Sermão nº 1188
Ministrado na manhã do Dia do Senhor, em 16 de agosto de 1874 pelo
Rev. CHARLES H. SPURGEON
No Tabernáculo Metropolitano, em Newington, Londres
“se, por acaso, teu
pai te responder asperamente?” — 1 Samuel 20.10
NÃO ERA IMPROVÁVEL que o pai de Jônatas respondesse a
ele asperamente. Saul tinha muito ressentimento contra Davi, ao contrário de
seu filho mais velho, Jônatas, que o amava como a própria alma. Jônatas nem
imaginava que seu pai realmente quisesse prejudicar alguém tão admirável quanto
Davi, por isso, disse a Davi o que pensava; mas Davi, preparado para o pior,
fez-lhe esta pergunta: e “se, por acaso, teu pai te responder asperamente?” E
foi exatamente isso o que aconteceu. Saul respondeu ao filho com palavras
amargas e, no desespero da sua ira, até mesmo tentou feri-lo, atirando contra
ele a sua lança. Contudo, Jônatas não abandonou Davi, mas se ligou a ele com
tanta fidelidade que, até a sua morte, a qual foi muito lamentada por Davi,
continuou sendo seu melhor e mais leal amigo. Ora, a pergunta que Davi fez a
Jônatas é a mesma que desejo fazer a todos os crentes em Cristo nesta manhã,
especialmente aos mais novos na fé, que há pouco tempo fazem parte da aliança
com o grande Filho de Davi, os quais, no fervor do seu coração sentem que podem
viver e morrer por Cristo. Pensem na hipótese de terem de enfrentar a oposição
de seus melhores amigos ou até de seu pai, irmão ou tio, os quais poderiam lhes
responder asperamente; ou, ainda, na hipótese de poderem sofrer perseguição de
sua mãe, esposa ou irmã. E aí? O que farão em tais circunstâncias? Será que
continuarão a seguir o Mestre mesmo diante de uma acusação infame? E, “se, por
acaso, teu pai te responder asperamente”?
Lembrem-se de que essas coisas
realmente podem acontecer. Pouquíssimos cristãos estão numa situação em que
todos os seus amigos os acompanham na sua peregrinação para o céu. Que
progresso eles devem fazer na santa jornada! Que cristãos excelentes devem ser!
São como plantas cultivadas em estufa — devem crescer e produzir os mais belos
jardins da graça divina. No entanto, não há muitos nessa posição. A grande
maioria enfrenta oposição dentro das suas próprias famílias ou daqueles com
quem trabalham ou fazem negócios. E, não é provável que seja assim? Não foi
assim desde o princípio? Não há inimizade entre a descendência da serpente e o
descendente da mulher? Caim não matou seu próprio irmão porque o Senhor aceitou
a oferta de Abel e não a sua? Na família de Abraão não houve um Ismael, nascido
da carne, que perseguiu Isaque, nascido do Espírito? José não foi odiado por
seus irmãos? Davi não foi perseguido por Saul, Daniel pelos príncipes persas e
Jeremias pelos reis de Israel? Não foi sempre assim? O próprio Senhor Jesus
Cristo não teve de enfrentar calúnias, crueldade e morte, e nos disse para não
buscar favor naquilo em que Ele mesmo foi rejeitado? Ele disse claramente: “Não
penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada” (Mt 10.34),
e também que a consequência imediata da pregação do evangelho seria pai contra
filho e filho contra pai; pois os inimigos de um homem seriam aqueles da sua
própria casa (Lc 12.53). Ele não teve o cuidado de perguntar a cada recruta
desejoso de se alistar no Seu exército: “Já pensou no quanto isso vai lhe
custar”? Não é admirável a honestidade e o notável cuidado com que Ele lidou
com as pessoas, fazendo-as se lembrar de que o preço de segui-lO era negarem a
si mesmas, tomando dia a dia a sua cruz e se alegrando quando fossem odiadas de
todos os homens por amor a Ele? Ele nos adverte a não esperar que o discípulo
esteja acima do seu Senhor, pois se as pessoas chamam ao dono da casa de
Belzebu, com certeza não irão conferir títulos melhores a seus empregados. E,
tendo o Senhor nos prevenido, é bom estarmos prontos para as tribulações que
Ele diz que teremos, perguntando a nós mesmos se estamos preparados para
suportar a opressão por amor do Seu nome. Insisto na pergunta àqueles que estão
pensando em fazer sua pública profissão de fé, pois é provável que logo sejam
reconhecidos como cristãos, e é quando começam a construir sua casa que
precisam calcular se serão capazes de terminá-la ou não.
Hoje, temos aqui muitos servos
de Deus cujas vidas estão amarguradas pelos contínuos tormentos causados por
seus familiares e amigos ímpios. Muitas vezes, eles desejam ter asas como de
pomba para poder voar e achar pouso. E é com minha mais profunda solidariedade
que lhes falo nesta manhã sobre este texto: “e se, por acaso, teu pai te
responder asperamente?”, não só com a intenção de dar subsídios aos mais
jovens, mas também na esperança de animar e consolar aqueles que há tempos
estão na fornalha de fogo.
1. Nosso primeiro ponto é: O
QUE VOCÊ PODE FAZER; o que é possível fazer se um de seus amigos lhe responder
asperamente. Quando passa a crer em Cristo, você conta a seu pai sobre sua
conversão; bem, e se ele disser que tudo isso é bobagem? Você chega para sua
mãe e diz a ela que seu coração mudou; e se ela debochar de você? Você abre o
coração para um amigo; e se ele se voltar contra você e lhe disser uma porção
de coisas ofensivas? Vou lhe dizer o que provavelmente vai acontecer, embora eu
sinceramente ore para que não aconteça. Você
vai se desgastar emocionalmente. Quero dizer, vai acabar deixando Cristo
por não conseguir suportar Sua cruz e, embora queira ir para o céu com Ele se a
jornada for mais suave, pode ser que, como o Senhor Flexível (personagem do
livro “O Peregrino” de John Bunyan), descubra que há um pântano no caminho e
acabe dando as costas para o bom país, voltando à Cidade da Destruição. Muitos
têm feito isso. A parábola de nosso Senhor sobre a semente lançada em solo
rochoso nos ensina que muitos brotos que prometem boa colheita perecem quando
surge o sol escaldante, pois não têm raiz. Isso é facilmente observável. Se
aqueles que professam a religião do bem-estar forem recebidos todos os dias com
muitos aplausos, é possível que, de certa forma, ainda continuem firmes; no
entanto, na medida em que têm de enfrentar rejeição e insensibilidade
inesperadas, eles deixam de lado a religião e se juntam aos modismos do mundo.
Para isso, o pai terreno é mais querido que o Pai celeste; o irmão segundo a
carne é mais querido que o Irmão nascido na adversidade, e o marido ímpio é
mais precioso que o noivo eterno; e, por todas essas coisas, eles abandonam o
Senhor.
Ou, pode ser ainda que, em vez
de se desgastar emocionalmente, você continue firme durante algum tempo, mas pouco a pouco vai entregando os pontos e
acabe desistindo de tudo. Muitos de nós poderiam aguentar perder a cabeça
de um só golpe por Cristo, mas ser cozido em fogo brando — ah, isso realmente
nos provaria! E se o fogo brando durasse não apenas um ou dois dias, mas
semanas, meses ou anos? E aí? Se, depois de sofrer pacientemente por muito
tempo, as zombarias cruéis continuassem, as palavras duras e amargas não
parassem — e então? Com certeza, a menos que a graça nos sustente, a carne irá
gritar para se livrar desse jugo incômodo e procurar um atalho por onde possa
escapar do rigor da estrada e voltar ao mundo. A graça continuará e resistirá
até o fim, mas a nossa índole, na melhor das hipóteses, mesmo com as mais
firmes resoluções, tentará apenas até certo ponto e depois desistirá. Provavelmente
é isso o que faremos; mas que Deus nos preserve de agir de forma tão
deplorável, pois, se desistirmos por causa da oposição dos nossos amigos
ímpios, iremos incorrer em tremenda culpa. Desistir de ser cristão por causa de
perseguição é amar a nós mesmos, não a Cristo; é ser egoísta a ponto de
considerar a nossa própria vontade, não aquela honra, é procurar a nossa
própria tranquilidade, não a glória do Senhor, ainda que digamos que O amamos
acima de tudo por nos ter redimido pelo Seu sangue. Isso provará que nós não O
amamos de forma alguma, e que somos ingratos, falsos e hipócritas. Mesmo que
nossa profissão de fé seja verdadeira, se cedermos à perseguição, isso só mostrará
que queremos algo em troca e, como o traidor Judas, também venderemos o nosso Mestre,
não por trinta moedas de prata, mas para fugir do escárnio e da maldade.
Ficará claro também que
preferimos o louvor dos homens à aprovação de Deus. Valorizamos mais o sorriso
de alguém que em breve morrerá do que o alto preço do amor de Deus ou a
aprovação do Redentor. Pedro, por alguns instantes, se preocupou mais com a
pergunta de uma criada tola do que com sua lealdade ao Senhor; mas como é
terrível cair em tal condição deliberadamente e levar mais em consideração um
mortal, e o filho do homem que logo será apenas um verme, do que o Senhor,
nosso Criador e Juiz, o único que deve ser temido! Não será isso loucura,
traição e terrível iniquidade?
Deixar o Senhor
por causa de perseguição é estabelecer um tempo antes da eternidade, é trocar o
céu pelos prazeres deste mundo, renunciar à vida eterna por alguns momentos de
tranquilidade e causar em nós mesmos um sofrimento infinito por não poder
suportar alguma brincadeira estúpida ou ser motivo de chacota. Esta é a
verdade. O homem tem a vida e morte diante de si; a vida oculta pela cruz e a
morte disfarçada de alegrias transitórias; e ele prefere a morte eterna com sua
luz brilhante à vida eterna com suas provações momentâneas. Queira Deus que
nunca façamos tal loucura, pois senão seremos contados com os “tímidos” de
Apocalipse, que podem ser interpretados como os covardes que se juntam “aos
incrédulos, aos abomináveis, aos assassinos, aos impuros, aos feiticeiros, aos
idólatras e a todos os mentirosos” — pois esta é a classe de pessoas com quem
eles se associam — aos quais “a parte que lhes cabe será no lago que arde com
fogo e enxofre, a saber, a segunda morte” (Ap 21.8), da qual possa a infinita
misericórdia de Deus nos livrar. Que possamos, como verdadeiros soldados,
vestir nossa couraça e decidir que, seja qual for o furor da batalha, por meio
da graça divina, não abandonaremos nosso posto. A própria morte é preferível à
desgraça de abandonar uma causa tão verdadeira, uma doutrina tão pura, um
Salvador tão gracioso, um Príncipe tão nobre e tão digno do nosso serviço mais
leal.
No entanto, se deixarmos a
luta por nossa conta, poderemos incorrer num erro tão crasso quanto a
apostasia. Quando pai, mãe ou esposa nos respondem com aspereza, podemos fazer um lastimável acordo entre
Cristo e o mundo. Rogo que não façam isso de forma alguma. Mesmo se parecer
sensato e correto. “Será que posso agradar a Deus e aos homens? Será que posso
andar com Cristo e com o mundo”? Ah, minh’alma, se fizer isso você vai
fracassar; além do mais, vai escolher a pior estrada de todas, pois se alguém
serve a Deus, e O serve de fato, vai encontrar muitas consolações para amenizar
suas tribulações; e se alguém serve realmente a Satanás, vai desfrutar de algum
bem-estar qualquer produzido pelo pecado; no entanto, se ficar entre os dois
mundos, vai sentir o tormento de ambos e nenhum prazer de qualquer um dos dois.
Tentar ser amigo de Cristo e de Satanás ao mesmo tempo é pior do que passar por
um corredor polonês no convés de um navio (castigo em que uma pessoa é obrigada
a passar entre duas fileiras de homens munidos de açoites). Creio que uma
mulher professa, que se entrega antes do casamento ao marido ímpio, quando
deveria resistir, sofre amargura pelo resto da vida; e que um marido, filho,
homem de negócio, que não toma uma decisão firme em questões de menor
importância, para não ter dor de cabeça, a partir daquele momento cai em
descrédito, pois depois de ter cedido um pouco, o mundo exige cada vez mais, e
sua liberdade chega ao fim. Quando você abre mão de um único ponto da sua
integridade ou do seu cristianismo, o não convertido deixa de acreditar em você
como acreditava antes, quando você era firme em suas resoluções; as pessoas
respeitam um cristão de verdade, mas ninguém gosta de uma pessoa de duas caras.
Seja uma coisa ou outra, ou quente ou frio, senão Cristo vai rejeitá-lo, e o
mundo também. Se uma coisa é certa, faça-a; se resolver servir ao Senhor, sirva-O,
seja isso ofensivo aos outros ou não. Por outro lado, se preferir servir a
Satanás, pelo menos seja honesto o suficiente para não fingir que está do lado
do Senhor. Lembre-se do desafio de Elias: “Se Deus é Deus, servi-O; se Baal é
deus, servi-o”, mas não tente um acordo, pois isso o levará a um tremendo
fracasso. O imperador Marco Antonio andou pelas ruas de Roma com dois leões
atrelados, mas nenhum Marco Antonio poderá levar o leão da tribo de Judá e o
leão da cova juntos na mesma correia. Eles nunca se entenderão. Cuidado, pois,
para não caírem na infâmia do comprometimento, pois isso nada mais é do que
rebelião contra Deus, é debochar das Suas afirmações e insultar o Seu
julgamento. Que a graça de Deus nos guarde, pois se formos deixados por nossa
conta, vamos cair na armadilha.
Vou lhes dizer o que podem
fazer também, e oro para que o Espírito Santo os conduza a isso. Vocês podem, com humildade, mas com firmeza,
assumir esta posição: — Se meu pai me responder asperamente, não importa,
pois tenho outro Pai que está no céu e é a Ele que vou recorrer. Se o mundo me
condenar, vou aceitar sua condenação como confirmação de que o grande Juiz de
todas as coisas graciosamente me absolveu, pois me lembro do que está escrito:
“Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim”
e “Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; como, todavia, não
sois do mundo, pelo contrário, dele vos escolhi, por isso, o mundo vos odeia”
(João 15.18-19). Que saibamos suportar a adversidade como bons soldados de
Jesus Cristo. Que consideremos o opróbrio de Cristo mais rico do que todos os
tesouros da terra. Que nunca um rubor de covardia manche o nosso rosto por
termos vergonha de Jesus; longe de nós que, ao invés de nos dispormos a ser
objeto de escárnio por alguns momentos, pensemos em deixar nosso Amado Senhor.
Que nunca sejamos falsos ou medrosos; e, com calma e firmeza, com a confiança
de um amor que jamais vacila, sejamos fiéis ao Senhor, ainda que todos O
abandonem:
Oh,
aprenda a desprezar o louvor dos homens
Oh,
aprenda a continuar com Cristo
Pois,
pela humilhação, Jesus venceu o mundo
E te chama a trilhar o Seu caminho.
2. O segundo ponto é: O QUE A
TRIBULAÇÃO FARÁ POR NÓS SE TIVERMOS AUXÍLIO PARA SUPORTÁ-LA. “E se, por acaso,
teu pai te responder asperamente”? Em primeiro lugar, ela nos afligirá. Opor-se, por fazer a coisa certa, àqueles que
deveriam nos ajudar, não é nada agradável. É muito doloroso para a nossa
natureza ser contra aqueles a quem amamos. Além disso, aqueles que não gostam
de cristãos têm um jeito de nos insultar que nos faz estremecer. Eles observam
nossos pontos fracos e, com muita habilidade, tiram proveito deles; treinados
pelo velho mestre da maldade, eles não demoram a usar o açoite onde somos mais
vulneráveis. Se uma coisa é mais provocante do que outra, com certeza é isso o
que irão dizer, e irão dizer quando estivermos mais sensíveis. Talvez sejam até
muito educados e, neste caso, nossos gentis perseguidores têm um jeito muito
sutil de cortar até o osso e ainda continuar sorrindo. Eles podem dizer uma
maldade com tanta delicadeza que talvez você nem se dê conta ou fique
ressentido. A arte da perseguição tem sido estudada há tanto tempo pelos
descendentes da serpente que eles se tornaram especialistas nela e sabem
exatamente como fazer o ferro penetrar na alma. Portanto, não se surpreenda se
você for dolorosamente atormentado; nem se espante, como se alguma coisa
estranha tivesse acontecido. O sofrimento dos mártires não foi fingido; as
torturas que eles sofreram não foram um mar de rosas; nem suas celas de prisão
foram confortáveis. Suas dores foram excruciantes; seu martírio foi um
verdadeiro tormento. Se sua tristeza for fingida, você pode esperar falsas
alegrias. Que a realidade da sua tribulação lhe assegure a realidade da glória
do porvir.
A oposição de seus amigos provará sua sinceridade. Se você é
hipócrita, a oposição logo o fará desistir. “O risco não vale a pena”, diz
você, e em breve estará fora e, pelo bem da igreja, talvez isso seja uma
bênção, pois é melhor para o trigo se ver livre da palha; e se o vento da
perseguição soprá-lo para longe é porque você é palha. As respostas ásperas de
seus adversários provarão sua fé.
Você diz que crê em Jesus: ora, veremos se realmente crê, pois se não pode
suportar as pequenas tribulações vindas de homens e mulheres, com certeza não
será capaz de suportar as horríveis tribulações que vêm do diabo e seus anjos.
“Se te fatigas correndo com homens que vão a pé, como poderás competir com os
que vão a cavalo? Se em terra de paz não te sentes seguro, que farás na
floresta do Jordão?” (Jeremias 12:5). Se você não consegue suportar as
provações da vida, como enfrentará o suplício da morte?
A perseguição provará seu amor por Jesus. Se você
realmente O ama, sofrerá alegremente com Ele no pelourinho da rejeição e,
quando os inimigos lançarem suas injúrias, você dirá: “Lancem sobre mim, não
sobre Ele: se há algo ruim a ser dito, digam contra mim, não contra meu
Senhor”.
Se
por Seu doce Nome
Vergonha
e rejeição eu passar
Aclamarei
tanto uma quanto a outra
Pois de mim Ele irá Se lembrar
A perseguição provará o seu amor, e também todas as
suas virtudes, uma por vez; e isso será bom para você. Suas virtudes não serão
fortalecidas a menos que você as coloque em ação; e se não forem provadas, quem
saberá de que são feitas? O valente soldado, na quietude do quartel, sem dúvida
poderia lutar; mas como saber se ele não tomar parte na campanha? Aquele que
carrega a boca do canhão tem sua testa ferida por um soldado ornado com um
sabre, e carrega muitos outros ferimentos adquiridos a serviço do seu rei; sem
dúvida, ele é um bravo guerreiro. O ouro de boa qualidade deve ser depurado
pelo fogo e as oposições são enviadas para que a nossa fé, o nosso amor e todas
as nossas virtudes se mostrem genuínas ao passar pelo teste.
As respostas ásperas daqueles
que deveriam ser nossos amigos nos
manterão vigilantes. Se não me engano, era Erskine que costumava dizer:
“Senhor, livra-me do demônio do sono”, e essa é realmente uma oração digna de
ser feita. Quando tudo vai bem e ninguém zomba de nós, ficamos tentados a
baixar a guarda; no entanto, quando somos afligidos por críticas e insultos não
merecidos, e quando, em troca do nosso amor recebemos apenas provocação e
grosseria, é bem provável que percamos o sono. Essas aflições nos levam a dobrar nossos joelhos.
Talvez vocês já tenham lido a história do Senhor Eraser, um dos pastores do
Condado de Ross-shire (Escócia), o qual tinha uma esposa fria e insensível; ela
era muito cruel e nunca permitia que ele tivesse uma luz ou chama no quarto
para poder estudar, de forma que, de tanto tocar o reboco enquanto andava de lá
para cá no escuro, ele acabou fazendo dois buracos na parede. Num encontro de
ministros pouco sensíveis às coisas de Deus, um deles resolveu fazer uma
brincadeira, propondo um brinde com o qual achava que ele não iria concordar:
“à saúde de suas esposas”. Para espanto de todos, ele respondeu: “Minha esposa
tem sido para mim muito melhor do que a maioria das esposas de vocês, pois ela
me faz dobrar os joelhos sete vezes por dia, o que, de outra forma, eu não
faria; e isso é muito mais do que qualquer um de vocês pode dizer a respeito de
sua própria esposa”. Pessoalmente, preferiria não ter uma ferida purulenta como
essa, mas se o bom Médico me tivesse designado uma coisa tão dura, sem dúvida,
é porque tinha uma boa razão para isso. É daquilo que as pessoas chamam de erva
daninha que os sábios extraem os remédios, e é das provações amargas que o
Senhor produz o tônico sagrado que nos fortalece para uma vida mais sublime de
comunhão Consigo mesmo.
As tribulações provenientes
dos inimigos de Jesus confirmam a nossa
fé. Quem nunca foi provado geralmente possui uma fé fraca e vacilante; no
entanto, a provação, e em especial a perseguição, é como um vento forte de
março que passa uivando pela floresta e, embora num primeiro momento quase
arranque pela raiz os carvalhos mais novos, afofa a terra para eles, e eles
aprofundam suas raízes até ficarem tão firmes que podem resistir a um furacão.
A mesma coisa que, a princípio, os faz balançar, mais tarde os fortalece. O
crente provado é um crente firme e destemido; portanto, aceite alegremente a
resposta áspera e busque nela bons resultados. Uma pequena perseguição à igreja
na Inglaterra seria muito benéfica para ela. Estamos numa época muito
tranquila, onde é raro encontrar zelo pelas coisas de Deus e quase ninguém
defende a verdade. A igreja tem feito acordos com o mundo e vai dormir com
Satanás embalando o berço. Muitos que professam ser cristãos nada mais são do
que pessoas do mundo batizadas; e muitos que se preparam para o ministério de
Cristo são meros leitores de sermões de outras pessoas, mercenários que não se
importam com as ovelhas. Se o vento da perseguição limpasse a eira da igreja,
faria muito bem a ela.
Palavras ásperas também fazem
bem para os verdadeiros cristãos; elas os
levarão a suplicar por aqueles que as
dizem. Lembro-me do que um bom homem sempre dizia a respeito de um sujeito
blasfemo que gostava de atormentá-lo com suas horríveis provocações e
maldições: “Bom, eu bem que poderia me esquecer de orar por ele, mas ele vive
me lembrando disso, pois toda vez que nos encontramos ele me roga uma praga”.
Se nossos amigos só falassem coisas agradáveis e não deixassem transparecer sua
inimizade por Cristo, poderíamos ter uma falsa esperança e deixar de orar por
eles; todavia, quando sua velha natureza está presente, e totalmente
desenfreada, somos levados a interceder por eles; e quem pode dizer que o
Senhor não nos dará sua alma como recompensa?
Com certeza, a oposição tem ainda
outro efeito benéfico: ela conduz aqueles
que se submetem a ela por um caminho totalmente separado. Eles são
conhecidos por serem cristãos e são proclamados como tais por seus ofensores.
Não creio que seja ruim para você, jovem, quando for ao armazém, alguém dizer:
“Ei, aí vem um daqueles metodistas”. É bom para você ser conhecido. Se você é
quem deveria ser, não se importará de ser rotulado ou provado. Isso o ajudará a
andar na linha quando surgirem as tentações; e com frequência o livrará de
muitos problemas. Suponha que seus amigos não queiram mais sua amizade porque
você é cristão; será que isso não é bom? Quem o deixar por causa disso será uma
perda benéfica. Uma senhora da sociedade, que agora está com Cristo, quando
veio para esta igreja, me contou que, após seu batismo muitos de seus amigos
aristocratas deixaram de falar com ela ou de convidá-la para ir às suas casas.
Dei-lhe os parabéns, pois isso a ajudou a selecionar seus amigos. Seu caráter
verdadeiro e sua bondade de espírito logo reconquistaram quem era digno da sua
amizade, e os demais foram alegremente descartados. Da mesma maneira que as
pessoas se afastam por você seguir o Senhor, você também pode se afastar delas.
Não ganhamos nada pelo amor de quem não ama a Deus.
Um efeito benéfico da
perseguição dentro de casa é que você será mais humano lá fora. Se, meu amigo
cristão, quem está dentro da sua casa o deixa infeliz, você será um sábio se
conseguir ser mais paciente com quem é de fora. As pessoas se perguntavam por que
Sócrates era tão paciente com seus alunos e tão bem humorado, mas ele atribuía
isso ao fato de ter sido fortalecido pela oposição de outras pessoas e por ter
sido treinado em casa por sua rabugenta esposa Xantipa. Talvez você tenha mais
paciência com quem zomba de você e mais simpatia por quem é alvo de zombaria ao
compartilhar algo em comum com uma porção de crentes. Assim, eis o enigma de
Sansão: “Do comedor saiu comida, e do forte saiu doçura” (Jz 14.14). O leão
está rugindo para você, mas haverá um dia em que você encontrará doçura nele e
bendirá o nome do Senhor.
3. Meu terceiro ponto é: COMO
DEVEMOS NOS COMPORTAR QUANDO ESTAMOS PASSANDO PELA PROVAÇÃO? Que o Espírito
Santo o capacite a agir tão discreta quanto decididamente. Nunca provoque contrariedade. Que Deus nos proíba de agir assim.
Alguns fanáticos parecem ser mestres em usar a religião para criticar e
condenar outras pessoas. O cálice que apresentamos ao mundo pecaminoso é, em si
mesmo, repulsivo o suficiente para o ser humano caído; não pode haver sabedoria
em torná-lo pior, apresentando-o de cara feia. Quando damos remédio a uma
criança, em geral, oferecemos a ela também um pedaço de doce. O mesmo deve
acontecer com a apresentação do evangelho: que a gentileza, o carinho e a
bondade tornem mais doce aquilo que o mundo, provavelmente, não receberá, mas
que ficará menos ressentido se você apresentá-lo com amor, demonstrando o
desejo de viver em paz com as pessoas, levando em conta o bem dos outros ao
invés do seu.
E, depois, enfrente o que tiver de enfrentar com a
maior mansidão possível. Havia um agricultor cuja esposa ficava muito
irritada por ele frequentar os cultos de uma religião dissidente do catolicismo
romano e unir-se aos crentes em Cristo. Com frequência, ela lhe dizia que não
ia aguentar aquilo por muito tempo, mas ele era muito paciente e não lhe
respondia com grosseria. Um dia, ela foi ao campo e o chamou, colocando-o
contra a parede: “Ou você deixa aquelas pessoas ou me deixa”; e, mostrando uma
trouxa de pano, disse: “Agora você pega a sua metade que eu pego a minha, pois
estou indo embora”. Ele respondeu: “Não querida, pode ficar com tudo. Você
sempre foi uma boa esposa, leve tudo”. Então, ela propôs pegar uma parte dos
bens como acordo para uma separação final, e novamente ele disse: “Leve tudo.
Se for embora, leve tudo o que quiser, pois não quero que sinta falta de alguma
coisa; e volte quando desejar, sempre ficarei feliz em vê-la”. Vendo a maneira
como ele falava, ela disse: “Isso quer dizer que você quer que eu vá embora”?
“Não”, disse ele, “essa é a sua vontade, não a minha. Não posso abandonar minha
fé, mas qualquer coisa que possa fazer para você ficar e ser feliz, eu farei”.
Isso foi demais para ela, que decidiu parar de se opor a ele; pouco tempo
depois, ela começou a ir aos cultos com o marido e tornou-se crente. Este é o
caminho mais certo para a vitória. Ceda em tudo, menos naquilo que é errado.
Nunca deixe sua raiva crescer. Mantenha-se calmo e deixe o ataque ser
unilateral. Havia uma senhora crente, a qual costumava frequentar os cultos do
Sr. Robinson, de Leicester. Um dia, seu marido, um minerador de carvão muito rude,
disse a ela num acesso de raiva: “Se você for àquela igreja de novo, arranco
suas pernas”. Ele era um homem terrível, e igualmente violento, mas, mesmo
assim, no culto seguinte, ela foi como de costume. Ao voltar para casa, ela se
colocou nas mãos de Deus, esperando ser atacada. Seu marido lhe perguntou:
“Onde esteve?”, e ela respondeu: “Fui à igreja”. Com um tremendo soco no rosto,
ele a derrubou no chão. Levantando-se, ela lhe disse com delicadeza: “Se você
me bater na outra face, vou perdoá-lo, do mesmo modo como o perdoo agora”.
Antes de se converter, ela era uma mulher muito impetuosa e devolvia ao marido
na mesma moeda, por isso ele ficou espantado com sua docilidade e lhe disse:
“Onde aprendeu a ser tão paciente?”. Ela respondeu: “Pela graça de Deus,
aprendi naquela igreja”. “Então vá quantas vezes quiser”, disse ele. Pouco
tempo depois, ele também começou a
ir, e a guerra acabou. Não há nada como a mansidão. Ela conquista até os mais
brutos.
Depois de suportar com
mansidão, retribua o mal com o bem.
Retribua palavras cruéis com gestos de amor e bondade. A melhor arma para os
cristãos lutarem contra seus adversários é retribuir o mal com o bem. Mal por
mal é barbarismo, e nenhum cristão pode se satisfazer com isso; mas o bem pelo
mal é cristianismo, e devemos praticá-lo. Creio que já contei a história do
marido que era muito libertino, lascivo e depravado, um sujeito mundano, mas
que há muitos anos era casado com uma mulher que suportava suas zombarias e
grosserias, orando por ele dia e noite sem ver nenhuma mudança, exceto a de que
cada vez mais ele se afundava em pecado. Certa noite, estando numa festa com
seus companheiros de bebedeira, ele começou a se gabar de que sua esposa faria
qualquer coisa que ele quisesse, e que ela era dócil como um cordeirinho.
“Bem”, disse ele, “ela já deve estar na cama há horas, mas se eu levar todos
vocês para casa agora, ela vai se levantar e servi-los sem reclamar”. “Não é
possível”, disseram, e acabaram fazendo uma aposta e indo até lá. Já era muito
tarde, mas em poucos minutos ela se arrumou e disse que tinha dois frangos
prontos e que, se eles esperassem um pouco, ficaria satisfeita em lhes servir a
ceia. Eles esperaram e, não muito tempo depois, àquela hora da noite, a mesa
estava posta; e ela assumiu seu lugar como se fosse a coisa mais natural do
mundo, agindo alegremente como sua anfitriã. Um dos homens, sensibilizado pela
sua atitude, disse: “Senhora, precisamos nos desculpar por invadir sua casa a
essa hora da noite, mas gostaria muito de entender porque nos recebeu com tanta
alegria, apesar de não aprovar nossa conduta, por ser uma pessoa religiosa”.
Ela respondeu: “Antes, eu e meu marido não éramos convertidos mas, pela graça
de Deus, hoje sou crente em Jesus Cristo. Todos os dias oro pelo meu marido e
faço tudo o que posso para que ele mude, mas como não vejo mudança alguma,
tenho medo de que ele esteja perdido para sempre; por isso, tento fazê-lo o
mais feliz possível aqui”. Eles foram embora e o marido lhe disse: “Você
realmente acha que vou ser infeliz para sempre?” “Creio que sim”, disse ela, “quisera
Deus que você se arrependesse e pedisse perdão”. Naquela noite, a paciência
alcançou seu desejo. Logo ele estava a caminho do céu junto com ela. Não ceda
nos pontos principais, mas, em todas as outras coisas, esteja disposto a
suportar críticas, desprezo e zombaria por amor a Cristo. In hoc signo vinces (“com este sinal vencerás”) — pela cruz,
suportada com paciência, vencerás. “Mas isso é muito difícil”, diz alguém. Eu
sei, mas a graça pode tornar leve até o fardo mais pesado, e transformar o
dever em deleite.
Aqui, precisamos observar
também que os cristãos perseguidos, além dessa doce persistência, precisam ter uma vida muito íntegra. Precisamos ser
irrepreensíveis quando temos olhos de lince sobre nós, pois se nos encontrarem
fazendo alguma bobagem, eles vão nos atacar na mesma hora. Se houver uma só
coisinha errada, algo que eles nem notariam em outra pessoa, eles farão um
alvoroço e um tremendo estardalhaço por causa disso. “Ah, então essa é a sua
religião!”, dizem, como se tivéssemos a pretensão de ser absolutamente
perfeitos. Portanto, fiquem atentos, andem com sobriedade e não se coloquem em
suas mãos; que eles nada tenham a dizer contra você, a não ser sobre a sua fé.
Nada incomoda mais os oponentes do que integridade, fidelidade e santidade:
eles querem falar contra você, mas não encontram uma oportunidade adequada.
Procure orar diariamente, pedindo graça para controlar seu temperamento, pois
se você falhar nesse ponto, eles irão se gabar de tê-lo vencido e sempre
voltarão ao ataque. Peça graça para ser paciente, e fale o menos possível,
exceto sobre Deus. Ore por eles, pois a oração é ouvida; pois como sabes, ó
mulher crente, que não salvarás teu marido incrédulo? Apenas vigie e ore, e a
bênção virá.
4. FAZENDO TUDO ISSO, QUE TIPO
DE CONSOLO VOCÊ PODE ESPERAR? Uma coisa que pode consolá-lo é que o perseguidor está nas mãos de Deus. Ele
não pode fazer nada além do que Deus permite e, se Deus permite que ele o
atormente, você deve suportar com alegria. A seguir, lembre-se: se você mantém
sua consciência limpa, isso é motivo de alegria. A consciência é um passarinho
que tem o canto mais doce do que qualquer cotovia ou rouxinol. Respostas
ásperas de fora não devem atormentá-lo enquanto, por dentro, você tiver a
resposta de uma boa consciência diante de Deus. Prejudique sua consciência e
perca o consolo; preserve-a do mal e você será feliz. Lembre-se de que,
sofrendo pacientemente e perseverando, você
terá a companhia dos espíritos mais nobres que já viveram. Você não pode
ser mártir e usar a coroa de sangue em nossos dias, mas, pelo menos, pode
sofrer até o ponto em que foi chamado a sofrer: a graça o capacitará e você
terá parte na glória dos mártires. “Regozijai-vos e exultai, porque é grande o
vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes
de vós” (Mateus 5.12).
Lembre-se também que, se tiver
problemas muito difíceis, sem dúvida,
Jesus estará com você. Este é o maior consolo de todos, pois em todas as
nossas angústias Ele foi angustiado. Você descobrirá que Sua presença nas
ordenanças pode ser um deleite. As águas roubadas que Ele lhe dá em íntima
comunhão são as melhores, e como são doces os bocados obtidos às ocultas! Os
antigos covenanters[1] diziam que nunca adoraram a
Deus com tanta alegria como quando estavam entre vales e montes sendo
perseguidos pelos dragões de Claverhouse[2]. Viver é revigorante para os
cervos perseguidos do Senhor. Seu peito é terno e seguro para aqueles que são
rejeitados pelos homens por Sua causa. Ele tem um jeito maravilhoso de desvelar
Sua face para aqueles cujas faces estão cobertas de vergonha devido ao seu amor
por Ele. Ah, tenha prazer, caro amigo, em vigiar com o Senhor.
Pense também que você faz mais bem onde está do que se
estivesse entre outros crentes. Lá longe está a luz do farol dos rochedos de
Eddystone (costa da Inglaterra), bem no meio do oceano; observe como a
tempestade ruge à sua volta e como as águas tentam encobri-la, ameaçando apagar
sua chama. Será que ela se queixa? Estando onde está, batida pelas ondas do
Atlântico e enfrentando a fúria da tormenta, ela faz mais bem do que se
estivesse no Hyde Park (centro de Londres, Inglaterra) para ser vista pelas
damas e cavalheiros. O crente perseguido ocupa um lugar onde adverte e ilumina
e, por isso, sofre. Ele é como um guarda avançado, cujo posto perigoso é o
lugar de honra: que ele peça apenas força para aguentar e não desistir, e
receberá a glória no final. Lembre-se de que, quanto pior a estrada melhor o descanso, e quanto maior o
sofrimento mais reluzente será a coroa no final. Aqueles que suportam mais, por
amor a Jesus, serão aqueles a quem Ele dirá com maior doçura: “Muito bem, servo
bom e fiel; foste fiel no pouco, sobre o muito te colocarei; entra no gozo do
teu senhor” (Mt 25.21).
Ah, irmãos, se sua linguagem é
rude para ser paciente, o que é isso em comparação ao que muitos aflitos do
Senhor têm de enfrentar? Para defender este ponto, vou lhes contar um pequeno
incidente, depois terminamos. Ontem, o carteiro me trouxe, entre outras
correspondências, uma carta da Austrália, a qual prezo mais do que qualquer
outra que já tenha tido em mãos; ela tocou meu coração e, quando vocês ouvirem
o que está escrito, saberão por quê. Ela foi escrita a pedido de um homem, o
qual foi descrito pelo cavalheiro que a escreveu para ele nos seguintes termos:
“Conheço a pessoa para quem escrevo há quase oito anos, durante os quais ele
tem estado totalmente indefeso, está paralítico, teve uma das pernas amputada, a
visão se foi e ele não consegue mover nem as mãos nem os pés; do jeito que o
colocam na cama, ele permanece, e ainda tem de aguentar a chateação das moscas
ou de qualquer outra coisa que o incomode. Assim, tenho certeza de que o senhor
gostará de saber que tem sido um instrumento de consolo para ele, pelo que ele
tem se alegrado muito; e poucos são mais aptos do que o senhor para ensinar e
exortar aqueles que veem vê-lo, explicando-lhes as pequenas porções da Palavra
de Deus que são lidas”. Ora, esse pobre homem, deficiente há 16 longos anos,
desde 1858, me escreve assim: “Sendo movido pelo Espírito Santo, envio-lhe
estas poucas linhas para agradecer o bem que tenho recebido pela leitura de
seus sermões. No ano de 1850 eu cheguei ao conhecimento da verdade e encontrei
paz no Senhor Jesus. Em 1858, sofri um grave acidente, de forma que não consigo
mais obter meu sustento, confiando apenas no Senhor que tem me conduzido pelo
caminho certo. Em 1866, aprouve a Ele me confinar totalmente em minha cama.
Bendigo o Seu Santo Nome por poder dizer que estou atado pelos laços do Seu
amor, pois Ele tem me sustentado e consolado durante todo o meu confinamento, e
tem permitido que eu me alegre na esperança da Sua glória; e que privilégio tem
sido nos últimos anos ler seus excelentes sermões, os quais são fonte de grande
consolo e deleite à minha alma, fazendo-me subir às alturas e gozar de doce
comunhão. Por isso, sou constrangido pelo amor a lhe enviar este
reconhecimento, esperando que com isso o senhor possa se alegrar um pouco em
suas horas de labor; e, se nosso Pai celestial achar adequado, este meu
testemunho à Sua fidelidade talvez possa ser abençoado por Ele para o conforto
e encorajamento de alguns aflitos do seu rebanho, pois sei que todas as coisas cooperam para o bem
daqueles que amam a Deus”. Quanta consideração desse abnegado sofredor em
escrever uma carta me consolar. Até poderíamos pensar que ele precisava
consolar a si mesmo, mas o Senhor o tem alegrado tanto que, em vez procurar
consolo, ele sequer menciona em sua carta a perda da perna, sua paralisia ou a
perda da visão. A única coisa que ele me conta é sobre sua alegria e paz. Ora,
se os filhos de Deus em tais condições extremas ainda podem dar testemunho da
Sua fidelidade, será que você vai fugir por causa da zombaria de alguns tolos?
Será que vai abandonar covardemente seus padrões por causa de alguns loucos que
lhe apontam o dedo acusador? Se é assim, será que você é feito da mesma
essência dos crentes de verdade? Você tem certeza da graça divina da mesma
forma que eles têm? Com certeza, não. Que o Senhor, na Sua infinita
misericórdia, lhe dê uma conversão tão palpável que, seja qual for sua
tribulação, você possa cantar: “todavia, eu me alegro no SENHOR, exulto no Deus
da minha salvação” (Habacuque 3.18).
Se hoje me dirijo àqueles que,
de alguma forma, têm perseguido os santos de Deus, permitam que eu lhes diga
uma coisa: “Pensem no que estão fazendo; há muitas coisas que um homem pode
suportar, mas se vocês se metem com seus filhos, isso mexe com ele, pois este é
o ponto fraco de todos os pais”. Nada provoca mais o Senhor do que mexer com
Seus filhos. Pensem no que estão fazendo. E, rogo ao Senhor que, se vocês têm
feito isso por ignorância, achando realmente que eles estão errados, e zombam
deles porque os consideram hipócritas, que o Senhor lhes fale do céu como fez
com Saulo, dizendo: “Por que me persegues?”, para que vejam que, na realidade,
vocês estão ferindo o próprio Senhor Jesus. Que Ele os faça ver que as lágrimas
arrancadas àquela senhora fiel e as noites insones causadas àquele homem
sincero são um mal muito maior para Cristo, pois, no final, Ele ajustará as
contas com vocês. Venham para o Senhor Jesus, e que o Espírito Santo os faça se
arrepender da sua maldade, pois Jesus está disposto a recebê-los e abençoá-los,
como fez com o apóstolo Paulo. Creiam no Senhor Jesus e também serão salvos.
Que Deus abençoe a todos, por amor de Cristo. Amém.
Tradução e Revisão: Mariza Regina de Souza
[1] Covenanters: Os membros da Igreja da Escócia que assinaram o Pacto (Covenant) Nacional Escocês de 1638, que
os obrigava a manter a Igreja da Escócia como foi organizada durante a Reforma,
isto é, presbiteriana. Eles participaram em combate armado em obediência ao
pacto assinado.
[2] John Graham de Claverhouse, I
Visconde de Dundee (Escócia)