terça-feira, 28 de agosto de 2018

28 de agosto - Devocional vespertina


“Canta alegremente, ó estéril”
Isaías 54.1
Apesar de produzirmos alguns frutos para Cristo, e de termos a doce esperança de ser “plantio da Sua destra”, ainda assim, algumas vezes, nos sentimos totalmente estéreis. A nossa oração é sem vida, o amor é frio, a fé é fraca, e as graças no jardim do nosso coração definham e caem. Somos como flores ao sol quente que precisam ser regadas. O que devemos fazer em tais condições? O texto de Isaías é dirigido exatamente para pessoas nessa situação. “Canta alegremente, ó estéril, que não deste à luz”. Mas, cantar sobre o quê? Não posso falar sobre o presente, e até o passado parece totalmente árido. Ah! Mas posso cantar sobre Jesus Cristo. Posso falar sobre as visitas do Redentor; ou, então, posso exaltar o grande amor com que Ele amou Seu povo, descendo das alturas para redimi-lo. Irei à cruz outra vez. Vem, minh’alma, já suportaste grande peso, mas ali perdeste o teu fardo. Vai de novo ao Calvário. Talvez a própria cruz que te deu vida possa te fazer frutificar. O que é a minha esterilidade? É a plataforma para o poder criador e frutificador do Senhor. O que é a minha desolação? É o negro pano de fundo para a safira do Seu amor eterno. Irei em pobreza, irei em carência, irei em toda a minha vergonha e falta de fé, e Lhe direi que ainda sou Seu filho e, confiante na fidelidade do Seu coração, até mesmo eu, um estéril, cantarei e exultarei.
Canta, ó crente, pois isso animará tanto o teu próprio coração quanto o coração de outros desolados. Canta, pois agora que estás realmente envergonhado da tua esterilidade, em breve, serás frutífero; agora que Deus te deixa inquieto por não dar frutos, logo Ele te cobrirá de cachos. A experiência da nossa esterilidade é dolorosa, mas as visitações do Senhor são deliciosas. O senso da nossa própria pobreza nos leva a Cristo, e é aí que devemos estar, pois nEle o nosso fruto pode ser encontrado.
Charles Spurgeon
Tradução e revisão: Mariza Regina de Souza

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

24 de agosto - Devocional matutina

“Subirá diante deles o que abre caminho”
Miqueias 2.13

Uma vez que Jesus vai adiante de nós, as coisas não continuam como se Ele não tivesse passado. Ele derrotou todos os inimigos que obstruíam o caminho. Anima-te, pois, guerreiro medroso. Cristo não só percorreu a estrada, como também abateu teus inimigos. Tens medo do pecado? Ele o encravou na cruz. Tens medo da morte? Ele foi a morte da Morte. Tens medo do inferno? Ele cerrou suas portas a qualquer um de Seus filhos; eles jamais verão o abismo da perdição. Quaisquer que sejam os inimigos do cristão, todos são vencidos. Há leões, mas seus dentes estão quebrados; há serpentes, mas suas presas foram extraídas; há rios, mas eles têm pontes ou podem ser atravessados; há chamas, mas nossas roupas incomparáveis nos tornam invulneráveis ao fogo. A espada forjada contra nós está sem fio; os instrumentos de guerra que o inimigo está preparando estão ultrapassados. Deus, na pessoa de Jesus Cristo, removeu todo o poder de qualquer coisa que possa nos ferir. Assim pois, o exército pode marchar em segurança e podemos prosseguir alegremente em nossa jornada, pois todos os inimigos foram conquistados de antemão. O que mais podemos fazer, senão marchar para pegar a presa? Os inimigos foram abatidos e conquistados; tudo o que temos a fazer é dividir os despojos. É bem verdade que sempre estaremos em combate, mas a luta será contra um inimigo vencido. Sua cabeça está ferida. Ele pode tentar nos prejudicar, mas sua força não é suficiente para concretizar seu intento maligno. Nossa vitória será fácil, e nosso tesouro, inigualável.

Proclama em alta voz a fama do Salvador
Quem carrega o maravilhoso nome do Eterno
O doce, suave nome do Conquistador
Que derrota o mundo, o pecado, a morte e o inferno!

Charles H. Spurgeon

Tradução e revisão: Mariza Regina de Souza



quarta-feira, 22 de agosto de 2018

23 de agosto - Devocional matutina

“e nunca mais se ouvirá nela nem voz de choro nem de clamor.”

Isaías 65.19


Não há mais choro para os glorificados, pois já passaram todas as causas externas de tristeza. No céu não há inimizades, nem perspectivas sombrias. Ali, a pobreza, a fome, os perigos, as perseguições e as calúnias são desconhecidos. Nenhuma dor causa angústia, nem pensamento de morte ou luto entristece. Não há mais choro, pois eles são perfeitamente santificados. Nenhum “coração vil e incrédulo” os afasta do Deus vivo; eles estão imaculados diante do Seu trono e totalmente conformados à Sua imagem. Não há lamento para quem deixou de pecar. Não há mais choro, pois o medo de mudança passou. Eles sabem que estão eternamente seguros. O pecado foi expulso e eles estão protegidos. Eles habitam numa cidade que nunca será invadida; se aquecem ao sol que nunca se põe; bebem de um rio que nunca se esgota; pegam o fruto de uma árvore que nunca resseca. Incontáveis ciclos podem passar, mas a eternidade nunca será exaurida, e enquanto ela perdurar, a imortalidade e bem-aventurança dos glorificados coexistirá com ela. Eles estão pra sempre com o Senhor. Não há mais choro, pois cada desejo é satisfeito. Eles não podem desejar nada que não possuam. Olhos e ouvidos, mãos e coração, juízo, imaginação, esperança, desejo, vontade, todas faculdades estão completamente satisfeitas. Apesar da imperfeição de nossas ideias sobre as coisas que Deus preparou para aqueles que O amam, sabemos o suficiente, pela revelação do Espírito, sobre as bênçãos de que desfrutam os santos lá de cima. A alegria de Cristo, a plenitude infinita de deleite, está neles. Eles se banham nas profundezas do mar da felicidade eterna. E esse mesmo descanso magnífico permanece para nós. Talvez não esteja distante. Em breve o salgueiro-chorão será trocado pelo ramo de palmeira da vitória, e as gotas de orvalho de tristeza serão transformadas em pérolas de eterna felicidade. 
“Consolai-vos, pois, uns aos outros com estas palavras” (1Ts 4.18)


Charles Haddon Spurgeon

Tradução e revisão: Mariza Regina de Souza

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

17 de agosto - Devocional Vespertina

“Esta enfermidade não é para morte” - João 11.4


Pelas palavras de nosso Senhor, aprendemos que há um limite para a doença. Existe um “até” dentro do qual o fim último é contido, e além do qual não pode ir. Lázaro poderia passar pela morte, mas a morte não deveria ser o último estágio da sua doença. Em toda enfermidade, o Senhor diz às ondas de dor: “Até aqui irás, mas não além”. A intenção do Seu propósito não é a destruição, mas a instrução do Seu povo. A Sabedoria prende o termômetro na boca do forno e regula o calor.

  1. O limite é consoladoramente abrangente. O Deus da providência põe limite ao tempo, à maneira, intensidade e repetição, e influencia todas as nossas enfermidades; cada batimento cardíaco é decretado, cada hora insone predestinada, cada recaída ordenada, cada depressão do espírito prevista e cada resultado santificador eternamente proposto. Nada, seja grande ou pequeno, escapa à mão soberana dAquele que conta os fios de cabelo da nossa cabeça. 
  2. Esse limite é sabiamente ajustado à nossa força, ao fim proposto e à graça concedida. A aflição não vem por acaso ━ o peso de cada golpe da vara é medido com precisão. Aquele que não errou ao equilibrar as nuvens e estender os céus, não comete erros ao pesar os ingredientes que compõem o remédio das almas. Não sofremos além da conta, nem recebemos alívio tarde demais. 
  3. O limite é gentilmente estipulado. O bisturi do Cirurgião celestial nunca penetra além do que é absolutamente necessário. “Porque não aflige, nem entristece de bom grado os filhos dos homens” (Lamentações 3.33). O coração da mãe grita: “Poupe meus filhos”; no entanto, nenhuma mãe é mais compassiva do que o nosso bondoso Deus. Quando pensamos no quanto somos teimosos e obstinados, é de admirar que não sejamos tratados com mais rigor. Pensar que Aquele que fixou os limites da nossa habitação é o mesmo que fixa os limites da nossa tribulação nos enche de consolo.

Charles Spurgeon
Tradução e revisão: Mariza Regina de Souza

terça-feira, 14 de agosto de 2018

O Sono Peculiar dos Amados de Deus

Sermão nº 12
Ministrado na manhã de domingo, 4 de março de 1855
Pelo Rev. Charles Haddon Spurgeon
Em Exeter Hall, Strand, Londres, Inglaterra




“pois assim dá ele aos seus amados o sono” ━ Salmo 127.2 (Almeida Corrigida e Revisada, Fiel)

O sono do corpo é dom de Deus. Assim disse Homero, nos tempos antigos, quando o descreveu como se descesse das nuvens e repousasse sobre as tendas dos guerreiros ao redor da antiga Troia (Ilíada, Canto II). E Virgílio, em sua canção, quando falou de Palinuro adormecido na proa do seu navio. O sono é dom de Deus. Nós achamos que, quando deitamos a cabeça no travesseiro e acomodamos nosso corpo numa posição confortável, o sono virá natural e necessariamente. Mas não é assim. O sono é dom de Deus; e ninguém consegue fechar os olhos para dormir se Deus não colocar os dedos em suas pálpebras; se o Todo-Poderoso não enviar Sua influência calma e reconfortante para embalar e aquietar seus pensamentos, fazendo-o entrar naquele estado de felicidade a que chamamos de sono. É verdade que existem drogas e narcóticos que levam as pessoas a um estado quase de morte, ao qual chamam de sono; mas o sono saudável é dom de Deus. É Ele quem o dá; é Ele quem embala o nosso berço todas as noites; é Ele quem fecha as cortinas da escuridão; é Ele quem ordena ao sol que cerre os olhos flamejantes; e depois vem e diz: “Dorme, meu filho, dorme, Eu te dou o sono”. Alguma vez você já foi para a cama e não conseguiu pegar no sono? E, como se disse de Dario, poderia ser dito de você: “não deixou trazer à sua presença instrumentos de música; e fugiu dele o sono” (Daniel 6.18)? Você tenta, tenta, mas não consegue dormir; está além do seu poder ter um bom descanso. Você imagina que, se se concentrar em alguma coisa até que ela ocupe seu pensamento, você irá dormir; no entanto, até mesmo disso você é incapaz. Milhares de coisas se passam pela sua cabeça, como num turbilhão. Coisas passadas ficam dançando como loucas diante dos seus olhos. Você os fecha, mas continua vendo; e há coisas também em seus ouvidos, na sua cabeça e no seu cérebro que não o deixam dormir. Somente Deus pode cerrar os olhos do jovem marinheiro no alto do mastro oscilante e dar descanso ao rei, pois este, mesmo com todos os seus recursos, não pode repousar sem o auxílio de Deus. Só Ele pode mergulhar a nossa mente no esquecimento e nos convidar a dormir, a fim de que nosso corpo se refaça e nos levantemos revigorados e fortalecidos para o trabalho do dia seguinte. Ah, meus queridos, como devemos ser gratos a Deus pelo sono! O sono é o melhor médico que conheço. O sono cura mais dores de ossos cansados do que os médicos mais famosos do mundo. O sono é o melhor remédio; é a melhor escolha na lista de medicamentos da farmácia. Não há nada como o sono! É é maravilhoso o sono pertencer a todo mundo! Deus não faz do sono uma bênção só para o rico; ele não o dá somente aos nobres ou aos poderosos, a fim de que possam mantê-lo como um luxo exclusivo para si; Deus concede o sono a todos. Mas, se há uma diferença, esta é que o sono do trabalhador é doce, quer ele coma pouco ou muito. Aquele cujo trabalho é árduo tem um sono mais profundo. Enquanto as pessoas mais abastadas e delicadas não conseguem dormir, revirando-se na cama macia, aquele que trabalha duro, com seus membros fortes e vigorosos, cansado e exaurido, se atira no catre duro e dorme, e acorda, graças a Deus que o revigora. Vós sabeis, meus amigos, o quanto deveis a Deus por Ele vos dar o descanso noturno. Se tivésseis noites insones, daríeis valor a essa bênção. Se, por semanas a fio, não pudésseis dormir, revirando-vos de um lado para outro na cama, daríeis graças a Deus por Seu favor. No entanto, como o sono é um dom de Deus, um dom precioso que ninguém valoriza até ser tirado, nós não o apreciamos como devemos.

O salmista diz que algumas pessoas se recusam a dormir. Às vezes, por dinheiro ou ambição, elas se levantam cedo e dormem tarde. Alguns de nós talvez tenhamos o mesmo problema. Quando queremos ler um bom livro para aumentar nosso conhecimento, nós levantamos bem cedinho e ficamos acordados até tarde, muitas vezes até o sol raiar, até que nossos olhos fiquem ardendo, nosso cérebro fique entorpecido e nosso coração fique palpitante. Ficamos cansados e esgotados; levantamos cedo e dormimos tarde e, por isso, acabamos comendo o pão que penosamente granjeamos. Muitos aqui são homens de negócio que trabalham dessa forma. Não os condenamos por isso; não os proibimos de levantar cedo e dormir tarde, mas gostaríamos que se lembrassem deste texto: “Inútil vos será levantar de madrugada, repousar tarde, comer o pão que penosamente granjeastes; aos seus amados ele o dá enquanto dormem” (Salmo 127.2). É sobre esse sono, que Deus dá a Seus amados, que queremos falar nesta manhã ━ o sono peculiar dos filhos de Deus ━ um sono que Ele dá a “Seus amados”. Que Deus nos ajude.

O sono, na Palavra de Deus, algumas vezes é usado em sentido pejorativo para designar a condição de homens lascivos e mundanos. Alguns têm o sono da preguiça e da lassidão: os filhos insensatos dos quais Salomão nos fala, que dormem na sega e causam vergonha (Provérbios 10.5); pois, quando a sega é consumida e acaba o verão, eles não são salvos. O sono quase sempre é exemplo da indolência, preguiça, indiferença, que caracteriza os ímpios, de acordo com as palavras: “já é hora de vos despertardes do sono” ━ “Nós, porém, que somos do dia, sejamos sóbrios”. Muita gente dorme o sono do indolente, o qual repousa no leito da preguiça; no entanto, elas terão um despertar horrível ao descobrir que o tempo se foi; que as areias douradas da vida escorreram despercebidas na ampulheta; e que elas entraram naquele mundo onde não existe perdão, nem esperança, nem refúgio, nem salvação.

Em outros lugares, vemos o sono usado como figura de segurança pessoal. Vejam o caso de Saul, mergulhado no sono devido à segurança ao seu redor ━ não como Davi, que disse: “Em paz me deito e logo pego no sono, porque, SENHOR, só tu me fazes repousar seguro” (Salmo 4.8). Abner está ao lado de Saul, e suas tropas à sua volta, mas Abner pega no sono. Dorme, Saul, dorme. Só que tem um Abisai ao lado do teu travesseiro, com a lança em punho, dizendo: “deixa-me, pois, agora, encravá-lo com a lança, ao chão, de um só golpe; não será preciso segundo” (1 Samuel 26.8). E Saul continua dormindo; sem saber de nada. O mesmo acontece com muitos que estão aqui hoje, dormindo com a alma em risco; Satanás está pronto; a lei está a postos; a vingança está ansiosa, e todos dizem: “Vamos encravá-lo? Vamos encravá-lo de uma vez e ele nunca mais acordará”. Mas Cristo diz: “Calma aí, vingança, calma aí”. Vejam, a lança agora treme ━ “Calma aí, espere mais um ano, ele pode acordar de seu longo sono de pecado”. Eu te digo, pecador que, como Sísera, estás dormindo na tenda do destruidor; talvez estejas comendo manteiga e mel em prato de ouro, mas estás dormindo na porta do inferno; agora mesmo o inimigo está com o martelo e a estaca prontos para cravar na tua têmpora e te pregar na terra, onde irás jazer para sempre na morte do tormento eterno ━ se é que se pode chamar de morte.

Na Escritura também é mencionado o sono da luxúria, como o de Sansão quando perdeu suas tranças. Esse é o tipo de sono que muitos têm quando são indulgentes com o pecado e, ao acordar, descobrem que estão nus, perdidos e arruinados. E há também o sono da negligência, como o daquelas virgens, das quais está escrito: “foram todas tomadas de sono e adormeceram” (Mateus 25.5); e o sono da tristeza, que tomou conta de Pedro, Tiago e João. Mas nenhum deles é dom de Deus. Todos estão ligados à fragilidade da nossa natureza; eles nos sobrevêm porque somos falíveis; eles se apoderam lentamente de nós porque somos filhos de um ancestral arruinado e perdido. Esses tipos de sono não são bênçãos de Deus; e nem Ele concede aos Seus amados. Agora, então, vamos dizer quais são os tipos de sono que Ele concede.

1. Em primeiro lugar, havia um sono extraordinário que Deus muitas vezes dava a Seus amados, mas que agora não dá mais. Foi nesse tipo de sono miraculoso, ou melhor, nesse transe, que caiu Adão, quando adormeceu triste e sozinho e, ao acordar, já não estava só, pois Deus lhe dera o melhor presente que poderia dar ao homem. Também foi esse o sono de Abraão quando é dito que sobre ele caiu profundo sono, e ele se prostrou e viu diante de si um fogareiro fumegante e uma tocha de fogo, enquanto uma voz lhe dizia: “Não temas, Abrão, eu sou o teu escudo, e teu galardão será sobremodo grande” (Gênesis 15.1). Jacó também teve um sono semelhante ao tomar uma pedra como travesseiro e as sebes como cortinas, deitar-se e dormir. Em sonho, ele viu uma escada posta na terra cujo topo chegava ao céu, e os anjos de Deus subiam e desciam por ela (Gênesis 28.12). O mesmo aconteceu com José, quando sonhou que os feixes dos outros faziam reverência para o seu (Gênesis 37.7), e que o sol, a lua e onze estrelas se inclinavam perante ele. Davi, de tempos em tempos, também tinha um bom repouso, quando o sono era doce para ele, conforme lemos no Salmo 4: “Em paz me deito e logo pego no sono, porque, SENHOR, só tu me fazes repousar seguro”. Daniel também teve um sono extraordinário quando disse: “caí sem sentidos, rosto em terra, e vi o Senhor que me disse: Levanta-te sobre os teus pés” (Daniel 10.9-11). O mesmo aconteceu com aquele que era considerado pai de nosso bendito Senhor, quando à noite, em uma visão, um anjo lhe disse: “José, dispõe-te, toma o menino e sua mãe, foge para o Egito e permanece lá até que eu te avise; porque Herodes há de procurar o menino para o matar” (Mateus 2.13). Todos esses sonos são milagrosos. O anjo de Deus toca em Seus servos com a varinha mágica do sono e eles dormem, não como nós dormimos, mas com um sono incrível; eles caem nas profundezas do sono e mergulham num mar de descanso, onde veem o invisível, falam com o desconhecido e ouvem sons místicos e maravilhosos; e, quando acordam, dizem: “Que sono! O meu sono foi doce para mim” (Jeremias 31.26). “Assim dá ele aos seus amados o sono”.

No entanto, atualmente não existe mais esse tipo de sono. Muitas pessoas sonham com coisas maravilhosas, mas a maioria só sonha com coisas sem sentido. Alguns depositam sua fé em sonhos: e, com certeza Deus ainda nos adverte por meio de sonhos e visões. Tenho certeza de que Ele o faz. Não há ninguém que não possa mencionar um ou mais exemplos de advertência, ou favor, que tenha recebido em um sonho. Contudo, não podemos confiar em sonhos. Lembro-me de que Rowland Hill (pregador inglês influenciado por George Whitefield) disse a uma senhora que ele sabia ser filha de Deus, a qual tivera um certo sonho: “Não se importe, madame, com aquilo que fez quando dormia, vejamos o que fará quando estiver acordada”. Esta é a minha opinião sobre sonhos. Nunca vou acreditar que alguém seja cristão simplesmente porque sonhou consigo mesmo; pois uma religião de sonhos fará com que a pessoa seja sonhadora pelo resto da vida ━ e, no final, tais sonhadores terão um terrível despertar, se isso for tudo em que confiam.

Resultado de imagem para o último sono de argyll antes da execução
O último sono de Argyll antes de sua execução
1685, por Edward Matthew Ward
2. Em segundo lugar, Deus dá a Seus amados o sono de uma consciência tranquila. Creio que a maioria de nós já viu aquele esplêndido quadro em exibição na Academia Real de Londres ━ O Último Sono de Argyll Antes da Execução (1685, Edward Matthew Ward), no qual ele está dormindo tranquilamente momentos antes da sua execução. Na tela, vemos um nobre parado, olhando-o quase com remorso; e também o carcereiro, com suas chaves penduradas; no entanto, o homem está realmente dormindo, mesmo sabendo que na manhã seguinte sua cabeça estará totalmente separada do corpo, e alguém a pegará e dirá: “Eis a cabeça do traidor”. O homem estava dormindo porque tinha a consciência tranquila, por nada ter feito de errado. Agora, vejamos Pedro. Já repararam como é notável aquela passagem onde está escrito que Herodes pretendia apresentá-lo ao povo no dia seguinte, mas enquanto Pedro dormia entre dois soldados, um anjo o tocou? Dormindo entre dois soldados, quando na manhã seguinte ele deveria ser crucificado ou morto! Ele não se importava, pois seu coração estava limpo; ele nada tinha feito de errado. Ele podia dizer: “Julgai se é justo diante de Deus servir a vós outros do que a Deus” (Atos 4.19), e, por isso, ele se deitou e dormiu. Ah, senhores! Vocês sabem o que é o sono de uma consciência tranquila? Já tiveram de enfrentar calúnias, lançadas por todo tipo de gente? Já viraram objeto de escárnio, de riso, de canção de bêbados? Se já, conseguiram dormir depois disso, como se nada tivesse acontecido, porque seu coração estava limpo? Ah! Vós que estais em débito ━ vós que sois desonestos ━ vós que não amais a Deus, nem a Cristo ━ fico me perguntando se conseguem dormir, pois o pecado coloca espinhos afiados no travesseiro. O pecado coloca um punhal na cama da pessoa, de forma que, para onde quer que ela se vire, leva uma cutucada. Uma consciência tranquila, no entanto, é a música mais doce para embalar a alma. O demônio do desassossego não chega na cama de quem tem uma consciência tranquila ━ uma consciência que está em paz com Deus ━ e que pode cantar:

Com o mundo, comigo e contigo
Eu, ao dormir, em paz não litigo

“Assim dá ele aos seus amados o sono”.

Contudo, preciso dizer a vocês que não conhecem a sua eleição em Cristo Jesus, que não confiam no preço do sangue do Salvador ━ não foram chamados pelo Espírito Santo ━ não foram regenerados e não nasceram de novo ━ deixe-me lhes dizer que vocês não conhecem tal descanso. Talvez sua consciência esteja em paz; talvez vocês digam que não fizeram mal a ninguém e acreditam que quando estiverem diante do tribunal de Deus terão poucas contas a prestar. No entanto, cavalheiros, vocês sabem que a alma que peca, mesmo que seja uma única vez, deve morrer. Se uma pintura tem uma única falha, ela não é perfeita. Se pecaram uma única vez, serão condenados por isso, a menos que tenham alguma coisa para tirar esse pecado. Vós não conheceis o sono de uma consciência tranquila, mas o cristão conhece, pois todos os seus pecados foram computados na cabeça do antigo “bode emissário”. Cristo morreu por todos os pecados dos crentes, por maiores ou piores que tenham sido; e agora não há nada escrito contra eles no Livro de Deus. “Eu, eu mesmo”, diz Deus, “sou o que apago as tuas transgressões por amor de mim e dos teus pecados não me lembro” (Isaías 43.25). Agora, podeis dormir, pois “Assim dá ele aos seus amados o sono”.

Além disso, há o sono do contentamento que o crente desfruta. Pouquíssimas pessoas neste mundo estão satisfeitas. Ninguém deve recear oferecer uma recompensa a uma pessoa contente, pois se alguém viesse reclamar, é óbvio que estaria demonstrando seu descontentamento. Desconfio que, em certa medida, todos nós estejamos insatisfeitos com a nossa sorte; a grande maioria das pessoas está sempre voando de um lado para outro; nunca se estabelece; nunca pousa em alguma árvore para construir seu ninho; está sempre voando de uma para outra. Esta não está muito verde; esta outra não é muito alta; aquela ali não é muito frondosa; e aquela acolá não é muito viçosa; e assim, está sempre voando pra lá e pra cá, sem nunca construir um ninho calmo e tranquilo. O cristão, no entanto, constrói seu ninho e, como disse o nobre Lutero: “Como aquele passarinho na árvore, ele se alimenta esta noite ━ sem saber onde estará seu café da manhã no dia seguinte. Ele fica ali quietinho enquanto a árvore é balançada pelo vento; ele fecha os olhinhos, põe a cabecinha debaixo da asa e dorme; e, quando acorda pela manhã, canta:

Os mortais cessam seu labor e tristeza
Para amanhã, Deus proverá, com certeza”

Pouquíssimos são aqueles que possuem a bênção do contentamento ━ que podem dizer: “Nada mais quero; tenho tudo de que preciso ━ nada mais desejo ━ estou satisfeito ━ estou contente”. Acabamos de cantar um belo hino, mas tenho a impressão de que muitos não tinham o direito de cantá-lo, pois não se sentem assim.

Em Tua vontade entrego a minha sorte
Concede-me só mais um favor
Que tanto na vida quanto na morte
Eu prove sinais do Teu amor

Será que você poderia dizer que não quer mais nada neste mundo, a não ser Jesus? Poderia dizer que está totalmente satisfeito ━ que tem o sono do contentamento? Ah! Não mesmo! Os aprendizes suspiram até se tornarem oficiais; os oficiais se esforçam para se tornarem chefes; os chefes anseiam pela aposentadoria, mas, quando se aposentam, almejam ver seus filhos estabelecidos. O homem está sempre olhando além; é um marinheiro que nunca alcança o porto; uma flecha que nunca atinge o alvo. O cristão, no entanto, tem este texto e medita nele: “assim dá ele aos seus amados o sono”. Certa vez, quando me encontrava meio adormecido, pareceu-me estar num castelo. Ao redor de suas muralhas havia um fosso profundo. Guardas marchavam sobre elas dia e noite. Era uma bela fortaleza antiga que desafiava o inimigo; mas eu não estava feliz ali. Pensei em me deitar, mas, mal fechei os olhos, soou uma trombeta: “Às armas! Às armas!”. Quando o perigo passou, deitei-me novamente. “Às armas! Às armas!”, ressoou mais uma vez, e mais uma vez coloquei-me de pé. Não conseguia descansar. Estava com minha armadura, andando de um lado para o outro, sempre protegido pela cota de malha, voando para o topo do castelo a cada novo alarme. Às vezes o inimigo vinha do leste, outras do oeste. Acho que tinha algum tesouro escondido no castelo e era meu dever guardá-lo. Estava apavorado, temendo que alguém pudesse tomá-lo de mim. Então acordei e pensei que jamais viveria num lugar como aquele, por mais imponente que ele fosse. Aquele era o castelo do descontentamento, o castelo da ambição, onde nunca ninguém descansa. É sempre: “Às armas! Às armas!” O inimigo está por todo lado. O precioso tesouro precisa ser guardado. O sono nunca atravessa a ponte levadiça do castelo do descontentamento. Então, achei que poderia apagar essa imagem substituindo-a por um sonho muito melhor. Eu estava em um chalé. Era um daqueles lugares a que os poetas chamam de belo e agradável, mas isso não importava. Eu não tinha nada, só uma joia cintilante no peito; coloquei minha mão sobre ela e fui dormir, e só acordei na manhã do dia seguinte. Esse tesouro era uma consciência tranquila e o amor de Deus ━ “a paz que excede todo o entendimento”. Eu dormi, porque dormi na casa do contentamento, satisfeito com aquilo que tinha. Vão, sovinas miseráveis! Vão, ávidos ambiciosos! Não invejo sua vida irrequieta. O sono dos políticos, com frequência, é quebrado; o sonho do avarento é sempre ruim; o sono do homem que ama o lucro nunca é saudável; contudo, Deus “dá”, pelo contentamento, “aos seus amados o sono”.

4. E ainda, Deus dá aos Seus amados o sono da quietude da alma em relação ao futuro. Ah, o futuro sombrio! O futuro! O presente pode ser bom; mas, e se a próxima ventania secar todas as flores, onde estarei? Tu, sovina, segura firme o teu ouro, pois “certamente, a riqueza fará para si asas, como a águia que voa pelos céus” (Provérbios 23.5). Mãe, aperta teu filho contra o peito, pois a horrível mão da morte pode roubá-lo de ti. Ó, homem cheio de ambição, olha a tua fama e te admires dela! Pois, apenas um ligeiro boato poderá acabar com a tua reputação e, pelas vozes da multidão, descerás da mesma forma que foste elevado. Ah, o futuro! Todos precisam temer o futuro, exceto o cristão. Deus dá a Seus amados o sono em relação aos acontecimentos do porvir.

Seja como for o futuro,
Bom ou mau, estou seguro;
Meu coração no Senhor descansa,
O Seu desígnio sempre me alcança.

Se vou viver ou morrer, não me importa; se vou ser “escória de todos” ou “o homem a quem o rei deseja honrar”, também não me importa. Tudo é igual, se vem do Pai. “Pois assim dá ele aos seus amados o sono”. Quantos aqui já tiveram a felicidade de dizer que não desejam absolutamente mais nada? É bom ter pelo menos um único desejo; mas é ainda melhor não ter nenhum ━ estar totalmente imerso no presente, regozijando-se em Cristo e na antevisão da Sua face. Ah, minh’alma! Como seria o futuro, se não tivesses a Cristo? Que importa um futuro amargo e sombrio, se Cristo, teu Senhor, o santificar, e o Espírito Santo te der coragem, energia e força? Grande bênção é poder dizer junto com Madame Guyon ━ 

Tudo é igual se ordenado pelo amor
Vida ou morte, prazer ou sofrer
Mal não vê minh’alma na dor
Nem bem real na saúde e prazer

Um único bem ambiciono
Sem egoísmo, Tua vontade escolher
Preferir uma choupana a um trono 
E dor ao conforto, se for Teu querer

É Teu mandar minha cruz suportar ━ 
Morrer para o mundo e viver sem pecado
Sob a mais rude mão com paciência penar
Feliz em naufrágio ou em terra amparado

Quem alcança essa condição é feliz. “Pois assim dá ele aos seus amados o sono”. Ah! Se você tem um desejo egoísta no coração, peça a Deus para removê-lo. Você é egocêntrico? Suplique ao Espírito Santo para mudar sua atitude; pois se sempre fizer as coisas conforme a vontade de Deus, você será feliz. Uma vez ouvi falar de uma senhora que vivia numa casinha muito humilde e que não tinha nada, a não ser um pedaço de pão e umas migalhas, mas que levantava as mãos para o alto, como que proferindo uma bênção, e dizia: “O quê? Tudo isso, além de Cristo?”. Sim, é “tudo isso”, se comparado ao que merecemos. Li também sobre um homem que estava às portas da morte, a quem perguntaram se preferia viver ou morrer, e ele respondeu: Não penso nisso. ━ Mas, e se pudesse desejar uma coisa ou outra, o que escolheria? ━ Não escolheria. ━ Mas, e se Deus lhe pedisse para escolher? ━ Eu pediria que Ele escolhesse por mim, pois não saberia o que fazer”. Isso é felicidade! Isso é felicidade! Ser totalmente aquiescente ━ 

Entregar-se passivamente em Suas mãos
E nada saber além da Sua vontade.

“Pois assim dá ele aos seus amados o sono”

5. Em quinto lugar: há também o sono da segurança. Salomão dormia com homens armados ao redor da sua cama, por isso, dormia em segurança; mas o pai de Salomão certa noite dormiu no chão duro ━ não num palácio ━ sem fosso ao redor do castelo ━ no, entanto, dormiu com tanta segurança quanto seu filho, pois disse: “Deito-me e pego no sono; acordo, porque o SENHOR me sustenta” (Salmo 3.5). Ora, algumas pessoas nunca se sentem seguras, e eu me pergunto se metade de meus ouvintes também não se sentem assim. Suponha que, de repente, eu comece a cantar:

Até o fim vou suportar
Com a segurança que me é dada
Mais feliz, não mais segura deve estar
Toda alma no céu glorificada

Você poderia me dizer que esta é uma doutrina muito elevada; e eu responderia que, para você, talvez seja, mas é uma verdade de Deus, e é preciosa para mim. Eu amo saber que, se sou predestinado segundo a presciência de Deus, devo ser salvo; se fui comprado pelo sangue do Filho, não posso ser perdido, pois seria impossível que Jesus perdesse qualquer um dos Seus redimidos, caso contrário Ele não Se satisfaria com a Sua obra. Sei que onde Ele começou boa obra, Ele há de terminá-la. Nunca tive receio de me desviar ou de ser perdido; meu único temor seria se não tivesse sido justificado; mas já que fui, já que sou realmente filho de Deus, posso até acreditar que o sol poderia enlouquecer e cambalear pelo universo como um bêbado ━ que as estrelas sairiam de seus cursos e, em vez de marchar a passos comedidos, como o fazem agora, iriam rodopiar pelo céu numa orgia desenfreada ━ poderia até mesmo imaginar que todo este vasto universo poderia submergir em Deus, como “a espuma de um momento desaparece sob a onda que a sustenta” (citação da obra A Life Drama and other poems, de Alexander Smith, cena II, p. 35, 1859, Boston: Ticknor and Fields). No entanto, nem razão, nem heresia, nem lógica, nem eloquência, nem um conclave de religiosos, me fará levar sequer em consideração a terrível sugestão de que um filho de Deus pode perecer. Portanto, posso trilhar meu caminho na terra com confiança. Ainda há pouco, discutindo com um arminiano, ele disse: ━ “Senhor, você deve ser um homem muito feliz, pois, se o que você diz é verdade, você está tão seguro de ir para céu que é como se já estivesse lá”. ━ “Sim, sei disso”, repliquei. ━ “Então, você deve viver acima das preocupações e tribulações, e deve cantar o dia inteiro”. E eu lhe disse: “Assim devo ser e assim serei, com a ajuda de Deus”. Isso é segurança. “Dá ele aos seus amados o sono”. Saber que, quando morrer, vou para o céu ━ ter tanta certeza, quanto tenho da minha própria existência, de que Deus, tendo me amado com amor eterno, e sendo Ele imutável, jamais me odiaria se um dia me amou ━ saber que vou entrar no reino da Sua glória ━ não será isso suficiente para aliviar todos os fardos e dar a meus pés a ligeireza da corça para que eu me firme nas alturas (Salmo 18.33)? Que segurança! “Pois assim dá ele aos seus amados o sono”. 

E há um sono, meus amigos, de segurança, que é desfrutado aqui na terra mesmo em meio a grandes tribulações. Lembram-se daquela passagem do livro de Ezequiel em que está escrito: “seguras habitarão no deserto e dormirão nos bosques” (Ezequiel 34.25)”? Que lugar estranho para se dormir! “Nos bosques”. Ali tem lobo; tem tigre no meio do mato; tem águia rondando no céu; e um bando de ladrões vivendo na floresta. Mas o filho de Deus diz: “Não importa”.

Quem em Deus encontra guarida
Tem morada segura e querida
Sob Sua sombra de dia andará
E à noite em paz dormirá

Sempre admirei a postura de Martinho Lutero. Quando falavam mal dele, sabem o que ele dizia? ━ “Lembro-me de um Salmo que diz: ‘Deus é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem-presente nas tribulações. Portanto, não temeremos ainda que a terra se transtorne e os montes se abalem no seio dos mares’ (Salmo 46.1-3)”. De modo bem menos incisivo, também tenho sido chamado a enfrentar problemas como os de Lutero e tenho sido alvo de difamação e objeto de zombaria e escárnio; no entanto, isso não tem abatido meu espírito; e nem abaterá, enquanto eu for capaz de desfrutar dessa calma interior: “assim dá ele aos seus amados o sono”. Contudo, tomo a liberdade de dizer àqueles que preferem zombar e falar mal de mim, que fiquem à vontade e o façam até se cansar. Meu moto é cedo nulli ━ não me rendo a ninguém. Nunca procurei a simpatia de quem quer que seja; nem pedi apoio para o meu ministério; prego o que quero, quando quero e como quero. Ah! Que felicidade! Ser ousado, apesar de abatido e magoado ━ dobrar os joelhos e contar tudo ao Pai, e depois ir para os meus aposentos e dizer:

Se por Teu doce Nome
Vergonha e rejeição eu passar
Uma e outra são bem-vindas 
Pois de mim sei que vais Te lembrar

6. O último sono dado por Deus a Seus amados é o sono da alegre despedida. Já estive diante do túmulo de muitos servos do Senhor. Já enterrei algumas das melhores pessoas do mundo; e quando dou adeus a meus irmãos que estão sendo baixados à sepultura, costumo iniciar com estas palavras: “assim dá ele aos seus amados o sono”. Amados servos de Jesus! Eu os verei lá! O que mais posso dizer sobre eles, senão que “assim dá ele aos seus amados o sono”? Ah! Que sono feliz! Neste mundo há muita agitação, mas na sepultura eles descansam. Ali não há tristeza, suspiro ou gemido para se misturar com as canções que brotam das línguas imortais. Por isso, posso me dirigir ao morto e dizer: ━ “Irmão, muitas vezes travaste as batalhas deste mundo; tiveste as tuas preocupações; mas agora já partiste ━ não para mundos desconhecidos, mas para a pátria de luz e glória além. Descansa em paz, meu irmão! Tua alma não dorme, porque tu estás no céu; mas teu corpo repousa. A morte te colocou no teu último leito; talvez seja frio, mas é santificado; talvez seja úmido, mas é seguro; e na manhã da ressurreição, quando o arcanjo tocar a trombeta, tu ressuscitarás. “Bem-aventurados os mortos que, desde agora, morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que descansem das suas fadigas, pois as suas obras os acompanham” (Ap 14.13). Descansa no teu túmulo, meu irmão, pois ressuscitarás para a glória. “Assim dá ele aos seus amados o sono”.

Alguns aqui têm medo de morrer, e com boa razão, pois a morte para vocês seria o princípio das dores; e quando ela se aproximar, vós podereis ouvir o anjo do Apocalipse: “O primeiro ai passou. Eis que, depois destas coisas, vêm ainda dois ais” (Ap 9.12). Sim, cavalheiros, se morrerdes despreparados, sem conversão e sem salvação, a única coisa que vos resta é “certa expectação horrível de juízo e fogo vingador” (Hb 10.27). Não preciso falar como um Boanerges (Mc 3.17), pois esta é para vocês uma verdade bem conhecida, a de que, sem Deus, sem Cristo, “separados da comunidade de Israel” (Ef 2.12), sua porção deve ser entre os condenados ao inferno ━ os demônios ━ os torturados ━ os espíritos horripilantes ━ as almas errantes que não encontram descanso ━ 
Nas ondas do mar de enxofre lançado,
Pra sempre, sim, pra sempre, perdido!

“A ira vindoura!” “A ira vindoura!” “A ira vindoura!”

Contudo, amado irmão em Cristo, por que temes morrer? Vem, deixa-me pegar tua mão:

Para mim e para ti, a graça nos deu
Conhecer o precioso nome do Salvador
Em breve nos encontraremos no céu
Nosso fim e esperança, o eterno dulçor.

Sabe que o céu está logo ali, além do rio? Está com medo de mergulhar e atravessar? Tem medo de se afogar? Posso sentir o fundo ━ é bom. Pensas que vais afundar? Ouve a voz do Espírito: “não temas, porque eu sou contigo; não te assombres, porque eu sou o teu Deus: Quando passares pelas águas, eu serei contigo; quando, pelos rios, eles não te submergirão” (Is 41.10; 43.2). A morte é o portão das alegrias sem fim, e tens medo de entrar por ele? O quê? Temes ficar livre da corrupção? Ah, não digas isso! Deita-te alegremente e dorme em Jesus, e sê abençoado.

Concluí minha exposição. Só quero lhes fazer mais uma pergunta antes de saírem por aquelas portas. Vocês têm certeza de que fazem parte dos “amados” aqui mencionados? Talvez eu esteja sendo um tanto impertinente; já fui acusado disso antes, mas nunca o neguei. Prefiro ser impertinente a não ser nada. No entanto, vou perguntar novamente, com toda seriedade: ━ Vocês acham que estão entre os amados de Deus? Se quiserem de fato saber, permitam-me sugerir-lhes rapidamente três testes, e então encerro. Dizem que há três tipos de pregadores: os que falam sobre doutrina, os que falam sobre experiências e os que falam sobre prática. Da mesma forma, creio que há três coisas que fazem um cristão: doutrina genuína, experiência legítima e prática correta.

Primeiramente, quanto à sua doutrina. Em parte, você pode dizer que é um amado do Senhor por causa disso. Alguns acham que não importa em que se crê. Perdoem-me, mas a verdade é sempre preciosa e até o menor átomo de verdade deve ser buscado. Hoje em dia (século. XIX, época de Spurgeon), as seitas não são tão dissonantes quanto já foram. Talvez isso seja bom, mas, de certa forma, também é ruim. As pessoas não leem a Bíblia como antes. Elas acham que todos estão certos. Bem, creio que todos podem estar certos na essência, mas não nos pontos em que se contradizem, o que deveria fazer com que todos buscassem na Bíblia o que é certo. Não tenho medo de submeter meu calvinismo ou a doutrina do batismo dos crentes ao exame da Bíblia. Certa vez, um senhor muito culto, mas não crente, disse à George Whitefield: “Senhor, não sou crente, não acredito na Bíblia, mas se a Bíblia é verdadeira, o senhor está certo, e seus adversários arminianos, errados. Se a Bíblia é a Palavra de Deus, as doutrinas da graça são verdadeiras”; acrescentado que, se alguém lhe provasse que a Bíblia é a verdade, ele o desafiaria a refutar o calvinismo. As doutrinas do pecado original, eleição, vocação eficaz, perseverança dos santos e todas as grandes verdades que são chamadas de calvinismo ━ embora o próprio Calvino não tenha sido seu autor e sim um hábil escritor e pregador desses assuntos ━ são, creio eu, as doutrinas essenciais do evangelho que está em Jesus Cristo. Ora, não estou perguntando se vocês creem nisso ou não, talvez não creiam, mas acredito que irão crer antes de entrar no céu. Estou certo de que, assim como Deus limpou seu coração, Ele também limpará seu cérebro antes que entrem no céu. Ele os fará aceitar Suas doutrinas. No entanto, preciso perguntar se vocês leem a Bíblia. Não estou criticando-os por discordarem de mim; posso estar errado; o que quero saber é se vocês já encontraram nas Escrituras qual é a verdade. E, se vocês não leem a Bíblia, se sua doutrina é de segunda mão, se vão à igreja e dizem: “Não gosto disso”; não importa se gostam ou não, mas está na Bíblia? É verdade bíblica ou não? Se é a verdade de Deus, é digna de louvor. Talvez não seja do seu gosto, mas deixe-me lembrá-lo de que Jesus nunca foi agradável ao paladar de homens carnais, e creio que nunca será. A razão pela qual não gostam das doutrinas da graça é porque elas acabam com seu orgulho; elas o humilham demais. Busquem a si mesmos, então, na doutrina.

A seguir, cuidem para se lembrar do teste da experiência. Receio que haja muito pouca religião vivida entre nós; mas onde há doutrina genuína, deve sempre haver experiência legítima. Cavalheiros, provem a si mesmos com o teste da experiência. Já experimentaram sua própria corrupção, sua depravação, sua incapacidade, sua morte em pecado? Já sentiram vida em Cristo, a experiência da luz do semblante de Deus, da luta contra a corrupção? Já tiveram a graça concedida pelo Espírito Santo ━ a experiência implantada da comunhão com Cristo? Se já, então vocês passaram no teste.

E, para concluir, cuidem do teste da prática. “A fé, se não tiver obras, por si só está morta” (Tg 2.17). Aquele que anda em pecado é filho do diabo; e aquele que anda em retidão é filho da luz. Não pense que, por crer nas doutrinas certas, você é justo. Há muitos que creem da forma certa, vivem errado e morrem. “Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará” (Gálatas 6.7).

Terminei. Agora, permitam-me suplicar-lhes, pela fraqueza das suas próprias vidas ━ pela brevidade do tempo ━ pelas temíveis realidades da eternidade ━ pelos pecados que têm cometido ━ pelo perdão que necessitam ━ pelo sangue e pelas chagas de Jesus ━ pela Sua segunda vinda para julgar o mundo em justiça ━ pelas glórias do céu ━ pelos horrores do inferno ━ pelo tempo ━ pela eternidade ━ por tudo o que é bom ━ por tudo o que é sagrado ━ permitam-me rogar-lhes: assim como amam a sua própria alma, busquem e descubram se estão entre os amados de Deus, a quem Ele concede o sono. Que o Senhor os abençoe.

Tradução e revisão: Mariza Regina de Souza

segunda-feira, 5 de março de 2018

O Ensino do Espírito Santo

Sermão nº 315
Ministrado na manhã de domingo, 13 de maio de 1860
Pelo Rev. CHARLES H. SPURGEON
Em Exeter Hall, Strand.

“Mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito.” — João 14.26
MUITOS DONS EXCELENTES fazem parte da Aliança da Graça, mas os mais ricos e mais importantes são estes: o dom de Jesus por nós e o dom do Espírito para nós. O primeiro, não creio que seja subestimado. Sentimos prazer ao ouvir sobre o “dom inefável” — do Filho de Deus que carregou sobre o madeiro os nossos pecados, tomou as nossas dores e sofreu em Seu próprio corpo o castigo que era nosso (1 Pedro 2.24). Existe algo tão tangível na cruz, nos cravos, no vinagre, na lança, que não conseguimos nos esquecer do Mestre, principalmente quando nos reunimos ao redor da Sua mesa e partimos o pão em Sua memória. No entanto, o segundo dom, que de forma alguma é inferior ao primeiro — o dom do Espírito Santo — é tão espiritual, e nós tão carnais; é tão misterioso, e nós tão materiais, que somos capazes de nos esquecer do seu valor e, infelizmente, até mesmo do próprio dom. Contudo, meus irmãos, devemos nos lembrar de que Cristo na cruz não tem valor algum para nós a menos que o Espírito Santo esteja nós. Em vão flui o sangue se o dedo do Espírito não aplicá-lo em nossa consciência; em vão são confeccionadas as vestes de justiça, vestes sem costura, tecidas de alto a baixo, se o Espírito não nos envolver com elas e nos adornar com suas pregas valiosas. O rio da água da vida não pode saciar a nossa sede até que o Espírito Santo exiba a Sua taça e a leve aos nossos lábios. Todas as coisas que estão no paraíso de Deus, em si mesmas, não podem nos dar felicidade, pois somos almas mortas, e almas mortas seremos até que o vento celestial, vindo dos quatros cantos da terra, sopre sobre nós e nos dê vida. Não hesitamos em dizer que devemos tanto a Deus, o Espírito, quanto a Deus, o Filho. Na verdade, seria um grande pecado e falta de respeito tentar colocar uma pessoa da Divina Trindade na frente da outra. Tu, ó Pai, és a fonte de toda a graça, de todo o amor e de toda a misericórdia para conosco. Tu, ó Filho, és o canal de misericórdia de Teu Pai e, sem Ti, o amor do Pai nunca poderia fluir para nós. E Tu, ó Espírito — Tu és Aquele que nos capacita a receber a graça divina que flui do manancial, o Pai, por meio de Cristo, o canal, e que por meio de Vós entra em nosso espírito, onde habita e produz seu glorioso fruto. Engrandecei, pois, o Espírito, vós que sois co-participantes da graça divina: “louve, exalte e ame o Seu nome para sempre, pois isso é digno.
Minha tarefa nesta manhã é apresentar a obra do Espírito Santo, não como Consolador, nem como Vivificador ou Santificador, mas principalmente como Ensinador, embora tenhamos de tocar em todos esses outros pontos também.
O Espírito Santo é o grande Ensinador dos filhos do Pai. O Pai nos gera pela Sua própria vontade, por meio da palavra da verdade. Jesus Cristo nos toma para Si, para que nos tornemos, em segundo sentido, filhos de Deus. E então, Deus, o Espírito Santo, sopra em nós o “espírito de adoção, baseados no qual clamamos: Aba, Pai” (Romanos 8.15). Tendo nos dado esse espírito de adoção, Ele nos educa, tornando-Se nosso grande Educador, remove a nossa ignorância e nos revela uma verdade depois da outra, até que, finalmente, compreendamos, com todos os santos, qual é a largura, o comprimento, a altura e a profundidade, e conheçamos o amor de Cristo, que excede todo o entendimento (Efésios 3.18-19); e assim, o Espírito apresenta aqueles que foram educados à assembleia universal e igreja dos primogênitos arrolados nos céus (Hebreus 12.22-23).
Sobre este Ensinador, três coisas devem ser ditas: primeira, o que Ele ensina; segunda, os Seus métodos de ensino; e terceira, a natureza e características desse ensino.
I ━ Primeiramente, então, O QUÊ O ESPÍRITO SANTO NOS ENSINA. Eis, de fato,  um vasto campo estendido diante de nós, pois Ele ensina o povo de Deus a fazer tudo o que é aceitável diante do Pai, e a conhecer tudo o que é útil para eles mesmos.
1. O que estou dizendo é que Ele lhes ensina tudo o que fazem. Ora, existem algumas coisas que você e eu podemos fazer naturalmente quando somos crianças, sem receber qualquer ensinamento. Quem já ensinou uma criança a chorar? Isso é natural para ela. O primeiro sinal de vida é um choro fraco e estridente. Mesmo mais tarde, não é preciso enviá-la à escola para que aprenda a soltar um grito de dor, a bem conhecida expressão de suas pequenas tristezas. Ah, meus irmãos, mas vocês e eu, como crianças espirituais, tivemos de ser ensinados a chorar; pois nem mesmo isso podíamos fazer até recebermos o “espírito de adoção, baseados no qual clamamos: Aba, Pai”. Há choros e gemidos que não podem ser expressos em palavras e discursos, por mais simples que a linguagem da nova natureza possa parecer. Mesmo os gemidos mais fracos, os suspiros, choros e lágrimas são sinais de educação. Precisamos ser ensinados, ou não seremos capazes de fazer até essas pequenas coisas sozinhos. As crianças, como sabemos, precisam ser ensinadas a falar, e é aos poucos que elas começam a pronunciar primeiro as palavras mais curtas, depois as mais longas. Nós, também, somos ensinados a falar. Nenhum de nós aprendeu ainda o vocabulário completo de Canaã. Creio que agora podemos dizer algumas palavras; mas não conseguiremos pronunciar todas elas até estarmos na terra onde veremos a Cristo, e “seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é” (1 João 3.2). Os dizeres dos santos, quando são bons e verdadeiros, são ensinamentos do Espírito. Não lestes esta passagem: “ninguém pode dizer: Senhor Jesus!, senão pelo Espírito Santo”? A pessoa pode dizer o que quiser em palavras mortas, mas o dizer do espírito, as palavras da alma, ninguém pode pronunciar, a não ser que lhe seja ensinado pelo Espírito Santo. Nossas primeiras palavras como cristãos — “Ó Deus, sê propício a mim, pecador!”, nos foram ensinadas pelo Espírito Santo; e o cântico que entoaremos diante do trono — “Àquele que nos ama, e, pelo seu sangue, nos libertou dos nossos pecados, e nos constituiu reino, sacerdotes para o seu Deus e Pai, a ele a glória e o domínio pelos séculos dos séculos”, será apenas o fruto maduro da mesma árvore do conhecimento do bem e do mal que o Espírito Santo plantou no solo do nosso coração.
Além disso, assim como o Espírito Santo nos ensina a chorar e nos ensina a falar, Ele também ensina o povo de Deus a andar e a agir. “Não compete ao homem dirigir os seus passos” (Jeremias 10.23, NVI). Podemos ter o maior cuidado com a nossa vida, mas, cedo ou tarde, iremos tropeçar ou nos desviar, a menos que Aquele que nos colocou no caminho nos guie por ele. “Todavia, eu ensinei a andar a Efraim; tomei-os nos meus braços” (Oseias 11.3). “Ele me faz repousar em pastos verdejantes. Leva-me para junto das águas de descanso” (Salmo 23.2). Desviar-se é natural, andar no caminho da retidão é espiritual. Errar é humano; ser santo é divino. Cair é o efeito natural do mal; mas resistir é o efeito glorioso do Espírito Santo operando em nós, tanto em relação à vontade quanto em relação a fazer o que é do Seu próprio agrado. Jamais houve pensamento celestial, ação santa, atitude espiritual agradável a Deus por intermédio de Jesus Cristo que não tenham sido operados em nós pelo Espírito Santo. “Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (Efésios 2.10).
Ora, assim como as pequenas coisas — o choro, a fala, o andar e o agir — são ensinamentos do Espírito Santo, as maiores também são. A pregação do evangelho, quando é feita corretamente, só pode ser realizada pelo poder do Espírito. O sermão feito com base na genialidade humana é inútil; a prédica proveniente do conhecimento do homem, na qual não há nada além da força da lógica ou da oratória, é perda de tempo. Deus não opera por tais meios. Ele não purifica o espírito com água de cisternas rotas, nem salva almas com pensamentos procedentes da mente humana, sem influência divina. Podemos ter todo o conhecimento dos filósofos gregos, ou melhor, todo o conhecimento dos doze apóstolos juntos, ou ter a língua dos serafins e os olhos e coração de um Salvador, no entanto, sem o Espírito do Deus vivo, nossa pregação ainda seria vã, e tanto nossos ouvintes quanto nós mesmos continuaríamos mergulhados em nossos pecados. Pregar corretamente só pode ser realizado pela operação do Espírito Santo. Talvez haja uma coisa chamada pregação proveniente do esforço humano, mas os ministros de Deus são ensinados pelo Santo; e quando a sua palavra é abençoada, seja para o santo ou para o pecador, a bênção não vem deles, mas do Espírito Santo, e a Ele seja toda a glória, pois não sois vós que falais, mas o Espírito do vosso Pai que está em vós.
O mesmo se dá com os cânticos sagrados. De quem são as asas em que subo aos céus em santa alegria e harmonia? São Tuas, ó Pombo Divino! De quem é o fogo que inflama o meu espírito em tempos de santa consagração? Tua é a chama, ó Espírito flamejante! Tua. De quem era a língua de fogo que pousou sobre os apóstolos? Tua, ó Santo de Israel! De quem é o orvalho que cai sobre a erva seca e a enche de graça e vigor? São Tuas as gotas sagradas, Orvalho de Deus; Tu és a aurora de onde procedem todos os santos ornamentos (Salmo 110.3). Tu trabalhas em nós e só Tu mereces toda a nossa gratidão. Portanto, todas as ações dos cristãos, tanto as pequenas como as grandes, são ensinamentos do Espírito Santo.
2. E, além disso, tudo o que o crente realmente sabe, tudo o que é útil para ele, é ensinado pelo Espírito Santo. Podemos aprender muito, moral e mentalmente, com a Palavra de Deus, porém os filósofos cristãos entendem que há uma distinção entre alma e espírito; que a alma natural, ou intelecto humano, pode receber instrução suficiente da Palavra de Deus, mas as coisas espirituais só podem ser discernidas espiritualmente e, até que este terceiro e mais sublime componente ━ o espírito ━ seja infundido em nós na regeneração, não temos sequer a capacidade ou a possibilidade de conhecer as coisas espirituais. Ora, é sobre este terceiro e mais sublime componente que o apóstolo fala quando diz “corpo, alma e espírito”. Os filósofos da mente declaram que isso não existe ━ o espírito. Eles conseguem distinguir o corpo e a alma, mas não o espírito. E eles estão totalmente certos ━ não existe essa coisa de espírito no homem natural. Esse componente ━ o espírito ━ é uma infusão do Espírito Santo na regeneração, e não pode ser detectado pela filosofia  da mente. É algo sutil demais, raro e celestial, para ser descrito por homens como Dugald Stewart (1), Reid (2) ou Brown (3), ou qualquer desses grandes homens que podem dissecar a mente humana, mas não conseguem compreender o espírito. Portanto, primeiro o Espírito de Deus nos dá um espírito, depois Ele educa esse espírito; e tudo o que esse espírito sabe lhe é ensinado pelo Espírito Santo. Talvez a primeira coisa que aprendamos seja sobre o pecado: o espírito reprova o pecado. Ninguém conhece a extensão da corrupção do pecado, a não ser pelo Espírito Santo. Você pode punir uma pessoa, falar-lhe da ira de Deus e do pecado, mas não pode fazê-la saber como o pecado é perverso e amargo até que o Espírito Santo tenha ensinado a ela. Esta é uma lição realmente difícil de ser aprendida e, quando o Espírito nos faz sentar no banquinho do arrependimento e começa a infundir em nós essa grande verdade, que o pecado é uma maldição latente, que é o inferno em embrião, só então começamos a perceber essas coisas e clamamos: “Agora sei que sou um vil pecador; minha alma se aborrece no pó e nas cinzas”. Ninguém, repito, ninguém jamais conhecerá a perversão do pecado pela argumentação, pela punição, pela disciplina moral ou por qualquer outro meio que não seja a educação pelo Espírito Santo. Esta é uma verdade que está fora do alcance do intelecto humano conhecer. Somente o espírito, enxertado e concedido pelo Espírito Santo ━ somente esse espírito pode aprender a lição, e só o Espírito Santo pode ensiná-la.
A próxima lição ensinada pelo Espírito é a nossa completa ruína, depravação e impotência. Os homens acham que esse é um conhecimento natural, mas não é; eles só podem repetir palavras, como papagaios. Mas saber que estou completamente perdido e arruinado, saber que estou tão perdido “que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum” (Romanos 7.18), é um conhecimento tão detestável, tão odioso, tão abominável para a mente carnal, que ninguém, se pudesse, o compreenderia, e se compreende, é prova clara de que Deus, o Espírito Santo, o tornou disposto a ver a verdade, e disposto a aceitá-la. Quando ouvimos grandes pregadores nos dizendo que o homem ainda possui algo maravilhoso, que, quando Adão caiu, talvez tenha quebrado um dedinho, mas não tenha se arruinado completamente, que o homem é um ser magnífico, uma criatura realmente nobre, e que estamos errados ao dizer às pessoas que elas são totalmente corrompidas, vociferando contra elas a lei de Deus ━ será que nos surpreendemos? Não, irmãos, essa é a linguagem da mente carnal no mundo inteiro, em todas as épocas. Não é de admirar que as pessoas sejam eloquentes nessa questão, pois todos precisam ser eloquentes quando precisam defender uma mentira. Não é de admirar que, sobre esse assunto, frases maravilhosas sejam proferidas e sentenças floreadas se derramem da cornucópia da eloquência. Eles precisam esgotar toda a lógica e toda a retórica para defender o engano, e não é de admirar que o façam, pois o homem acha que é rico, cheio de bens, sem necessidade alguma, até que o Espírito Santo lhe ensine que ele é pobre, nu e miserável.
Aprendidas essas lições, o Espírito continua a nos ensinar, agora sobre a natureza e o caráter de Deus. Deus pode ser ouvido em cada lufada de vento e visto em cada nuvem no céu, mas estas coisas não mostram tudo sobre Deus. Sua bondade e onipotência são claramente manifestadas a nós pelas obras da criação, mas onde aprendemos sobre a Sua graça, sobre a Sua misericórdia e sobre a Sua justiça? Estas são linhas que não podemos ler na criação. Na verdade, é preciso ter ouvidos que sejam capazes de ouvir as notas da misericórdia ou o sussurro da graça no vendaval noturno. Não, meus irmãos, estas partes dos atributos de Deus são reveladas a nós somente no Livro precioso, e são reveladas de tal forma que não podemos conhecê-las até que o Espírito abra nossos olhos para compreendê-las. Conhecer a inflexibilidade da justiça Divina e ver como Deus pune todos os mínimos detalhes do pecado, e ainda saber que essa plena justiça não obscurece a Sua igualmente plena misericórdia, mas que as duas circulam uma ao redor da outra, sem, por um momento sequer, se cruzar ou entrar em conflito ou lançar a mais leve sombra sobre a outra; compreender como Deus é, ao mesmo tempo, justo e justificador do pecador, e assim saber que meu espírito ama Sua natureza, aprecia Seus atributos e deseja ser como Ele ━ este é um conhecimento que a astronomia não pode ensinar, que todas as pesquisas científicas nunca poderão nos dar. Precisamos ser ensinados por Deus, para aprendermos sobre Ele ━ precisamos ser ensinados por Deus, por Deus, o Espírito Santo. Ah, que possamos aprender bem esta lição; que sejamos capazes de cantar a Sua fidelidade, a Sua aliança de amor, a Sua imutabilidade, a Sua misericórdia abundante, a Sua justiça inflexível; que sejamos capazes de falar uns aos outros sobre Aquele que é incompreensível; que sejamos capazes de compreendê-lo como alguém compreende um amigo; e que andemos com Ele como andou Enoque todos os dias da sua vida. Essa, de fato, precisa ser a educação dada pelo Espírito Santo.
Mas, para não prolongar mais estes pontos, embora possam gerar muitas ideias, observemos que, de forma especial, o Espírito Santo nos ensina sobre Jesus Cristo. É o Espírito Santo que manifesta a nós a glória da pessoa do Salvador; é Ele quem nos revela o complexo caráter da Sua humanidade e da Sua deidade; é Ele quem nos fala sobre o amor do Seu coração, do poder do Seu braço, da pureza dos Seus olhos, da preciosidade do Seu sangue e da força da Sua argumentação em nosso favor. Saber que Cristo é o meu Redentor é saber muito mais do que Platão poderia ter me ensinado. Saber que sou membro do Seu corpo, da Sua carne e dos Seus ossos; que meu nome está no Seu peito e gravado na palma das Suas mãos, é saber muito mais do que as Universidades de Oxford ou Cambridge poderiam ensinar a todos os seus acadêmicos, e que eles jamais poderiam aprender tão bem. Nem aos pés de Gamaliel Paulo aprendeu a dizer: “vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim” (Gl 2.20b). Nem em meio aos rabinos ou aos pés dos membros do Sinédrio, ele aprendeu a proclamar: “Mas o que, para mim, era lucro, isto considerei perda por causa de Cristo” (Fp 3.7); e “longe esteja de mim gloriar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo” (Gl 6.14). Não, isso precisou ser ensinado, como ele mesmo diz: “não pela carne não pelo sangue; mas pelo Espírito Santo”.
Preciso dizer também que é o Espírito quem nos ensina sobre a nossa adoção. Na verdade, todos os privilégios da nova aliança, começando pela regeneração, passando pela redenção, perdão, justificação, santificação, adoração, preservação, segurança eterna, até a majestosa entrada no reino de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo ━ tudo isso é ensinamento do Espírito Santo, especialmente o último elemento, pois “Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam. Mas Deus no-lo revelou pelo Espírito; porque o Espírito a todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus” (1Co 2.9-10). Ele nos conduz às  alegrias vindouras, eleva nosso espírito e nos dá
“Aquela calma interior dentro do peito,
A plena garantia do descanso perfeito,
O qual para a igreja de Deus perdura,
O fim das dores e de toda amargura”
II ━ E, agora, vamos ao segundo ponto ━ OS MÉTODOS PELOS QUAIS O ESPÍRITO SANTO ENSINA ESSAS COISAS PRECIOSAS AOS FILHOS DE DEUS.
Aqui precisamos ressaltar que nada sabemos sobre a forma de agir do Espírito, pois Ele é misterioso; não sabemos de onde vem, nem para onde vai. No entanto, deixem-me descrever o que podemos perceber. Primeiro, ao ensinar o povo de Deus, umas primeiras coisas que o Espírito faz é despertar o seu interesse. Às vezes penso que, quando os jovens estão sendo treinados para o ministério, a coisa mais difícil é fazê-los engrenar. Eles são como morcegos no chão. Quando um morcego cai na terra, ele não consegue voar se não rastejar para cima de uma pedra e ficar um pouco acima do solo; só então ele consegue bater as asas e levantar voo. Existem muitas pessoas que precisam receber um impulso; elas têm talento, mas ele está adormecido, e é preciso soprar uma espécie de apito em seus ouvidos para colocá-las em movimento e tirar a venda de seus olhos. Ora, é exatamente isso o que acontece quando o Espírito de Deus começa a ensinar uma pessoa. Ele desperta o seu interesse para as coisas que Ele quer que ela aprenda; Ele lhe mostra que essas coisas são uma influência pessoal para o bem da sua alma no presente e no futuro. Ele a convence da verdade preciosa de que aquilo que para ela era indiferente ontem, hoje é de valor inestimável. Antes ela dizia: “de que me serve a teologia?” Agora, no entanto, o conhecimento de Cristo, e Ele crucificado, se torna a ciência mais desejável e excelente de todas. O Espírito Santo desperta o seu interesse.
Isso feito, Ele dá à pessoa um espírito ensinável. Existem aqueles que nunca irão aprender. Eles dizem que querem saber, mas nunca acharemos o jeito certo de ensiná-los. Se ensinamos um pouquinho de cada vez, eles dizem: “Você acha que sou criança?”; e se ensinamos uma porção de coisas de uma só vez, dizem: “Não consigo entender o que você diz”. Às vezes, tenho vontade de dizer àqueles que falam que não compreendem o que estou tentando lhes ensinar: “Ainda bem que não sou eu quem tem de lhe dar entendimento, se você não tem”. Ora, é o Espírito Santo que dispõe a pessoa a aprender. O discípulo senta-se aos pés de Cristo e O deixa falar o que quiser, e ensiná-lo como quiser, seja com a vara ou com um sorriso, pois está totalmente disposto a aprender. Por mais desagradáveis que sejam as lições, o aluno regenerado ama aprender as coisas que antes odiava. Por mais cortantes que sejam para o seu orgulho as doutrinas do evangelho, ele ama cada uma delas exatamente por isso, pois clama: “Senhor, humilha-me! Senhor, faz-me submisso! Ensina-me as coisas que me farão cobrir a cabeça com pó e cinzas! Mostra-me que nada sou ━ faz-me conhecer a minha insignificância; revela a minha indignidade”. Portanto, o Espírito Santo continua Seu trabalho despertando o interesse e inflamando um espírito ensinável.
Depois disso, o Espírito Santo ilumina a verdade. Às vezes, é muito difícil explicar uma coisa que você conhece muito bem de forma que outra pessoa também possa compreendê-la. É como um telescópio. Tem gente que fica desapontada com um telescópio porque, toda vez que entra num observatório e olha através da lente, esperando observar os anéis de Saturno ou os cinturões de Júpiter, diz que só consegue ver um pedaço de vidro e uns grãozinhos de areia. No entanto, um astrônomo vem, olha e diz: “Como Saturno é maravilhoso”! Mas, por que a outra pessoa não conseguiu ver nada? Porque o foco não estava ajustado ao seu olho. Com um pouco de habilidade, o foco pode ser alterado para que o observador seja capaz de ver aquilo que não conseguia ver antes. O mesmo acontece com a linguagem; ela é uma espécie de telescópio pelo qual podemos fazer outras pessoas conhecerem nossos pensamentos, mas nem sempre podemos ajustar o foco para elas. Quem ajusta o foco da maneira correta para o entendimento da verdade é sempre o Espírito Santo. Ele lança uma luz tão forte e poderosa sobre a Palavra, que o espírito da pessoa diz: “Ah, sim, agora entendo”. Mesmo no Livro precioso existem palavras que li uma centena de vezes e não consegui compreender até que, em dado momento, uma palavra-chave pareceu saltar do meio do versículo e me dizer: “veja este versículo sob a minha luz”; só então compreendi ━ nem sempre pela palavra do próprio versículo, mas pelo seu contexto ━ compreendi o significado que antes não conseguia ver. Isso, igualmente, é parte da instrução do Espírito: lançar luz sobre a verdade. Mas o Espírito Santo não ilumina somente a verdade, Ele ilumina também o entendimento. É maravilhoso, ainda, como Ele ensina pessoas que parecem não ter capacidade alguma para aprender. Não é minha intenção dizer algo que possa magoar alguém, mas conheço alguns irmãos, os quais não vou dizer se estão aqui hoje, cuja opinião sobre coisas seculares eu não levaria em conta. Em questões financeiras, por exemplo ━ ou qualquer coisa que requeresse a opinião de outra pessoa ━ eu não os consultaria. No entanto, estes irmãos possuem um conhecimento mais profundo, mais verdadeiro e mais prático da Palavra de Deus do que muitos pregadores, pois o Espírito Santo nunca tentou lhes ensinar gramática, nem teve a intenção de lhes ensinar a negociar, nem quis lhes ensinar astronomia, mas Ele tem lhes ensinado a Palavra de Deus, e eles a têm compreendido. Outros professores tentaram inculcar-lhes os rudimentos da ciência, mas sem sucesso, pois suas mentes são confusas e atrapalhadas demais; o Espírito Santo, no entanto, tem lhes ensinado a Palavra de Deus, e ela é clara o suficiente para eles. Tenho contato direto com alguns jovens. Quando temos aulas com ilustrações provenientes do conhecimento científico, todos eles parecem compenetrados; mas, no momento em faço alguma pergunta para ver se realmente compreenderam o assunto, eles ficam perdidos. Contudo, quando abordamos o capítulo de algum antigo livro dos Puritanos ━ que tratam de teologia ━ esses irmãos nos dão as respostas mais brilhantes e inteligentes de toda a classe. Quando discutimos questões hipotéticas e controversas, descubro que eles são capazes de derrubar seus adversários e vencê-los de um só golpe, pois têm profundo conhecimento da Palavra de Deus. O Espírito lhes ensina as coisas de Cristo, nada mais. Percebo também que quando o Espírito amplia o entendimento sobre a verdade bíblica, esse entendimento se torna mais capaz de compreender outras verdades. Há algum tempo, ouvi de um irmão ministro, enquanto fazíamos a comparação de algumas notas, a história de um homem que era um perfeito pateta. Ele era pouco mais que um imbecil, mas, quando foi convertido a Deus, uma das primeiras coisas que quis fazer foi ler a Bíblia. Era muito, muito difícil ensinar-lhe um versículo, mas ele queria aprender, e queria entender. Ele se esforçava ao máximo,  até conseguir ler: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus”. Depois, começaram a lhe pedir para orar. No início, ele mal conseguia formular uma frase, mas, aos poucos, foi atingindo um considerável grau de fluência, pois ele queria orar. Nas reuniões de oração, dizia, ele não queria ficar calado, sem dizer nada a seu Mestre. Ele começou a ler cada vez mais sua Bíblia, e a orar com grande proveito e aceitação daqueles que o ouviam e, não muito tempo depois, já falava nos vilarejos, e acabou por se tornar um bom e honrado pastor de uma das nossas igrejas Batista. Se, logo no início, o Espírito de Deus não tivesse ampliado seu entendimento para receber a verdade do evangelho, esse entendimento teria ficado limitado, preso e bloqueado até hoje, e o homem poderia continuar um pateta até ir para o túmulo, ao passo que, agora, ele se levanta para dizer aos pecadores ao seu redor, em linguagem fervorosa, a história da cruz de Cristo! O Espírito nos ensina iluminando o nosso entendimento.
A fim de não cansá-los, vou me apressar nos próximos pontos. O Espírito também nos ensina reavivando a nossa memória. “O Espírito Santo vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito” (João 15.26). Ele coloca todos aqueles antigos tesouros no baú da nossa alma e, quando chega o tempo certo, Ele o abre e revela cada joia preciosa na devida ordem, mostrando-as repetidamente a nós. Ele reaviva a nossa memória e, quando isso é feito, Ele nos ensina a Palavra da maneira mais excelente, fazendo-nos sentir o seu efeito, o que, no final das contas, é a melhor forma de aprender. Você pode tentar ensinar a uma criança o significado da palavra “doçura”; mas as palavras não ajudarão muito; no entanto, se você lhe der um doce, ela nunca se esquecerá do significado. Você pode tentar lhe falar sobre as montanhas magníficas, e sobre os Alpes, cujos picos recobertos de neve atingem as nuvens como embaixadores vestidos de branco nas cortes do céu; mas leve-a até lá, deixe que ela os veja, e ela jamais se esquecerá deles. Você pode tentar retratar-lhe a grandeza do continente americano, com seus montes e lagos e rios, tais como o mundo nunca viu; mas leve-a até lá e deixe que ela veja tudo com seus próprios olhos, e ela conhecerá mais sobre aquele lugar do que poderia conhecer com todo o ensino recebido em casa. O Espírito Santo, da mesma forma, não apenas nos fala sobre o amor de Cristo; Ele o irradia em nosso coração. Ele não apenas nos fala sobre a doçura do perdão; Ele também nos dá um senso de nenhuma condenação; e assim aprendemos muito melhor do que se fôssemos ensinados por palavras e ideias. Ele nos leva à sala do banquete e agita sobre nós o seu estandarte de amor (Cantares 2.4). Ele nos convida a visitar o jardim das nogueiras (Cantares 6.11) e nos faz deitar entre os lírios. Ele nos dá aquele ramalhete de flores de hena, o nosso próprio Amado, e nos pede para colocá-lo em nosso seio durante a noite. Ele nos leva à cruz de Cristo e nos pede para colocar o dedo no lugar dos cravos e a mão no Seu lado, e nos diz: “não sejais incrédulos, mas crentes”, e assim, da forma mais sublime e eficaz Ele nos ensina para o nosso próprio bem.
III ━ E agora chegamos ao meu terceiro ponto, embora eu sinta como se desejasse que meu assunto fosse um pouco menos abrangente; na verdade, este é um problema que nem sempre acontece ━ ter muito, e não pouco, para falar. Mas quando chegamos a um tópico onde Deus deve ser glorificado, aí nossa língua deve realmente ser como a pena de um escritor disposto, quando falamos sobre as coisas concernentes ao rei.
Vou lhes falar, então, sobre AS CARACTERÍSTICAS e a NATUREZA DO ENSINO DO ESPÍRITO SANTO. Primeiramente, gostaria de ressaltar que o ensino do Espírito Santo é soberano. Ele ensina a quem quer. Ele pega o tolo e o faz conhecer as maravilhas do amor sacrificial de Cristo, para envergonhar a sabedoria segundo a carne e abater e humilhar o orgulho do homem. E, da mesma forma que o Espírito ensina a quem quer, Ele também ensina quando quer. Ele tem o seu próprio tempo de instrução, e não é limitado ou cerceado por nós. Além disso, Ele ensina como Ele quer ━  alguns pela aflição, outros pela comunhão; alguns pela leitura da Palavra, outros pela pregação da Palavra; e alguns nem por uma coisa nem outra, mas diretamente pela Sua própria agência. Por tudo isso, o Espírito é soberano naquilo que ensina, instruindo a cada um na medida que Lhe apraz. Ele fará uma pessoa aprender muito, e outra pouco. Para alguns cristãos a barba nasce logo ━ eles alcançam rápida e repentinamente um alto nível de maturidade, enquanto outros se arrastam lentamente até o alvo, demorando muito para alcançá-lo. Alguns, logo nos primeiros anos, adquirem uma compreensão bem maior do que outros cujos cabelos já são grisalhos. O Espírito Santo é soberano. Ele não mantém todos os alunos na mesma classe, e nem todos na mesma lição, ensinando-os em conjunto; cada aluno está numa classe, cada um aprendendo uma lição diferente. Alguns começam no final do livro, outros no início, e outros, ainda, no meio ━ alguns aprendem uma doutrina, enquanto outros aprendem outra; alguns retrocedem, outros seguem em frente. O ensino do Espírito Santo é soberano e dá a cada pessoa aquilo que Ele quer; no entanto, o que quer que ensine, Ele ensinará de forma eficaz. Ele nunca falhou em nos fazer aprender. Ninguém jamais foi expulso da escola do Espírito por ser incorrigível. Ele ensina todos os Seus filhos, não apenas alguns ━ “Todos os teus filhos serão ensinados do SENHOR; e será grande a paz de teus filhos” (Isaías 54.13) ━ a última frase é uma prova de que todos são ensinados de modo eficaz. O Espírito nunca deixou de ensinar a verdade ao coração, ainda que o coração esteja incapacitado de recebê-la. O Espírito tem o jeito certo de alcançar as fontes secretas da vida e de colocar a verdade bem no centro da alma. Ele lança o remédio na própria fonte, não na correnteza. Nós instruímos o ouvido, e o ouvido está longe do coração; Ele ensina o próprio coração, por isso, a Sua palavra cai em terreno fértil e produz fruto bom e abundante ━ o ensino do Espírito é eficaz. Querido irmão, às vezes você sente que é um grande tolo? Seu maravilhoso Mestre ainda fará de você um grande aluno. Ele o ensinará para que você entre no reino do céu sabendo tanto quanto os crentes mais brilhantes. Mas, além de ser soberano e eficaz, o ensino do Espírito Santo também é infalível. Nós, muitas vezes, cometemos erros em nosso ensino; às vezes por excesso de zelo, outras por falta de atenção. Mesmo os maiores pregadores ou professores não são perfeitos, por isso, nossos ouvintes devem submeter aquilo que dizemos à lei e ao testemunho (Isaías 8.20); o Espírito Santo, no entanto, jamais comete erros ━ se aprendeste alguma coisa pelo Espírito Santo, ela é uma verdade sólida, pura e inalterada. Entrega-te diariamente ao Seu ensino e jamais aprenderás uma palavra incorreta, uma ideia inadequada, mas serás ensinado de forma infalível, bem ensinado em toda verdade que está em Jesus.
Além do mais, onde o ensino do Espírito é infalível ele é também contínuo. O Espírito nunca deixa incompleta a educação daqueles a quem ensina. Por mais tolo que seja o aluno, por mais fraca que seja sua memória, por mais degenerada que seja sua mente, o Espírito Santo sempre segue em frente com Seu gracioso trabalho, até nos educar e nos fazer “idôneos à parte que nos cabe da herança dos santos na luz” (Colossenses 1.12). Ele também não nos abandona até nos ter instruído completamente; pois nosso texto diz que: “Ele vos ensinará todas as coisas”. Não existe verdade tão sublime que não possa ser apreendida, nem doutrina tão complexa que não possa ser aceita. Mais e mais alto, a colina do conhecimento se eleva, mas quando estiverem lá, teus pés lá permanecerão. Por mais difícil que seja o caminho, e por mais fracos que sejam os teus joelhos, subirás até o topo e, um dia, com tua fronte banhada pela luz do céu, tua alma olhará com desdém os temporais, neblinas, nuvens e fumaça da terra, e verá o Mestre face a face, e será como Ele, e O conhecerá como Ele é. Este é o gozo do cristão: ser completamente instruído pelo Espírito Santo, O qual não desistirá dele até lhe ensinar toda a verdade.
Receio, no entanto, que hoje eu os tenha deixado entediados. Um assunto como este não é adequado para todas as pessoas. Como já disse, somente a mente espiritual pode receber coisas espirituais, e a doutrina da atuação do Espírito nunca será interessante àqueles a quem ela é totalmente estranha. Não podemos fazer uma pessoa compreender a força de um choque elétrico a menos que ela o sinta. É totalmente improvável que uma pessoa acredite nas forças ocultas que movem o universo a menos que ela tenha algum meio de testá-las. E, para aqueles que nunca sentiram a força do Espírito, ela lhes é tão estranha quanto o seria para uma pedra; eles estão fora de seu elemento natural quando ouvem falar sobre Ele. Eles não conhecem o Seu poder divino; nunca receberam Seus ensinamentos e, por isso, como deveriam se preocupar em saber quais verdades Ele ensina?
Portanto, concluo esta mensagem com uma reflexão bastante dolorosa. Como é lamentável, lamentável, mil vezes lamentável, que haja tantas pessoas que não conhecem o perigo que correm, que não sentem o peso do próprio fardo, e em cujos corações a luz do Espírito Santo nunca brilhou! Será este o seu caso, querido ouvinte? Não estou perguntando se você tem educação formal; talvez tenha, e talvez tenha se formado com honras entre os primeiros da classe; mas pode ser também que ainda seja como um burro xucro. A religião, e a verdade sobre ela, não pode ser aprendida com a mente. Anos de leitura, horas de estudo contínuo nunca farão de alguém um cristão. “O espírito é o que vivifica; a carne para nada aproveita” (João 6.63). Ah, não tens o Espírito do Deus vivo? Pois, eu te digo, meu amigo, para te lembrares disto: se a influência misteriosa e sobrenatural do Espírito Santo nunca encheu a tua alma, todas as coisas de Deus te são totalmente estranhas. As promessas não são tuas; o céu não é teu; e tu estás a caminho da terra dos mortos, da região dos cadáveres, onde os vermes não morrem e o fogo jamais se apaga. Ó, que o Espírito de Deus possa repousar sobre você neste momento! Pense nisso, pois você depende totalmente da Sua influência. Você está nas mãos de Deus para ser salvo ou perdido ━ você não está em suas próprias mãos, mas nas Dele. Você está morto em seus pecados; e, a menos que Ele o vivifique, você continuará assim. Você está à mercê de Deus da mesma forma que uma traça entre os seus dedos. Basta que Ele o deixe como está e você estará perdido; mas, quando a misericórdia fala e diz: “Que ele viva”, você é salvo. Gostaria que você pudesse sentir o peso dessa tremenda doutrina da soberania de Deus. É como o machado de Thor, que pode sacudir o seu coração, por mais duro que ele seja, e fazer a rocha da sua alma tremer na base.
“A vida, a morte e o inferno, e todos os mundos desconhecidos
Dependem totalmente do Seu firme decreto”
Neste momento, seu destino está por um fio. Você vai se rebelar contra o Deus em cujas mãos repousa o destino eterno da sua alma? Vai levantar o débil punho da sua rebelião contra Aquele que é o único que pode vivificá-lo ━ sem cuja força graciosa você está morto e deve ser destruído? Vai pecar contra a luz e contra o conhecimento? Vai rejeitar a misericórdia que é proclamada em Jesus Cristo? Se assim for, nenhum tolo jamais foi tão louco quanto você, rejeitando Aquele sem O qual você está morto, perdido e arruinado. Ah, que, em vez disso, haja o sussurro divino do Espírito dizendo: “Obedeça o mandamento divino, creia em Cristo e viva!” Ouve a voz de Yahweh, que clama:  “O mandamento é este, crê nAquele que foi enviado, Jesus Cristo”! E assim, obediente, Deus diz consigo mesmo: “Porque a mim se apegou com amor, eu o livrarei; pô-lo-ei a salvo, porque conhece o meu nome”. E você viverá para cantar no céu a soberania que, quando sua alma tremeu na balança, decidiu pela sua salvação, e lhe deu luz e alegria indizível. Jesus Cristo, o Filho de Deus, morreu na cruz do Calvário, e “todo aquele que nEle crer será salvo”. “Para vós outros, portanto, os que credes, é a preciosidade; mas, para os descrentes, a pedra que os construtores rejeitaram, essa veio a ser a principal pedra, angular” (1 Pedro 2.7). Creia no testemunho da verdade! Abaixe suas armas! Renda-se à soberania do Espírito Santo e, com certeza, Ele vai lhe mostrar que, na sua própria rendição Ele prova que já o amava, pois foi Ele quem o fez se render; foi Ele quem o tornou disposto a se curvar diante dEle no dia do Seu poder! Que o Espírito Santo agora abençoe a palavra que lhes falei, por amor do Senhor Jesus!
(1) Filósofo escocês nascido em Edimburgo, líder da escola escocesa de filosofia, na sua época, especialmente como um metafísico. Filho único de Matthew Stewart (1717-1785), um professor de matemática da University of Edinburgh, e de Marjory Stewart, filha do escritor Archibald Stewart. Educado em um seminário de Edinburgh, estudou matemática com seu pai na unicversidade local, mas logo descobriu sua vocação também para os temas filosóficos, especialmente orientado pelo Dr. Stevenson, professor de lógica, e Dr Adam Ferguson, professor de moral filosófica. Mudou-se então para Glasgow (1771) para estuar com Thomas Reid e voltou a Edimburgo (1773) para ensinar como auxiliar, matemática e moral filosófica. Com a morte do pai (1785) assumiu a titularidade da Chair of Mathematics, porém logo a trocou pela disciplina de Moral Philosophy. Casou-se (1790) com Helen D’Arcy Cranstoun, filha do honorável Mr. George Cranstoun, e desse casamento nasceram duas crianças. Influenciado por Reid, tornou-se líder da escola filosófica escocesa e escreveu vários livros com destaque para Philosophy of the Human Mind (3 volumes: 1792, 1814, 1827). Sua morte ocorreu durante uma visita à Ainslie Place, Edinburgh (1828).
(2) 1710‑1796) é um dos filósofos mais importantes do Iluminismo Escocês. Considerado o fundador da "Escola escocesa do senso comum", passou quase toda a sua vida na Escócia. Concluiu seus estudos de teologia e filosofia na Marischal College, em Aberdeen (1723-1731). Em seguida, atuou como pastor da Igreja Presbiteriana, na Escócia (1731-1751). Em 1752, foi nomeado professor regente no King's College, da Universidade de Aberdeen. Nesse período, lecionou disciplinas como matemática, física, psicologia, filosofia da mente, história natural, filosofia moral, entre outras. Em 12 de janeiro de 1758, ajudou a fundar a Aberdeen Philosophical Society ou Clube Sábio [Wise Club]. A sociedade contava com um grupo seleto de filósofos e eruditos, motivados por uma leitura rigorosa e crítica de filósofos como Berkeley, Locke, Butler e Hume. Em 18 de janeiro de 1762, Reid recebeu o título de "doutor honoris causa" em teologia, concedido por Marischal College. Dois anos mais tarde, em dezembro de 1763, aceitou o convite da Universidade de Glasgow para suceder Adam Smith em uma das cátedras mais ilustres da Europa na época: a cátedra de "Filosofia Moral da Universidade de Glasgow".

(3) Filósofo escocês (1778-1820).


Tradução e revisão: Mariza Regina de Souza