor. Se o homem, corrompido, desprovido de dignidade e afastado de Deus, pode dizer, sem o despertamento da graça: “Vou me arrepender, mudar meus caminhos e buscar a Deus”, e se ele pode tomar essa resolução por si mesmo e por vontade própria, então, de jeito nenhum há lugar para Deus em sua salvação. Que o homem, então, tenha tudo e receba toda a glória! Saibas, porém, meu ouvinte, que não tens sequer um bom pensamento em teu coração que não venha de Deus; se algo te diz: “Levanta-te, e vai ter com o Teu pai” (Lc. 15:18), essa voz provém de Deus. Se as tuas entranhas começam a se contorcer diante do Pai, a quem tu ofendeste e enfureceste, e se os teus pés querem abandonar as montanhas do pecado e da vaidade e trilhar a estrada da retidão, é a mão do Pai que te convida, é a voz do Salvador que bondosamente te leva a buscar a Sua face, pois “Tudo provém de Deus”.
Tudo o mais que diz respeito à nova natureza provém de Deus; não apenas a primeira transformação da mente, mas também o querer e o realizar, e o seu pleno desenvolvimento. O crente é forte? Isso provém de Deus. Ele está de pé e não cai? Sua sustentação provém de Deus. Ele continua fiel à aliança em meio às tentações e, no dia da tribulação, mantém-se firme junto ao Mestre? Sua integridade provém de Deus. Não há nada nele, por natureza afastado de Deus, que não seja vil e enganoso. “Em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum.” Se há algo de bom em minha natureza, se fui transformado pela renovação da minha mente, se estou regenerado, se passei da morte para a vida, se fui tirado da família de Satanás e adotado na família do amado Filho de Deus e, se já não sou filho da ira, mas cidadão dos céus, então todas essas coisas provêm de Deus e, em nenhum sentido e em qualquer medida, de mim mesmo.
Mais ainda, da mesma forma que a nova natureza provém de Deus, os novos privilégios decorrentes dessa nova natureza também provêm dEle; e quais são eles? Sem dúvida são ricos e preciosos. Há o perdão, a purificação de todos os nossos pecados; quem dirá que ele não provém de Deus? Há a justificação, a cobertura de vestes brancas como a neve que nos tornará participantes da herança dos santos na luz; não provém isso de Deus? Há a santificação, que corta a própria raiz do pecado e coloca a velha natureza adâmica sob os pés do recém-nascido em Cristo; não provém isso de Deus? Há o privilégio da adoção, dado pelo Pai a tantos quantos creem em Seu Filho unigênito, para que se tornem filhos de Deus. Ó, Senhor, certamente essa adoção provém de Ti! Há a comunhão, pela qual, por meio de Jesus Cristo, temos acesso ao Pai por um mesmo Espírito. E quem alguma vez ousou pensar em comunhão sem a inefável graça do Altíssimo? Estou certo, meus irmãos, de que aqueles que já compreenderam a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade das misericórdias e privilégios da aliança, jamais encontraram um único privilégio que não viesse de Deus. Temos andado pelas vastas planícies da maravilhosa graça de Deus, mas nunca vimos sequer uma planta ou uma flor que não tenha sido semeada ou plantada por Ele. Quando tivermos entrado na casa do tesouro e tirado os sapatos de ferro e de bronze, o capacete de proteção e a espada de aço; quando tivermos recebido a imarcescível coroa de glória, seremos obrigados a confessar alegremente que todas essas coisas provêm de Deus. É impossível conceber uma única dádiva da graça, um único dom de misericórdia, que venha de nós mesmos e não de Deus.
Mais uma vez, para concluir este resumo, todas as ações da nova natureza provêm de Deus. Veja um missionário em algum lugar longínquo; ele deixou casa e família e todos os confortos da terra natal para lutar por Cristo entre pessoas que irão desdenhar dele, desconfiar de seus motivos e retribuir sua abnegação com perseguição. Percebem que ele está nas mãos de Cristo, arriscando a vida até a morte? Esse homem, afligido por um febre típica da região em que foi viver, enquanto jaz de cama com um triste intervalo para reflexão, jamais se arrepende da decisão tomada. Ele recupera as forças o suficiente para se arrastar para debaixo de uma árvore e fica ali, e, em vez de renunciar aos votos de dedicação a seu Mestre, ele os renova, pregando mais uma vez a Palavra. Ele continua a trabalhar até a exaustão e entrega seu corpo à terra, longe do lar e da terra natal; uma testemunha contra os incrédulos, enviado por Deus para pregar-lhes o evangelho. Devemos aplaudir o homem? Devemos entoar-lhe canções de louvor? Vamos honrá-lo, pois agiu com coragem. Vamos nos lembrar, no entanto, de que todas as coisas boas nele vieram de Deus. Não fosse por Deus, ele teria sido negligente, indiferente e descuidado para com a alma dos homens. Mártires são queimados na fogueira? Crentes em Cristo são presos e apodrecem no cárcere? Heróicos filhos de Deus lutam contra a corrente do seu tempo e parecem deter a enchente com a força do próprio braço? Será que os cristãos estão preparados para suportar a ofensa e o escárnio, a censura e a reprovação, por amor de Jesus? Com certeza, tudo provém de Deus. Um cristão é magnânimo, generoso e preocupado com os problemas alheios? Outro é fervoroso na oração e zeloso no serviço? Você pode encontrar um terceiro que viva tão próximo do Senhor que sua face pareça brilhar com a luz do amor de Jesus - todas estas coisas provêm de Deus. Nenhuma virtude é atribuída ao homem. Coisas boas são estranhas ao coração humano. Elas não são como as ervas daninhas que brotam naturalmente do solo árido de que é feito o coração do homem, mas flores raras e escolhidas, semeadas de cima pela mão do Espírito e plantadas nesse solo estéril. Oh, lembremo-nos sempre de que qualquer coisa boa que possamos fazer, sentir ou pensar provém de Deus. Irmãos, repudiem com ódio e aversão qualquer doutrina que os leve a pensar que alguma obra ou graça, ou qualquer coisa justa, pura, amável ou de boa fama no homem venha do próprio homem. Pois, embora se apresente em trajes sóbrios, embelezada e lhe pareça bastante honesta, tal doutrina é a meretriz do catolicismo disfarçada. É só examiná-la um pouco melhor e logo se chegará à salvação pelas obras. Ergam sempre o bom e velho estandarte calvinista, o mesmo empunhado por Agostinho e entregue por Paulo a nós diretamente de nosso mestre Jesus; e defendam, creiam e afirmem, sem nunca se desviar, que tudo na nova criação provém de Deus.
2. A segunda divisão da doutrina deve ser Como! Como, e em qual sentido, tudo provém de Deus? Tudo na nova criação, desde o planejamento, provém de Deus. Deus, antes de o mundo existir, planejou a nova criação com a mesma exatidão e sabedoria com que planejou a primeira. Alguns parecem pensar que Deus realiza Sua obra aos poucos, fazendo alterações e acréscimos enquanto trabalha. Não conseguem acreditar que Ele tivesse um plano; eles creem que até um reles arquiteto terreno idealize sua própria construção, ainda que seja um casebre, mas o Deus Altíssimo, Criador dos céus e da terra, quando diz: “Eis que faço novos céus e nova terra, nos quais habita justiça”, não tem plano algum, e deixa tudo ao capricho dos homens. Ele não deve ter decretos, nem propósitos, nem determinações, mas os homens podem fazer o que quiserem e, por isso, o homem, literalmente, usurpa o lugar de Deus, e Deus se torna dependente do homem. Não, meus irmãos, em toda a obra da salvação Deus é o único e supremo Criador. Ele planejou quando e como cada um do Seu povo seria levado a Ele; Ele não deixou Seus salvos à mercê da sorte, ou pior ainda, da vontade corrompida do homem; Ele não permitiu que a escolha de Seus eleitos fosse mera obra do acaso, mas gravou o nome de cada um deles nas pedras do peitoral eterno do grande Sumo Sacerdote. Ele não permitiu que uma única estaca, um único fio de linha, um único pedaço de lona ficasse para depois - o tabernáculo inteiro foi entregue conforme o modelo recebido no santo monte. Na estrutura do templo da graça, cada pedra foi ajustada e cinzelada no decreto eterno, seu lugar ordenado e estabelecido; nenhuma pedra será retirada da pedreira antes do tempo, nem colocada em qualquer outra posição que Deus, segundo o conselho da Sua vontade, não tenha ordenado. Tudo na nova criação provém de Deus, desde o seu planejamento.
Ai de nós, no entanto, se Deus simplesmente tivesse planejado e deixado a execução por nossa conta! Tudo na nova criação provém de Deus, tanto na compra quanto no processo de aquisição. Um preço foi pago pelo povo de Deus: qual preço? O precioso sangue do Senhor Jesus Cristo! Quem contribuiu com um centavo sequer para a riqueza do tesouro que comprou a nossa alma? Não foi Ele quem, sozinho, pisou as uvas do lagar? Será que alguém O ajudou a suportar o peso, o peso intolerável da culpa que oprimiu o sofrido Senhor, quando carregou Ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados? Qual braço O ajudou, ou qual pé, a não ser o Dele mesmo, esmagou o inimigo? Não, ó Senhor! Tu nos remiste com o Teu sangue; nós não tivemos nenhuma participação nisso; Tu foste o Alfa e o Ômega e toda honra é somente Tua.
E, da mesma forma que o plano provém de Deus, e o pagamento provém de Deus,  também tudo provém de Deus quanto à aplicação e ao esclarecimento na consciência de cada um. A cruz de Cristo não é simplesmente levantada à vista de todos e depois deixada lá para cada um decidir se quer ou não olhar para ela. Ela continua sendo livre para todas as almas viventes; no entanto, Deus determinou que ela não será negligenciada. Há um número, que ninguém pode contar, daqueles que serão constrangidos pela graça a abraçá-la como a esperança da alma. Jesus não morreu em vão, porque Deus tornará os homens dispostos no dia do Seu poder. Eles são duros, mas Deus pode quebrantar seu coração; são obstinados, mas Ele pode dobrar seus joelhos; eles não virão, mas Ele pode fazê-los vir. Deus tem a chave que pode dar corda ao coração humano e fazê-lo andar como Lhe apraz. Não pense que o homem é um ser independente, tão livre que Deus não possa controlá-lo; que, quando Se fez homem, Deus deificou a humanidade e deixou de lado a Sua própria divindade. O homem é livre para ser responsável, mas não está livre da sua constante tendência e inclinação para o mal. No entanto, ele está sujeito à restrição ou limitação de Deus. Se ele age certo, é pela restrição de Deus, não pelo seu livre-arbítrio. Quando ele age errado, Deus o deixa por sua própria conta; mas, sempre que age certo é porque a mão de Deus está com ele. O homem, por natureza, é como um cavalo chucro correndo em direção ao precipício; se é detido e desviado do perigo, é porque tem um ótimo cavaleiro, o qual sabe como puxar as rédeas e guiá-lo para onde quiser; e, mesmo que o cavalo empine e escoiceie, e queira mudar de direção, o cavaleiro consegue dominá-lo e virá-lo, fazendo-o ir como Ele deseja e conduzindo-o como Lhe apraz.
Nessa questão, a verdade é que todo esclarecimento do evangelho para a alma do homem provém de Deus. E não é só isso. As obras da nova criação provêm de Deus não só no planejamento, aquisição e aplicação, mas também na sua preservação. Deixe o cristão preservar, por si mesmo, a graça conquistada, e ele estará perdido. A chama se acenderia, mas o sopro do diabo a apagaria. O combustível está queimando, mas corte a ligação entre ele e o gasômetro, e a chama se apaga. O cristão vive, mas é porque Cristo vive, e porque ele é um com Cristo. Ó, Senhor, se cessasses de enviar as correntes da Tua graça, a Tua gloriosa igreja, com toda a sua beleza, seria como uma flor caduca; toda a sua força se desvaneceria de fraqueza, e ela mesma, apesar de ser como uma torre em sua glória, ruiria até o chão e jazeria no leito de pedras do vale. Na preservação, tudo provém da graça, e assim, tudo provém de Deus.
Mais ainda, tudo deverá vir da graça de Deus até o final. Quando você e eu subirmos os montes celestiais em direção aos portões do Paraíso, os últimos passos virão de Deus, da mesma forma que vieram os primeiros. E, quando estivermos nas ruas de ouro com as nossas vestes brancas, estou certo de que não teremos sequer uma palavra para cantar sobre o livre-arbítrio, ou sobre nós mesmos, mas o nosso brado será: “Àquele que nos ama, e, pelo seu sangue, nos libertou dos nossos pecados” — a Ele seja toda a glória eternamente. Na terra, os homens podem defender a doutrina que quiserem, mas nos céus, não podem defender outra coisa além da graça livre, rica e soberana. A canção nunca foi dividida e nunca será. Não haverá estrelismo para estragar a harmonia, mas todos os corações entoarão a mesma melodia, e todas as línguas se confundirão na mesma canção — “Tu o fizeste; ó Senhor, tu o fizeste —
A graça toda obra irá coroar
Pela eternidade sem par
Nos céus está a pedra superior
Que bem merece todo o louvor
3. Meu terceiro ponto sobre a doutrina deve ser “Por quê”. Por que “tudo provém de Deus”? Como podemos entender claramente este ponto? Não usarei argumentos, somente aqueles que são claros e evidentes para todos.
Tudo na graça deve vir de Deus, pois temos total consciência de que nada pode vir do homem. O homem está em tal posição que nada pode vir dele. Lázaro jazia como um cadáver em seu túmulo; ele é despertado; sua mortalha é retirada; ele vive, ele respira. Diga-me, com sinceridade: sua ressurreição deveu-se em alguma parte a ele mesmo? Bom, cavalheiro, sua mente deve estar realmente meio enganada. O que aquele morto poderia fazer por sua própria ressurreição? Com certeza esse deve ser um fato filosófico que poderia abalar todos os homens racionais, pois aquilo que não existe não pode trazer a si mesmo à existência. Portanto, a minha nova natureza, a qual não existia antes de Deus dá-la a mim, não poderia trazer a si mesma à existência. E, no entanto, você diz que um morto pode reviver a si mesmo, ou, pelo menos, fazer alguma coisa nesse sentido. Ó, cavalheiro, não é possível que você queira dizer isso, não mesmo. Arrazoar com você foi ridículo. Você precisa perceber que, se um homem estiver morto, não há nada que ele possa fazer; é preciso um poder superior para dar-lhe a vida. Com o pecador morto em pecado é a mesma coisa, o que pode ele fazer? A menos que as Escrituras sejam um exagero, a menos que você esteja preparado para jogar fora a passagem onde é dito que estamos mortos em nossos delitos e pecados, não vejo como você possa imaginar que o homem seja capaz de fazer qualquer coisa na obra da graça. Ele pode trabalhar quando Deus o dispõe a isso, e ele vai; ele pode se mover quando Deus lhe dá forças e ele vai, então, com alegria e espontaneidade; mas, até aí —
Quão incapaz jaz a natureza culpada,
Inconsciente do seu próprio estado,
O coração morto nunca será elevado
À Deus e à Sua eterna morada.
Até que uma pedra se lance sozinha em direção ao sol, até que o mar se incendeie sozinho, e até que o fogo, por sua própria natureza, destile água de suas próprias entranhas, então, e só então, a humanidade depravada poderá exalar bondade de dentro de si. Tudo deve ser pela graça, unicamente pela graça.
Deixe-me dar uma outra razão pela qual estamos absolutamente certos de que todas as coisas na obra da graça provêm de Deus. Está expressamente escrito que toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm lá do alto. Ora, a palavra “todo” é muito abrangente; ela não exclui um único caso. Existe alguma boa dádiva? Não está escrito que algumas boas dádivas, alguns dons perfeitos são lá do alto, mas que todos são; não tenho nenhuma dúvida de que essa regra se aplica a qualquer boa dádiva que você possua — a qualquer boa dádiva que de fato está no coração de qualquer um que viva na terra. Deus seria apenas em parte o Pai das luzes se houvesse luz vinda de qualquer outro lugar; Deus seria apenas em parte o benfeitor do mundo se houvesse outras fontes de onde o mundo pudesse tirar seu sustento e outros meios para levar as almas para o céu.
Outra vez, temos certeza absoluta de que todas as coisas provêm de Deus, pois toda a glória é de Deus. Ora, se toda a glória é de Deus, isso significa que todo o trabalho foi feito por Ele; pois onde há trabalho, precisa haver mérito. Se foi o homem quem fez, ele pode reivindicar a honra. Se fui o meu próprio salvador, vou reivindicar a honra e a dignidade; e nada, a não ser uma força superior, pode arrancar de mim a glória que eu mereço. Mas se foi Deus quem fez, e tenho consciência de que sou um ser inanimado em Suas mãos até que ele me dê vida, então devo colocar todas as minhas glórias aos Seus pés e glorificá-lO como Senhor de todas as coisas. Estou certo de que, quanto a isso, não pensamos de modo diferente sobre o fato de Deus ter toda a honra; no entanto, se nosso pensamento difere quanto a Ele fazer todo o trabalho, podemos ter uma base justa para discutir o Seu direito de receber toda a glória.
Ah, homens e irmãos, se me faltassem argumentos, a sua própria experiência testemunharia a meu favor. Como cristãos, vocês são constrangidos a sentir que “todas as nossas obras Ele as faz por nós”. Se podem dizer: “Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas.”, digam, então, com certeza — tento explicar da melhor forma possível — “Tudo provém de Deus”. Agarrem cada misericórdia da aliança e cada bênção da graça, mas digam que todas as coisas, em todos os sentidos, provêm total e inteiramente de Deus, o grande doador de tudo.
II. E agora, nesta segunda parte do meu sermão, proponho-me a mostrar brevemente AS TENDÊNCIAS EXCELENTES DESSA DOUTRINA.
uma coisa sobre as doutrinas do evangelho que, em minha opinião, sempre as recomenda: invariavelmente elas chamam a atenção das pessoas, levando-as a pensar. Quando você ouve um sermão no qual a graça de Deus é exaltada, talvez fique ofendido, fique zangado, porque os pontos de vista doutrinários não se afinam com o seu orgulho carnal. Ficar zangado é uma das coisas mais saudáveis que podem lhe acontecer. Não pense que o sermão foi desperdiçado, só porque o deixou “contrariado”; não julgue que ele foi perdido, só porque o deixou irritado. Talvez houvesse apenas esta pequena brecha em sua armadura por onde a flecha pudesse acertá-lo, ou seja, a sua própria ira contra a verdade. Conheço muitas pessoas que admitem francamente ter ficado perturbadas após chegar a esse ponto, e acabaram perdendo o sono. Elas detestaram o pregador e detestaram o tema, mas, cerca de um mês depois, acabaram voltando; sua aversão pelo assunto foi tanta que se sentiram compelidas a ouvi-lo novamente. Elas não conseguiam compreender bem o que era; na verdade, nem poderiam, pois ainda se atinham à sua própria opinião; mas diziam consigo mesmas: “Em toda minha vida, nunca pensei tanto em religião.” Nestas doutrinas, há algo dirigido diretamente à alma do homem. Outras escorrem como óleo sobre uma laje de mármore; esta, no entanto, entalha a pedra, lapidando-a rapidamente. As pessoas não conseguem deixar de sentir que há alguma coisa, que, se fizerem alguma objeção, a doutrina ganhará força, obrigando-as a se perguntar: “Será que é verdade?” Elas não se contentam em atacá-la e deixar o assunto para lá. A doutrina toma conta da sua capacidade de raciocínio, levando-as a se perguntar se as coisas são realmente assim. Mas o que é digno de nota é que nos lugares onde essa doutrina é pregada - que a salvação provém de Deus, e de Deus somente - há reavivamento; sempre houve reavivamento enviado por Deus da verdadeira religião. Para dar uma ilustração prática: no Continente europeu, muitas pessoas, com bons motivos para pensar desta forma, me disseram que a igreja luterana está bem perto de se desviar da fé e se tornar unitariana, neológica ou coisa parecida, o que não ocorre com as igrejas calvinistas lá, elas permanecem firmes. Há um sal nessa doutrina que preserva a verdade; há nela um sabor e uma pungência que mantêm direita a constituição do homem. Ela é como uma enorme âncora sobressalente; talvez pareça difícil de ser manejada e, nestes tempos modernos, dizem até estar bastante enferrujada, mas, nos dias de tormenta, terá de ser lançada novamente ao mar. Quanto mais eu prego, mais me preocupo em não dar testemunho duplo a respeito dessa questão e deixar claro e evidente que a salvação provém de Deus; que todas as coisas, de fato, na nova criação da graça, provêm de Deus, e de Deus somente.
Oh, quanto entusiasmo essas verdades suscitam na mente daqueles que creem nelas! Ouço-as sendo pregadas por homens simples, iletrados, incultos, e suas congregações ficam banhadas em lágrimas. Não há indiferença no semblante dos ouvintes. Eles as ouvem como se ouvissem a própria Palavra de Deus, e sentem o seu poder. No decurso desta semana, preguei da forma mais simples possível para um público de vinte a trinta mil galeses, e que visão eu tive quando todos a uma só voz exclamaram “Aha! Amém! Amém Glória” durante o sermão, arrebatados pelo entusiasmo, pois estavam ouvindo novamente as boas e antigas verdades que Christmas Evans costumava trovejar sobre eles, e que o País de Gales ainda defende integralmente, muito embora os ingleses prefiram rejeitá-las e desprezá-las. Existe algo nessas verdades que pode levar um homem a fazer grandes coisas. A espada de Cromwell era tão afiada e o seu braço tão forte porque ele conhecia o Senhor dos exércitos e confiava em Seu grande poder, e acreditava na Sua graça arrebatadora. Isso tornou os Ironsides (cavaleiros liderados por Cromwell) invencíveis; jamais houve homens como eles. O braço do calvinista é sempre forte; quem é de Deus e não do homem, quem olha para a graça e o propósito de Deus e Lhe dá toda a glória não é alguém que se curve diante de um tirano ou lamba os pés de qualquer criatura. Ele sabe que é eleito de Deus e se mantém de pé, e enquanto está de pé, está cheio de fervor, com um entusiasmo que o faz trabalhar e o constrange a servir à causa de Deus e da verdade. 
Aliás, isso talvez seja muito pertinente. Tenho mais coisas a falar sobre essa doutrina. O fato, da conversão e da salvação virem de Deus, é uma verdade humilhante. E é devido a esse caráter humilhante que os homens não gostam dela. As pessoas dizem: “não gosto” de saber que Deus precisa me salvar para que eu seja salvo, e que estou em Suas mãos como barro nas mãos do oleiro. Bem, achei que não iriam gostar mesmo, quem pensaria nisso? Se tivessem gostado, talvez não fosse verdade; mas o fato de não gostarem é uma evidência indireta da sua veracidade. Não gosto de saber que “Ele precisa fazer todo trabalho em mim“; quem poderia me rebaixar a tanto? Onde fica o meu orgulho? Não há lugar para ele. Por qual lei? Pela lei das obras? Não, pela lei da graça. A graça tapa a boca de quem se vangloria, fazendo-a calar de uma vez por todas; e então, ela retira a mão e essa boca não teme mais falar ao homem, embora trema ante o simples pensamento de tomar a honra e a glória de Deus. Devo ainda dizer preciso dizer que a doutrina que deixa a salvação a cargo da criatura e lhe diz que isso só depende dela é exaltação da carne, e uma desonra a Deus. No entanto, a doutrina que coloca o homem, o homem caído, nas mãos de Deus, e lhe diz que, embora ele tenha se autodestruído, sua salvação deve vir de Deus, essa doutrina humilha o homem até o pó e, assim, ele estará no lugar certo para receber a graça e a misericórdia de Deus. Tal doutrina é humilhante.
Mais uma vez, essa doutrina dá um golpe fatal na autossuficiência. O arminiano quer exaltar a ação do homem; nós queremos matá-la de uma vez por todas, para lhe mostrar que ele está perdido e arruinado, suas ações não são, de forma alguma, iguais à obra da conversão, e ele precisa olhar para cima. Os arminianos procuram fazer o homem levantar-se, nós procuramos derrubá-lo e fazê-lo sentir que, desse modo, ele está nas mãos de Deus, precisa submeter-se a Ele e clamar “Senhor, salva-nos! Perecemos!”. Nós sustentamos que o homem nunca estará tão perto da graça como quando começar a sentir que não pode fazer absolutamente nada. Quando ele diz: “Posso orar, posso crer, posso fazer isso e posso fazer aquilo”, as marcas da autossuficiência e da arrogância estão na sua testa. Contudo, quando ele se ajoelha e clama:
“Ó, por isso, em mim força não há,
minha força aos Teus pés está”
cremos que Deus o abençoou e a obra da graça trabalhou em sua alma. Ó, pecador, não penses que o teu braço sozinho pode alcançar a vitória. Clama a Deus e suplica-Lhe que tome tua alma em Suas mãos, pois não podes ser salvo a menos que Ele faça isso por ti. Bendize-O pela promessa que diz: “o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora”. Oh, clama a Ele: “Senhor, chama-me com Tua graça e eu Te seguirei; faze toda obra em mim, leva-me para junto de Ti e salva-me!” Não é para você mesmo que o convidamos a olhar, nem para as suas preces, nem para a sua fé, mas para Cristo e Sua cruz, e para o Deus que “pode salvar totalmente os que por ele se chegam a Ele”.
E há também nessa doutrina consolo para o coração atribulado. Se todas as coisas provêm de Deus, ó minh’alma, não deixa que o teu espírito seja agitado e amedrontado pela tempestade. “Tudo provém de Deus”; se houvesse alguma coisa vinda de mim mesmo, eu seria um homem perdido. Se vamos construir uma grande ponte e eu puder colocar uma das pedras, a construção será feita ao nosso bel-prazer e irá ruir. Se a colocação da pedra fundamental ficar a meu encargo, garanto que a construção não ficará de pé. Da mesma forma, se na obra da salvação alguma coisa depender de mim, tudo irá ruir; no entanto, se tudo for garantido e estabelecido pela vontade e pelo querer do Pai Eterno, a obra resistirá e ficará segura. Oh, como esses pensamentos são alegres para o cristão: sua alma está segura, ele colocou sua vida nas mãos de Cristo e agora tem seu amparo nEle, ele se entregou aos cuidados do seu Senhor e Mestre e agora sabe que, haja o que houver, Cristo é seu pavês e escudo e nada o afligirá, pois Jesus o guarda e protege todos os dias, e o guardará em segurança até o fim. Não sei onde nossos irmãos arminianos encontram consolação, mas sei que, se eu acreditasse em sua doutrina, seria levado à loucura; contudo, crendo como creio, que aqueles em quem Deus inicia o processo da salvação serão totalmente salvos, e nenhuma pedra do edifício inteiro irá faltar ou quebrar, minha alma pode assim cantar:
“Esta aliança permanece inabalável
Ainda que as colunas da terra se dobrem
O forte, o débil e o miserável
São um em Jesus, que os sustém”
Tenho ainda mais uma coisa a dizer sobre essa doutrina. Ela dá ânimo ao pecador. Pecador, pecador! Venha para Jesus, pois “tudo provém de Deus”. Você está nu; o manto com o qual será coberto provém de Deus. Você está sujo; o lavar regenerador provém de Deus. Venha e seja lavado. E ainda que você seja indigno, sua dignidade deve provir de Deus. Venha como está e Ele o purificará. Você é culpado, seu perdão provém de Deus. Venha para Ele e Ele lhe dará o perdão gratuitamente. Mas, você diz: “sou duro de coração”; um novo coração provém de Deus. Venha para Ele, e Ele lhe dará um coração de carne e tirará seu coração de pedra. Mas, você diz: “não consigo orar”. A verdadeira oração provém de Deus; Ele derramará sobre você o Espírito da súplica. Mas você diz: “a minha própria vinda precisa vir de Deus”. Ah, bendito seja Deus por isso. E, assim, se agora você sente alguma coisa lhe dizendo: “preciso ir e confiar em Cristo”, isso provém de Deus. Oh, venha com alegria, pois não há nenhuma exigência, tudo provém de Deus. Seu coração é estéril? A fertilidade provém de Deus. Seu coração é obstinado? A obediência provém de Deus. Você não consegue se arrepender? Ele é exaltado nas alturas por dar-lhe o arrependimento. O arrependimento provém de Deus. Você diz: “não posso crer”? A fé provém de Deus; ela é um daqueles dons inefáveis. Mas você diz: “Tenho medo de não conseguir perseverar.” A perseverança provém de Deus. Você só precisa ser um receptor. Venha com o cântaro vazio e segure-o junto à fonte das águas; venha com o regaço vazio e receba os suprimentos preciosos; venha com uma boca faminta e seja alimentado, com lábios sedentos e seja saciado. Nada lhe é solicitado; nada lhe é pedido. Deixa de confiar em ti mesmo, ó homem, e começa a confiar em Deus. Deixa agora de fazer, de sentir e de ser; vem e confia nAquele que fez, e foi, e sentiu por você; e, então, sendo salvo, você começará a ser, a sentir e a agir, com uma nova energia, que o levará a uma nova vida. Para viver para Cristo, você precisa primeiro morrer para si mesmo. Toda esperança mortal em você deve ser aniquilada, antes que possa receber a esperança divina. Vinde, oprimidos e abatidos, quebrantados e humilhados, vinde e recebei a Cristo como o vosso tudo em tudo; e, se não podeis estender a mão por vós mesmos, como de fato não podeis falo em nome do Mestre, no nome de Jesus de Nazaré: pelo poder do Seu Espírito, crede! É dever dos servos de Deus não apenas exortar, mas, com a autoridade divina, ordenar. Homem de mão atrofiada, em nome de Jesus, estende a tua mão! Tu, que nunca creste, nem te arrependeste, “Deus notifica aos homens que todos, em toda parte, se arrependam.” Não ouviste o mandamento? Nele há poder. Desejas obedecê-Lo? Teu desejo é dom de Deus: há poder nesse desejo. Creia em Cristo, confie em Cristo, receba-O para ser seu tudo e você será salvo; seus pecados serão lavados; você será herdeiro do paraíso e se regozijará. Batei as asas, vós anjos; soai as harpas, vós serafins, vós redimidos! Mais alto, mais alto; que os acordes da melodia subam aos céus! Ó, querubins e serafins! Cantem com júbilo ao Seu nome, de quem e para quem e por quem são todas as coisas, a quem seja a glória para todo o sempre. Amém.

Tradução: Mariza Regina de Souza

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

8 de fevereiro - devocional matutina


...e lhe porás o nome de Jesus...” - Mt. 1:21

Quando uma pessoa é querida, por sua causa, todas as coisas a ela relacionadas também se tornam queridas. Desta forma, a pessoa do Senhor Jesus é tão preciosa para os verdadeiros crentes, que eles consideram de valor inestimável todas as coisas a Ele relacionadas. “Todas as tuas vestes recendem a mirra, aloés e cássia”, disse Davi, como se as próprias vestes do Salvador fossem tão agradáveis em razão da Sua pessoa que Davi não pudesse fazer outra coisa além de amá-las. E, com certeza, deviam ser, pois não há lugar calcado por aqueles pés santos, não há palavra proferida por aqueles lábios benditos, nem pensamento revelado por Sua Palavra tão terna, que não nos sejam de valor incalculável. E isso também se aplica aos nomes de Cristo: todos são doces aos ouvidos dos crentes. Seja Ele chamado de o Esposo da Igreja, a Sua Noiva, Sua Amiga; seja concebido como o Cordeiro morto desde a fundação do mundo; o Rei, o Profeta, ou o Sacerdote - cada um dos títulos do nosso Mestre - Siló, Emanuel, Maravilhoso, o Poderoso Conselheiro - cada nome é como um favo de mel, cujas gotas destilam pura doçura. Mas, se há um nome mais doce do que todos os outros aos ouvidos dos crentes, esse nome é Jesus. Jesus! O nome que faz soar as harpas celestiais. Jesus! O centro da nossa alegria. Se há um nome mais encantador, mais precioso do que todos os outros, é esse nome. Ele está entretecido na própria urdidura da nossa hinologia. Muitos de nossos hinos começam com ele e dificilmente os que são bons terminam sem ele. Ele é a soma de todos os deleites. É a música com que vibram os sinos celestiais; uma canção em uma única palavra; um oceano para o entendimento, embora uma gota pela brevidade; um oratório inigualável em duas sílabas; um coro dos aleluias de toda a eternidade em apenas cinco letras.
“Jesus, eu amo o Teu nome encantador,
Pois é música para os meus ouvidos”.


Charles Haddon Spurgeon

tradução: Mariza Regina de Souza

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

12 de março, devocional matutina

Amarás o teu próximo” (Mt. 5:43)


“Amarás o teu próximo.” Talvez ele seja farto de bens e tu sejas pobre e vivas num pequeno casebre ao lado da sua imponente mansão; todos os dias tu vês os seus bens, suas roupas finas e seus banquetes suntuosos; foi Deus quem deu a ele tais coisas, não cobices a sua riqueza, nem tenhas maus pensamentos sobre ele. Contenta-te com a tua própria sorte, se não podes melhorá-la, mas não o julgues e queiras que ele seja como tu. Ama-o, e assim não o invejarás.

Por outro lado, talvez tu sejas rico, e perto de ti resida o pobre. Não tenhas por motivo de desdém chamá-lo de teu próximo. Reconhece que és obrigado a amá-lo. O mundo diz que ele é teu inferior. Mas, em que ele é inferior? Ele é muito mais semelhante a ti do que teu inferior, pois “Deus de um só fez toda a raça humana para habitar sobre toda a face da terra”. Teu casaco é melhor do que o dele, mas tu, de forma alguma, és melhor do que ele. Ele é homem, e tu, que mais és do que isso? Atenta para que ames o teu próximo ainda que ele seja maltrapilho ou esteja mergulhado em profunda pobreza.

Mas, talvez você diga: “Não posso amar o meu próximo, pois apesar de todos os meus esforços, ele me trata com ingratidão e desdém.” Maior oportunidade ainda para o heroísmo do amor. Serias tu um lutador de luvas de pelica, que não suporta a dura batalha do amor? Quem muito ousa, muito alcançará; e se o teu caminho de amor for árduo, trilha-o com coragem, amando o teu próximo haja o que houver. Amontoa brasas vivas sobre a cabeça dele e, se ele for difícil de agradar, procura não agradá-lo, mas a teu Mestre; e lembra-te de que, se ele despreza o teu amor, o teu Mestre não desprezará, e as tuas obras serão aceitáveis a Este como se tivessem sido aceitáveis àquele. Ama o teu próximo, pois só assim estarás seguindo as pegadas de Cristo.

Charles Haddon Spurgeon

Tradução: Mariza Regina de Souza

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

29 de outubro - devocional matutina


Portanto, vós orareis assim: Pai nosso, que estás nos céus...” (Mateus 6:9)

Esta oração começa onde toda oração verdadeira deve começar, com o espírito de adoção: “Pai Nosso”. Nossa oração não será aceitável até podermos dizer: “Levantar-me-ei, e irei ter com o meu Pai.” A alma pueril logo percebe a grandeza do Pai “que está no céu” e se eleva em reverente adoração: “Santificado seja o Teu Nome”. O infante balbucio “Aba, Pai”  se transforma no clamor do querubim: “Santo, Santo, Santo”. Um passo apenas separa a adoração arrebatadora do ardente espírito missionário, consequência natural do amor filial e da devoção reverente: “Venha o Teu Reino e Seja feita a Tua vontade, assim na terra como no céu.”  A seguir vem a sincera expressão de dependência do Pai: “O pão nosso de cada dia dá-nos hoje.” Mais iluminada ainda pelo Espírito, a alma descobre que não é apenas dependente, mas também pecaminosa, e por isso clama por misericórdia: “Perdoa as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores”;  e, sendo perdoada, tendo a retidão de Cristo imputada, e conhecendo sua aceitação diante de Deus, a alma humildemente suplica para ser perseverante em santidade: “Não nos deixe cair em tentação.”  Quem é realmente perdoado, anseia por não pecar novamente; a justificação conduz a um ardente desejo de santificação. “Perdoa-nos as nossas dívidas” é a justificação; “Não nos deixe cair em tentação, mas livra-nos do mal”, é a santificação, tanto em forma negativa como positiva. Como consequência de todas essas coisas, segue-se uma exclamação triunfante de louvor: “Pois Teu é o Reino, o poder e a glória, para sempre, amém.” Nós nos regozijamos, pois nosso Rei reina em providente cuidado e reinará em graça, desde o Eufrates até os confins da terra, e Seu domínio não terá fim. Portanto, desde o sentimento de adoção até a plena comunhão com nosso Senhor e Rei, este pequeno modelo de oração conduz a nossa alma. Senhor, ensina-nos a orar.

Charles Haddon Spurgeon

Tradução: Mariza Regina de Souza